Uma espécie de nostalgia ambivalente ainda
prevalece nos habitantes da Alemanha Oriental
e é impenetrável para os ocidentais.
A queda do Império Romano, a queda de Constantinopla, a queda da Bastilha. Nós costumamos marcar os períodos históricos por grandes quedas. A queda do Muro de Berlim, foi sem dúvida, um marco na história do século 20.
Impressionado com o que aconteceu no final dos anos 1980, o filósofo Francis Fukuyama chegou a anunciar que história havia acabado. Isto é, com a derrocada do Muro e da União Soviética, acreditava ele que os seres humanos haviam alcançado o ápice da organização social e política.
O que mais poderia acontecer em matéria de graves mudanças sociais, econômicas e políticas depois que uma multidão de jovens, munida de martelos e picaretas, reduziu a pedregulhos um dos ícones do século 20? Fukuyama estava errado. A roda viva da História continuou a rodar.
O curioso é que, depois de 28 anos, o Muro acabou caindo devido a um equívoco surpreendente, vindo do próprio governo comunista; no dia 9 de novembro de 1989, durante uma entrevista coletiva de imprensa transmitida ao vivo pela televisão da Alemanha Oriental, um membro do partido, comunicou a decisão do Conselho de Ministros de autorizar, sem restrições, as viagens para o lado Ocidental.
Quando um jornalista perguntou quando a medida entraria em vigor, Günter Schabowski, que não tinha a informação respondeu: “A partir de agora”. Imediatamente milhares de berlinenses orientais e ocidentais se dirigiram para o Muro. É importante destacar que, por mais odioso que fosse, o muro representou nos anos 1960 uma acomodação entre as superpotências.
Ele representou uma trégua, uma estabilidade, por mais irônico que possa parecer, numa época em que a possibilidade de um novo confronto mundial pairava ameaçadoramente sobre o mundo, principalmente após a “crise dos foguetes” em 1962, envolvendo Cuba, URSS e EUA, que esquentou a Guerra Fria.
No campo das ideias o Muro foi uma espécie de um sonho de construir uma nova sociedade que se transformou em pesadelo e que finalmente terminava. O sonho da utopia do novo homem. Havia a esperança de que do lado socialista surgisse alguma coisa diferente do capitalismo tradicional.
Havia alguma coisa que dizia: há uma experiência de alguma planificação econômica, de apresentar uma alternativa diferente à sociedade de consumo. Era a esperança de que estava sendo construído um novo modelo de sociedade. A queda do muro representou o fim desses sonhos.
Foi virada uma página na história. Imediatamente iniciou-se o processo de reunificação da Alemanha. A junção político-econômica dos dois Estados alemães ocorreu em 1990, mas gerou novos problemas. O desemprego, a recessão, um clima social tenso, atentados neonazistas e a diminuição das garantias sociais.
O capitalismo passou a reinar de forma absoluta e, atolado em suas contradições, provocou crises como a de 2008, sendo obrigado a recorrer ao Estado para não virar pó.
Outros muros surgiram como o da Cisjordânia e o muro entre EUA e México. Falando sobre 1989, o historiador Eric Hobsbawn disse: “a experiência fundamental de todos que viveram grande parte do século 20 é erro e surpresa. O que aconteceu foi, quase sempre, totalmente inesperado.
Todos nós nos equivocamos mais de uma vez em nossas avaliações e expectativas. Alguns se viram agradavelmente surpreendidos pelo curso dos acontecimentos, mas provavelmente foi maior o número dos que se decepcionaram, um desapontamento muitas vezes agudizado por esperança anterior, ou mesmo, em 1989, por euforia.”.
Os eufóricos anunciaram a vitória definitiva do modelo capitalista e a constatação da incompetência do comunismo. Os moderados aconselharam a deixar que o século 21 tome suas próprias decisões. O historiador Reinhard Koselleck tem uma observação muito pertinente: “o historiador do lado vencedor facilmente se inclina a interpretar o sucesso de curto prazo em termos de uma teleologia ex post de longo prazo”.
Estes 30 anos mostram que não foram suficientes para unir as duas Alemanhas. Talvez seja porque os habitantes da desaparecida RDA nunca tiveram espaço para discutir o destino de seu país e de suas vidas. Mais do que uma reunificação, a união dos dois lados se resumiu em uma anexação, uma colonização da extinta RDA pela Alemanha federal que, até hoje, escreve sozinha essa história.
Mas nada piorou mais as relações atuais entre os dois lados do que a demonização do passado da Alemanha Oriental. A tendência dos alemães ocidentais em tratar a RDA como uma espécie de campo de concentração dominado por proletários sádicos é insuportável para quem cresceu nela.
Uma espécie de nostalgia ambivalente ainda prevalece nos habitantes da Alemanha Oriental e é impenetrável para os ocidentais.
O filósofo alemão Peter Sloterdijk em um artigo no jornal berlinense Tagesspiegel, tentou compreendê-la: “O socialismo era de fato um estoicismo político, portanto, uma tentativa de alcançar, mantendo modestas condições de vida, uma soberania pessoal. É importante notar que uma parte importante desse esforço foi alcançada”.