Que nós possamos ao redor de uma árvore, abraçados a elas ou sentados debaixo das suas copas pensarmos em que ideias temos sobre Deus, as coisas e a alma porque tudo é mistério para nós e para os cientistas ainda hoje.
Na música de Lupicínio Rodrigues podemos ouvir os seguintes versos “A minha casa fica lá detrás do mundo / Onde eu vou em um segundo quando começo a cantar / O pensamento parece uma coisa à toa / Mas como a gente voa quando começa a pensar”. E hoje eu quero falar sobre o ato de pensar. Sim, nós podemos voar através do pensamento e podemos também pensar em qualquer coisa que quisermos ou que seja algo à toa, como diz o poeta acima.
O pensamento que nos garante a existência e o nosso querido filósofo francês René Descartes com sua famosa proposição em latim que diz “cogito, ergo sum” e traduzida para o português “penso, logo existo” é do que nós vamos tratar neste ensaio. E existir é uma preciosidade para os homens que não sabem o seu valor. Talvez a existência seja um dos maiores presentes que o universo pode nos oferecer. Descartes descobriu que pensar só é possível se existirmos, na sua obra “Discurso do método”.
Isso é uma boa discussão para as crianças em sala de aula porque talvez elas ainda não tenham se dado conta de que podemos duvidar da nossa existência, de que tudo isso aqui é uma ilusão, não passa de um sonho e quem nos garante essa existência é o pensamento, por isso ele é tão importante. Que somos dotados de razão que nos concebe o pensamento e sendo a única forma de existência.René Descartes antes de chegar a essa sua afirmação, ele procurava uma metodologia capaz de traçar um conhecimento verdadeiro. Considerado o pai da filosofia moderna, ele se preocupava com o conceito da filosofia e o que ela podia nos oferecer de verdadeiro. O filósofo e matemático desejava obter o conhecimento absoluto, irrefutável e inquestionável.
Para Descartes, não havia nenhuma certeza verdadeira além da dúvida. Sim, ele duvidava de tudo. Contudo, Descartes encontrou algo que não poderia duvidar: da dúvida. De acordo com o pensamento do filósofo, ao duvidar de algo já estaria pensando e, por estar duvidando, logo pensando, estaria existindo.
Descartes entendeu que ao duvidar, estava pensando, e por estar pensando, ele existia. Desta forma, a sua existência foi a primeira verdade irrefutável que ele encontrou.
Tendo feito seus estudos clássicos com os jesuítas de La Fléche, Descartes logo se interessou pelas matemáticas como se fossem a causa da certeza e da evidência de suas razões. O sistema que elaborou é marcado pelo rigor.
No prefácio dos Princípios da Filosofia, ele define o conhecimento (a Filosofia) semelhante a uma árvore. As raízes são constituídas pela Metafísica, indicando que todo saber do sistema se apoia sobre a existência de Deus, considerado como o revelador e criador das verdades. É, portanto, de Deus que o homem deve deduzir as regras indispensáveis para compreender o mundo. Nessa perspectiva, a Física é a aplicação dessa concepção de conhecimento, formando o tronco da árvore. E, enfim, os galhos são constituídos pelas outras ciências (Medicina, Mecânica) e a moral, que surgem como os resultados da pesquisa, sobre a qual o próprio Descartes esboça grandes tratados.
Os professores devem ensinar as crianças sobre a metafísica, a física e a moral tomando como base o mesmo exemplo de Descartes, ou seja, a árvore. Tendo raízes, tronco e galhos ela pode ser dividida em partes diferentes e estudada de forma metafórica, mas didática, qualquer conteúdo que seja do interesse do professor e das crianças.
Há muitos críticos que questionam o ensino da filosofia às crianças, mas não concordo com nenhum deles. Acredito que o filósofo francês Michel de Montaigne no seu ensaio “Da educação das crianças” consegue nos convencer da necessidade que as crianças têm de aprenderem a filosofia a partir da tenra idade. Desde que ela seja ensinada de uma forma lúdica e criativa. Não serão com professores carrancudos e de mal humor que elas aprenderão os conceitos básicos da filosofia.
Como também devemos saber que para se ensinar a filosofia às crianças é preciso que os textos sejam adaptados para as suas idades e que a linguagem seja parecida com as delas. Levar as crianças num parque ecológico e colocá-las diante de uma árvore para falar sobre o conceito de filosofia e as suas divisões será maravilhoso. Aprender filosofia diante da natureza é preciso porque foi assim que surgiram os primeiros filósofos da physis, ou seja, todos eles tinham contato com a natureza.
Explicar para as crianças o conhecimento verdadeiro através das partes de uma árvore pode ser tarefa fácil, mas não é. O professor deve ser bem cuidadoso e explorar todas as divisões da planta de forma que as crianças possam juntá-las e separá-las sempre que sentirem necessidade sabendo que todas as partes juntas formam o conhecimento em si, ou seja, a filosofia.
As raízes explicam a metafísica e toda criança, na verdade, parece trazer a metafísica nas suas falas e questões, pois elas nas suas curiosidades querem saber de Deus, da morte, de onde viemos e para onde vamos quando morremos. As crianças podem fazer um trabalho com as raízes das árvores que se ramificam terra adentro e vão explorando o solo. De repente, elas podem explorar através das raízes algumas questões metafísicas que nunca pensaram antes com a ajuda do professor.
As raízes das árvores as sustentam no solo. São muito importantes à sua existência. Se cortamos as raízes das árvores elas morrem. É por onde a árvore tem contato com o solo recebendo dele a água e outros sais minerais. Nas raízes, para explicar a metafísica, podemos levar as crianças a pensarem se aquela árvore existe mesmo ou se não estamos tendo um sonho, de repente, se tudo o que está ao nosso redor não passa de uma ilusão do nosso pensamento ou se algo nos ilude brincando conosco.
Em Descartes vamos encontrar três níveis de ideias: as inatas, adventícias e factícias. Mas aqui abordaremos as consideradas ideias inatas que, por sua vez, são claras e distintas. É bom ressaltar que na metafísica cartesiana a ideia de Deus é considerada fonte das ideias e garantia da evidência. É Deus quem garante a veracidade e a existência das ideias que se pode conceber, podendo afirmar que as mesmas são claras e distintas, são verdadeiras. Mas, por outro lado, “(…) Pode ser que existam (…) pessoas que acharão melhor negar a existência de um Deus tão poderoso a crer que todas as outras coisas [ideias] são duvidosas”. (DESCARTES. 1999 pág. 253).
Essa tentativa de falar de Deus nasce na Terceira Meditação da obra “Meditações Metafisicas” de René Descartes. Nesta obra, os seus escritos apontam para um paradoxo acerca da existência de Deus. Em um lado está a ideia de que nenhum poder “conseguiria fazer com que eu não fosse nada enquanto eu pensar ser alguma coisa” (PASCAL. 1999, pág. 55). E do outro, todas as vezes que a ideia/opinião de Deus apresenta ao meu pensamento sou obrigado a confirmar que o mesmo existe, mesmo sendo ele um enganador.
O filósofo, para tentar comprovar a existência de Deus e resolver esta aporia existente em seu pensamento filosófico, apoia-se na evidência de que nada me pode fazer duvidar. E de que o mesmo (Deus) não é um ser enganador. Em Descartes, a veracidade metafísica é toda fundamentada na razão.
Descartes nos alerta para o fato de nos voltarmos exclusivamente ao passado e esquecer o presente como também a constante ausência da terra em que se vive, como segue com as suas próprias palavras “quando gastamos excessivo tempo em viajar, acabamos tornando-nos estrangeiros em nossa própria terra; e quando somos excessivamente curiosos das coisas que se realizavam nos séculos passados, ficamos geralmente muito ignorantes das que se realizam no presente” (DESCARTES, 1999, p. 39)
Sendo assim, a educação das crianças deve estar pautada numa paridade entre passado e presente para nortear o futuro, ou seja, as crianças devem aprender um pouco de tudo não fixando o conhecimento numa determinada parte do tempo. Como também a cultura próxima, essa da qual a criança faz parte, deve ser valorizada e explorada, sem afastar a possibilidade de conhecer a de outros povos.
Descartes deu uma grande contribuição a educação com a sua obra “Discurso do método” em que ele fala como o indivíduo deve fazer para resolver um problema. Isso é importante que as crianças aprendam.
Dividir o problema em partes e colocá-las numa espécie de caixa e ir resolvendo-o das partes mais fáceis para as mais difíceis. Com isso, ele criou o método cartesiano que parte da premissa “duvidar de tudo” e tinha quatro regras principais: i) só aceitar como verdadeiro o que está claro e não suscita dúvidas; ii) dividir cada problema em tantas partes forem necessárias; iii) analisar cada parte com clareza e plenamente acrescentando-a ao conhecimento do todo; iv) não deixar de levar em conta nada que possa ser fonte de erro. O método cartesiano é uma proposta de metodologia de ensino que assegura a facilidade do ensino-aprendizagem da criança e colabora para o desenvolvimento do seu pensamento cognitivo.
O professor pode aproveitar os galhos da árvore para resolver um problema dividindo-os em várias partes relacionando-os com o problema em questão. Separar os galhos no chão ou em cima de uma mesa e pedir para os alunos tentarem buscar soluções ou descobrirem outros problemas menores ou mais dúvidas.
Aqui, paro um pouco para lembrar do meu professor de filosofia Juan Bonaccini (in memoriam), nos anos 2000 com quem tive a minha melhor aula sobre Descartes quando ele deixou a classe inteira em dúvida sobre a nossa existência ao discutir sobre as “Meditações Metafísicas”.
Talvez eu tenha aprendido um pouco sobre o pensamento de Descartes que amo tanto e gostaria de que as crianças tivessem contato desde a tenra idade para não chegarem à idade adulta com um pensamento cheio de abobrinhas que não dizem nada e sim com um conhecimento verdadeiro e próprio a respeito das coisas. O professor Juan Bonaccini plantou uma árvore cartesiana enorme dentro de mim.
Depois de expor um pouco o pensamento de Descartes, que sei deve ser bem difícil explicar às crianças, mas eu tenho uma obra que ensina a como fazer isso. As crianças e o professor podem discutir sobre a existência de Deus numa roda de conversa. Será que Deus existe? Quem me prova que ele existe e como ele é? Por que ele não aparece? Será que ele é infinito?
Além de trazer questões para instigar a discussão, o professor deve deixar que as crianças levantem as suas e anotar tudo na lousa para depois retornar a cada uma delas com mais tranquilidade. Então, para começar a discussão com as crianças, o professor pode iniciar colocando a seguinte fala: que nós somos finitos, mas que Deus é infinito e perguntar as crianças como sabemos dessa nossa finitude e infinitude de Deus.
Explorar junto com as crianças que as árvores segundo a Bíblia Sagrada foram criadas por Deus e que Deus criou todas as coisas. Se Deus é o criador de todas as coisas e sabe de tudo, então ele é algo no qual podemos pensar e se pensamos nele de alguma forma ele passa a existir na nossa razão, pois tudo aquilo que concebemos nos nossos pensamentos é um ser que existe.
Deus não poderia ser algo enganador e um não-ser, se fosse assim não teria criado as árvores, os homens e os animais segundo consta na história. É preciso deixar que toda criança possa falar e duvidar até mesmo da existência de Deus. Sim, a dúvida em relação a Deus deve ser aceita porque, segundo Descartes ele poderia ser algo enganador e a dúvida é o princípio do bom filósofo e da filosofia. A criança que duvidar da existência de Deus buscará respostas para tantas indagações ao seu respeito que não podem ser respondidas pelo homem.
Depois de muito comentar sobre as raízes das árvores podemos passar para o seu tronco explorando assim a física. Tudo ao nosso redor é física e passarmos a ensinar as crianças a importância dessa ciência. A física permite-nos conhecer as leis gerais da natureza que regulam o desenvolvimento dos processos que se verificam, tanto no universo circundante como no universo em geral. O objetivo da física consiste em descobrir as leis gerais da natureza e esclarecer, com base nelas, processos concretos. Os cientistas, à medida que se aproximam desse objetivo, vão compreendendo melhor o panorama grandioso e complexo da unidade universal da natureza.
O universo não é um conjunto simples de acontecimentos independentes, mas todos eles constituem manifestações evidentes do universo considerado como um todo. Milhões de acontecimentos físicos ocorrem a cada segundo no universo e nós nem percebemos esses movimentos e transformações que podem ser explosões de estrelas, novos surgimentos de galáxias, asteroides se aproximando da terra e tantos outros elementos em nossa volta que se misturam ao nosso dia a dia e passam despercebidos por nós e pelas crianças que na maioria das vezes estão preocupadas com as tarefas escolares que achamos mais necessárias aos seus conhecimentos que são a matemática e a língua portuguesa. Na verdade, todas as ciências são necessárias às crianças e deveríamos permitir que elas escolhessem quais gostariam de estudar.
Nos galhos das árvores encontramos as demais ciências e podemos pendurá-las neles para mostrar as crianças o quanto são muitas e quais as que mais elas gostariam de aprender.
Nesses galhos podemos encontrar a moral que é bastante valiosa para os nossos dias atuais. Questionar as crianças o que elas conhecem da moral e para que ela serve, o que nos torna melhores quando usamos da moral e quando somos moralistas. Importante mostrar que as árvores possuem muitos galhos e que novas ciências estão sempre a surgirem com os estudos dos homens. Falar das crianças sobre a moral necessária para as boas relações sociais, fruto da sociologia a qual tanto aspiramos.
A árvore cartesiana tenta explicar a filosofia, mas o professor pode tentar explicar outros conhecimentos com base no exemplo de Descartes. Também deve ser aproveitado o momento do estudo das partes das árvores para explorar cada uma delas e as suas importâncias e benefícios para os homens.
Das raízes podemos fazer chás e remédios, do tronco podemos fazer muitas coisas como casas, o papel que usamos para escrever, fogueiras para nos aquecermos do frio e dos galhos podemos falar das suas importâncias para os pássaros e outros animais que dormem e fazem as suas casas nas árvores. Além de ir falando cada importância de as partes das árvores também falarmos das divisões criadas por Descartes. A dúvida move o homem.
Para finalizar deixo vocês com alguns versos do heterônimo de Fernando Pessoa, mais amado dos ativistas ambientais, Alberto Caeiro que nos diz “Que ideia tenho eu das cousas? / Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos? / Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma / E sobre a criação do Mundo?”
Que nós possamos ao redor de uma árvore, abraçados a elas ou sentados debaixo das suas copas pensarmos em que ideias temos sobre Deus, as coisas e a alma porque tudo é mistério para nós e para os cientistas ainda hoje. Se Deus existe que ele possa vir nos visitar e conversar um pouco conosco sentados à beira-mar ou à beira de um rio ouvindo o canto de um pássaro… o difícil é diferenciarmos o pássaro de Deus. Eu penso, logo existo!
Autora: Rosângela Trajano
Edição: Alex Rosset