​Ocupando vidas com cuidado e arte

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Projeto CuidArte realiza ações com crianças
que residem na ocupação Valinhos II,
em Passo Fundo



Desde pequenas, as crianças da Ocupação Valinhos II vivem o desejo da família de conquistar uma moradia. Algumas delas peregrinarão por mais de uma ocupação ao longo da vida. Viver em um lugar ocupado é um desafio e uma insegurança diária. Faltam acessos a muitas coisas, especialmente no que se refere aos direitos. Mas como vivem as crianças de uma ocupação em meio a esse cenário? Foi a partir de reflexões semelhantes a essa que surgiu o projeto CuidArte, promovido pela Associação Beneficente São Carlos, em parceria com a Universidade de Passo Fundo (UPF) e Cáritas Arquidiocesana.

 A ocupação Valinhos II existe há cerca de cinco anos e conta com cerca de 130 famílias, grupo que, em grande parte, é composto por crianças. Nesse contexto, o projeto CuidArte surgiu em 2018, voltado especialmente para atender às crianças. Uma das filiais da Associação Beneficente São Carlos em Passo Fundo é o Seminário Scalabrini, que fica em frente à ocupação. “Começamos a nos dar conta da realidade social dessas famílias, que residem na ocupação Valinhos II, ou Vale da Benção, como costumam chamar. Conhecendo um pouco das demandas, resolvemos construir um trabalho social”, comenta o presidente da Associação Beneficente São Carlos, padre Alexandre Biolchi.

O nome do projeto reúne duas ações importantes: o cuidar e a arte. “O CuidArte surgiu a partir da ideia do cuidado com a vida, especialmente o cuidado com as crianças e mulheres, categorias mais vulneráveis da ocupação, e o cuidado com a arte, por meio de atividades lúdicas”, explica Biolchi.

E esse olhar para as crianças faz muito sentido para Edivânia Rodrigues da Silva, moradora da ocupação. “Crianças precisam de um lugar para brincar e não temos pracinha aqui. Sabemos o quanto esses espaços também são educativos na perspectiva pedagógica. Dessa forma, o projeto ajuda a construir relações fraternas, por meio de pinturas, jogos e conhecimento”, declarou Edivânia, que também integra a Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo, e destaca ainda a importância de investir nos pequenos. “Investir nessas crianças é investir no adulto do amanhã. E você sabe que grande parte delas não sonham em sair daqui, mas em melhorar o lugar onde moram. Então, precisamos melhorar este espaço para conjugar esse sonho com a realidade”, ressalta a moradora.

As ações do projeto costumam ocorrer na sede da ocupação, localizada no ponto mais alto do lugar. As paredes são de madeira, forradas com caixinhas tetra pak. Aos sábados à tarde, o projeto CuidArte ocupa a sede para receber as crianças, os pais, voluntários e estagiários do projeto.


Parcerias para realizar desejos e mostrar possibilidades

Diversas parcerias estão sendo realizadas a fim de potencializar esse trabalho. Dois acadêmicos do curso de Pedagogia da UPF realizam estágio com esse grupo de crianças e trabalham temas e metodologias variadas. Entre os principais assuntos, estão cidadania, direitos humanos, cuidado com a natureza e autocuidado. “Levarei essa experiência para o resto da minha vida profissional. Trabalhando com a subjetividade e o capital cultural das crianças, a gente percebe por que temos tantas dificuldades em trabalhar conceitos como cidadania, porque muitas vezes as pessoas mal têm lazer ou educação, sendo que direitos fundamentais básicos são negados, até mesmo o saneamento básico”, salienta o acadêmico de Pedagogia Leonardo Viecilli.

São muitas as atividades realizadas com as crianças, desde desenhos, pinturas, brincadeiras, até o registro dos sonhos, desejos e possibilidades. Vagner Santos da Silva, 9 anos, deseja muitas coisas, entre elas, que as paredes da sede da ocupação sejam pintadas de azul, que as janelas tenham vidros, que haja um refeitório, que a ocupação tenha árvores com um monte de frutas (laranjas e maçãs…), e que seja feito um campinho de futebol. Singelos desejos, mas que para o Vagner representam grandes possibilidades.

Ao ser perguntado sobre o que é uma ocupação, ele respondeu: “Eu ainda não sei o que é ocupação, estou tentando conhecer e aprender. Eu só sei que é importante ter casa, porque não podemos morar na rua e também não podemos ficar sem emprego”.

 O Escritório Modelo de Arquitetura e Urbanismo (VivaEmau!) da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UPF também está engajado no projeto justamente para tentar realizar os desejos das crianças na ocupação. Uma forma de mostrar ao Vagner que as possibilidades existem. “As crianças entregaram desenhos nos quais elas disseram o que gostariam que tivesse na sede da ocupação. Pretendemos começar pela pintura, que foi algo que eles representaram muito em todos os desenhos. A ideia é deixar o espaço mais colorido”, revela a acadêmica do curso de Arquitetura e integrante do VivaEmau! Samara Savariz.


Fotos: Natália Fávero 
A ocupação Valinhos II existe há cerca de cinco anos e conta com cerca de 130 famílias, grupo que, em grande parte, é composto por crianças

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