Eládio Vilmar Weschenfelde
Professor de Literatura na Universidade de Passo Fundo.
Cristiane Barelli
Professora nos cursos de Medicina e Farmácia da Universidade de Passo Fundo.
No início do século XIX, o filósofo e linguista alemão Walter Benjamin (1995, p. 199) denunciou o fim dos narradores orais, os quais classificou em dois grupos: o camponês sedentário e o marinheiro comerciante. Segundo ele, o fato acabou prejudicando “a faculdade de intercambiar experiências” orais como as comunidades. Soma-se ao fato de que hoje, em pleno início do terceiro milênio, as comunidades estão “encantadas” com os modernos meios de comunicação e entretenimento, através dos quais pessoas e grupos ficam em silêncio tuitando, ou consultando suas mensagens eletrônicas, posto que cada indivíduo está no umbigo do próprio celular, parecendo cada vez mais evidente que as tecnologias aproximam as pessoas distantes e as afastam das próximas. Nesta perspectiva um tanto trágica, o contexto atual suscita que é o momento propício da Universidade de Passo Fundo, como Fênix, buscar reestabelecer a troca de experiências com as comunidades de sua abrangência, promovendo trocas de experiências por meio da contação de histórias, como faziam os antigos Aedos da Grécia.
Para Benjamin (1995, p. 198), o fim dos contadores de histórias – narradores – deveu-se à difusão da informação, a reprodutividade técnica. Para ele, as notícias que advêm das novas tecnologias são pobres em termos de histórias, cabendo pouco espaço para a imaginação, pois muito do que se ouve e lê está a serviço da descrição e pouco para a narração, carecendo emoção e encantamento. Neste sentido, em plena era cibernética, há que se buscar o fogo que nos aquece e as pontes que nos unem com fios invisíveis. As palavras são estímulos indispensáveis para enfrentar as tristezas do mundo, essenciais no amor e na paz. Em contrapartida, Regina Machado (2004, p. 18), considera que, “…é nesse caos de começo de milênio que a imaginação criadora pode operar como a possibilidade humana de conceber o desenho de um mundo melhor. Por isso talvez a arte de contar histórias esteja renascendo por toda a parte”. Pergunta-se então, como contar histórias na era digital? Como a contação de histórias pode se incorporar no processo de promoção da leitura e da saúde? Considerando que a formação de leitores no século XXI, compreende um modelo de leitor competente a ser considerado nesse processo, Lucia Santaella (2007, p. 33) descreve o perfil cognitivo do leitor imersivo/virtual, enfatizando que a era digital traz um modo inteiramente novo de ler, distinto do leitor contemplativo da linguagem impressa:
Trata-se, na verdade, de um leitor implodido, cuja subjetividade se mescla na hiperatividade de infinitos textos num grande caleidoscópio tridimensional, onde cada novo nó e nexo pode contar uma outra grande rede numa outra dimensão. Enfim, o que se tem aí é um universo novo […], uma biblioteca virtual, mas que funciona como promessa eterna de se real a cada clique do mouse[i].
A educadora Andrea Cecilia Ramal, em Educação na Cibercultura: hipertextualidade, leitura, escrita e aprendizagem (2002, p. 13), por seu lado, ensina que a o novo estilo de sociedade exige mudanças na forma da construção do conhecimentos e de apreensão do conhecimento e o novo estilo da sociedade.
No caso do Bando e do Bandinho de Letras da UPF, constituído por acadêmicos, professores universitários, bibliotecários, agentes culturais e crianças das escolas da região, os quais dedicam parte do seu tempo para encantar, pelo instrumento da palavra dita, multidões ávidas por narrativas literárias e poemas, os quais são selecionados em função da faixa etária e do nível cultural. Contrariando Benjamin (1996), não são campesinos, nem marinheiros. Os mesmos são chamados para muitas atividades de extensão, especialmente na área da educação, cultura e saúde. Inicialmente procuraram quebrar paradigmas, identificando-se como anarquistas da palavra literária, “invadindo” distintos espaços, tais como hospitais, creches, sindicatos, emissoras de rádio e televisão para, de livros em punho, semear poemas, contos, crônicas, invocando sempre um poema do poeta romântico brasileiro Castro Alves (NEVES, 2006, p. 11):
Oh, bendito o que semeia
Livros …à mão cheia…
E faz o povo pensar!
O livro caindo n’alma
É germe – que faz a pala
É chuva – que faz o mar.
Assim, plenamente imbuídos nesse espírito do terceiro milênio, os cibercontadores do Bando e do Bandinho de Letras operaram o recurso artístico como possibilidade humana de conceber o desenho de um mundo melhor. Há que se considerar também que os cenários e as ações desenvolvidas pelo projeto de extensão denominado Bando e Bandinho de Letras, segundo Weschenfelder e Burlamaque (2009, p. 131),
Na verdade, constituem as antessalas para o maravilhoso mundo dos contos, das lendas, das fábulas e dos poemas, que dão sentido e riqueza à diversidade cultural, mesclando o tempero do prazer, da emoção e do conhecimento. Neste sentido, o contador – narrador – comunica aos ouvintes três fontes de histórias: as vivenciadas, as ouvidas, e as lidas com base nos textos literários.
No ano de 2013, 2014 e 2015 dialogando com a área da saúde, foram priorizados algumas intervenções nos espaços onde se promove a saúde, nos quais a contribuição do projeto se volta para minimizar a dor e o sofrimento e promover saúde, a qualidade de vida e a cultura do bem viver, tais como enfermaria de hospitais, asilos e unidades de tratamento ambulatorial de longa duração como hemodiálise e quimioterapia. Outrossim, também ocorreram atividades em eventos sociais e durante o 3º Seminário Internacional de Contadores de Histórias, ocorrido em 2013, especificamente antes e durante a 15ª Jornada Nacional de Literatura.
Portanto, a arte de contar histórias e de recitar poemas, como uma atividade de extensão universitária é de fundamental importância, posto que seus desdobramentos abrem portas e parcerias recíprocas – a Universidade à comunidade e a comunidade à Universidade – constituindo-se uma antessala para a formação do gosto pelas leituras múltiplas, para a promoção da saúde e da qualidade de vida. Renascendo das cinzas, como Fênix, não como teatralização, mas como comunicação de narrativas e poemas, como forma de troca de experiências, a arte de contar histórias contrói pontes que integram quatro elementos: Universidade, Comunidade, Arte e Saúde. É o “Abre-te, Sésamo” para a comunidade cada vez mais humanizada pela força da palavra.
REFERÊNCIAS
BENJAMIN, Walter. O narrador – considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In: BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas. Magia e técnica, arte e política. 6. ed. São Paulo: Brasileirense, 1995.
MACHADO, Regina. Acordais – fundamentos teórico-poéticos da arte de contar histórias. São Paulo: DCL, 2004.
NEVES, André. A caligrafia de dona Sofia. São Paulo: Paulinas, 2006. p. 11.
RAMAL, Andrea Cecília. Educação na cibercultura: hipertextualidade, leitura, escrita e aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2002, p. 81.
SANTAELLA, Lucia. Navegar no ciberespaço: o perfil cognitivo do leitor imersivo. São Paulo: Paulus, 2004.
WESCHENFELDER, Eládio Vilmar & BURLAMAQUE, Fabiane Verardi. Bando de Letras: nem camponeses, nem marinheiros. In: Leitura dos espaços e espaços de leitura. Passo Fundo: EDUPF, 2009. p. 131.