Quem respira e vive a escola, vê e sente a alegria das crianças quando são chamadas para comer. Quando questionadas sobre o que mais gostam na escola, citam a merenda escolar como um dos melhores momentos do período, seja manhã ou tarde.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos proclamada em 1948 é um marco no que se refere às normas e direitos comuns do ser humano. Em seu artigo 25º ela delibera que toda pessoa tem o direito à alimentação. O que infelizmente ocorre é que a fome ainda atinge quase 830 milhões em todo o mundo, situação agravada pela pandemia de Covid-19, a guerra na Ucrânia; a mudança climática, a infraestrutura insuficiente, a baixa produtividade agrícola e outras questões específicas de cada nação. Aqui podemos incluir a má gestão das nações.
O estudo indica que o número de famintos aumentou de 811 milhões para 828 milhões entre 2021 e 2022. A guerra na Ucrânia aparece como principal fator determinante do aumento dos preços globais dos alimentos, da energia e dos fertilizantes, o que desencadeará o aumento da fome em 2023 e nos próximos anos. Neste cenário sombrio direcionamos nosso pensamento, nossa preocupação às crianças.
Aqui no Brasil, estamos amparados pelo Estatuto da criança e do adolescente que, desde 1990, estabelece princípios e diretrizes fundamentais ao bem viver destas etapas da vida. Neste ordenamento consta o papel do Estado, da família, da comunidade e da sociedade em relação à garantia de educação, justiça, liberdade e tratamento digno, o que inclui a alimentação adequada. E aqui chegamos ao ponto central da discussão: A essencialidade da alimentação escolar!
Se compararmos a alimentação escolar de anos e décadas atrás, podemos perceber que houve significativa evolução no modo de pensá-la e organizá-la! O grande avanço é o fato de terem surgido várias legislações desenvolvidas, com apoio de outros domínios (nutrição, medicina) que demonstraram preocupação e reivindicaram mudanças em benefício do estudante.
A concepção de vida saudável ampliou a reflexão para a necessidade de uma alimentação adequada, do consumo de alimentos essenciais, das práticas de atividades físicas, da aproximação com espaços naturais etc. Todo esse conhecimento ocasionou, de modo progressivo, a mudanças de hábitos de vida da sociedade de modo geral e, isso mobilizou as gestões públicas.
O modo de viver das famílias e na sociedade como um todo parece estar mais consciente em relação ao que é saudável. E, a partir dessa ótica que prima pela saúde, aliadas a outros objetivos, as políticas alimentares foram polidas. Claro! Ainda é um processo inicial, pois como apresentamos antes, muita gente está distante desses avanços e vive em condição de vulnerabilidade ou miséria.
O fato é que: Quem respira e vive a escola, vê e sente a alegria das crianças quando são chamadas para comer.
Quando questionadas sobre o que mais gostam na escola, citam a merenda escolar como um dos melhores momentos do período, seja manhã ou tarde. Ao escutar isso, emergem alguns questionamentos como: O que a alimentação escolar comunica? Qual a relação da alimentação com a educação? O que significa para o estudante o momento de comer? O que precisamos, enquanto educadores, é entender sobre o momento do lanche. O que já sabemos é que a comida toca o âmago! E se toca, causa efeito!
Se voltarmos ao passado, numa breve reconstrução temporal, constatamos que o ritual de comer e beber juntos já era compreendido como possibilidade formativa. Como exemplo citamos os gregos, inclusive a obra O banquete de Platão traz muitas contribuições no sentido da formação humana. A reunião grega era constituída em um espaço social e político, com o sentido ético e categorias normativas circunscritas de acordo com as características e especificidades da sociedade.
Nessas ocasiões eram tratadas as questões pertinentes ao contexto e ao interesse dos participantes (o que é muito semelhante com a escola). No caso da referida obra, o assunto a ser discutido entre os presentes era o Amor. Cada um, a partir do seu ponto de vista, argumentou o que compreendia acerca deste sentimento. O debate, o diálogo, o aprendizado ocorria de modo mais exitoso se houvesse a combinação entre comida e bebida.
Obviamente, notamos a presença desta herança no nosso cotidiano fora da escola também, pois quando se menciona um encontro, logo se pensa na alimentação. Ela torna-se parte orgânica da interação que nele acontece e, assim preserva o sentido formativo.
A alimentação é amor! A alimentação é vida. É também cultura e história! Transferência de um ser para outro, de geração em geração, desde quando o ser humano ainda é pequeno, quando recebe o leite da mãe.
A alimentação é um elo que enlaça a tripartite vida-cultura-história pertencentes em uma comunidade local e também global. O ato de alimentar-se permite a conexão com o outro, com a própria consciência e desta forma, expande-se o olhar. Junto da experiência sensorial que envolve a faces do sentir, estão os afetos, os vínculos, o crescimento saudável e o desenvolvimento. Por isso as memórias em relação aos sabores, cheiros, sons, texturas estão presentes e são reverberadas com tanta satisfação e, até encantamento, pelos estudantes. Por isso que ir à merenda provoca tanto bem-estar.
Parece pertinente afirmar que a sensibilidade é difundida entre os atos de nutrir, pelas mãos dos que preparam o alimento; e o do se nutrir, pelo desejo daqueles que dirigirem ao refeitório para comer.
Tudo revela algo muito especial: o cuidado do outro, da parte de quem prepara com tanto afeto e compromisso; e o cuidado de si, da parte de quem demonstra apreço pela saúde e pelo momento de confraternização. Ambas as dimensões do cuidado são compartilhadas de modo intenso e profundo. Como dizer que não é uma forma de amor?
Para que ocorra essa concretização, a informação e a formação representam atitudes fundamentais, pois só o conhecimento é capaz de gerar e manter ativo nos envolvidos com escola (cozinheiras, professores e famílias) os saberes necessários para mobilizar nos estudantes, a parte mais favorecida, hábitos alimentares saudáveis. Neste sentido, a união em torno de um discurso único torna-se imprescindível. A ênfase em torno destes hábitos começa em casa e tem continuidade na sala de aula, pelas diferentes vozes da equipe escolar. O desfecho final é no refeitório, com ele lotado de crianças, em busca da saborosa comida saudável, em busca de uma forma de amor. O que se consolida assim, é a estreita relação entre o bem-estar físico, psicológico; a forte satisfação; e a possibilidade formativa no ato de comer.
Com isso, podemos pensar também no quanto a história, a cultura e as tradições interferem no ato de comer, isso porque há também o grande valor prática relacional que ocorre enquanto as pessoas se reúnem para alimentarem-se. A comida, neste sentido, além de formar, acolhe!
É em torno de uma mesa, seja na escola, em casa ou em festividades, que as ideias são acolhidas e compartilhadas. Novos projetos nascem. O sentido colaborativo se consolida. Então, que a gente possa cultivar a acolhida e o cuidado momento da alimentação, especialmente na escola, para que ela continue sendo especial, marca amorosa na memória e no corpo saudável que se forma com a experiência do encontro com os outros e com a comida.
Assista também: https://youtu.be/B_HbOJk7ydU?t=40
Autora: Ana Lúcia Vieira
Referências:
– Estatuto da criança e do adolescente; Declaração dos direitos humanos; O banquete de Platão