A criança pode ir ao banheiro na hora que ela quiser

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A escola ainda é aquele lugar bonito, de afeto, carinho e cuidado onde a criança pode ficar com segurança, pois terá os seus direitos respeitados, aprenderá coisas novas para o seu desenvolvimento, fará amizades, compartilhará conhecimentos e será sempre ouvida pelos seus professores com atenção.

“Sufoca-se o espírito da criança com conhecimentos inúteis.”, já dizia o escritor inglês Voltaire. Que nós, professores e professoras, possamos ensinar o que será útil para as nossas crianças, não o que está no material didático somente, pois muitas vezes quem o redigiu não conhece as necessidades dos nossos alunos.

Ao invés de mandar o aluno abrir o livro didático na página de número tal, converse com ele antes perguntando sobre o seu dia de ontem, os seus sonhos, as suas conquistas, as suas dores e angústias. Depois de iniciar criticando os produtores de materiais didáticos para a educação básica, entro no assunto que quero falar hoje e sei que vai dar uma boa discussão.

Nenhuma criança deve ser impedida de ir ao banheiro no meio da aula. É um grave problema o professor que não permite os seus alunos irem ao banheiro alegando que eles vão bagunçar no corredor ou passear na quadra de esportes. Ninguém sabe o que o outro está sentindo e nem pode adivinhar quando é mentira ou verdade.

Os alunos trazem de casa alguns vícios. Muitos deles estão acostumados a irem ao banheiro de vez em quando só para mexer na torneira ou na descarga. Outros querem mesmo é ficar andando pra cima e pra baixo como faziam dentro de casa, livres para passearem por todos os compartimentos. São esses vícios que devem ser tirados aos poucos dos alunos logo nos primeiros dias de aulas.

Talvez este seja um dos maiores problemas enfrentados pelos professores do ensino fundamental II, mais precisamente no sexto ano letivo. O pior é quando todos, de uma vez só, pedem para ir ao banheiro, de repente. O que fazer? Como reagir diante de uma situação que pode parecer comum, mas que não nos ensinam nos cursos de licenciaturas?

Primeiro quero começar pelo professor autoritário e não venham me criticar dizendo que isso é mais um dos meus mimimis porque não é. Todo mundo sabe que existe professor chato e autoritário em toda escola que só trabalha para garantir o seu salário no final do mês. Não estou acusando ninguém, mas estou falando uma verdade que vejo quando visito escolas e dou cursos pelos diversos estados e cidades brasileiras.

Tem professor que usa da sua autoridade para amedrontar os alunos ameaçando-os de diversas formas. Uma delas é a perda de pontos na nota final do bimestre letivo, a outra é mandar para diretoria e a que questiono hoje que é impedir o aluno, principalmente, aquele que é mais bagunceiro de ir ao banheiro. O professor se vale da sua autoridade para fazer medo aos alunos e os acalmarem. Assim, ele tem certeza que poderá dar a sua aula para uma turma de trinta e cinco ou quarenta alunos pré-adolescentes que acham aquela aula cansativa por demais.

Também não venham me criticar dizendo que eu falo isso porque nunca vivi na prática o que é dar aulas para uma turma de quarenta alunos do sexto ano letivo em um bairro de periferia porque isso não é verdade. Eu vivi essa experiência, sim, e por isso tenho autoridade para falar aqui sobre o problema da ida ao banheiro pelos alunos.

As crianças quando estão na escola recebem os nossos cuidados. Existe o regimento escolar. Mas, antes do regimento vem o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), vem a Constituição Federal e vem um monte de leis que nem são necessárias citar aqui porque vocês as conhecem todas. Na verdade, é que a criança assim como todo adulto tem garantido por lei o direito de ir e vir quando quiser.

Este direito deve ser garantido em todos os lugares onde a criança estiver, principalmente na escola, pois nela os pais depositam toda confiança.

E como é bacana saber que os pais confiam na gente para cuidarmos dos seus pequenos, num mundo onde confiança está cada vez mais desvalorizada porque tememos deixar as nossas crianças com qualquer um, esse qualquer um, pode ser até a babá com uma lista enorme de qualificações, mas eles não a conhecem direito e será sempre uma estranha até que prove o contrário.

A escola ainda é aquele lugar bonito, de afeto, carinho e cuidado onde a criança pode ficar com segurança, pois terá os seus direitos respeitados, aprenderá coisas novas para o seu desenvolvimento, fará amizades, compartilhará conhecimentos e será sempre ouvida pelos seus professores com atenção.

Pois bem, é assim que os pais vêem a escola e é assim que deve ser, pois nós professores damos o nosso melhor para que as crianças aprendam a ler e a escrever com amor e carinho. Planejamos aulas, elaboramos trabalhos e avaliações com todo o cuidado sempre pensando no desenvolvimento cognitivo e emocional dos nossos alunos. Fazemos o melhor possível. Se é que não fazemos mais do que esse tal possível.

Se a aula está chata e cansativa, se na classe faz calor e se o seu aluno é hiperativo e precisa correr, pular, brincar o tempo todo ele não vai ficar quieto e prestar atenção nunca. Os alunos do sexto ano letivo precisam de aulas dinâmicas que os façam parar por um tempo e pensarem criticamente a respeito daquele assunto. As aulas que o professor passa a matéria na lousa e o aluno escreve no caderno são cansativas.

Ninguém suporta mais ser depósito de conhecimento. As crianças estão cada vez mais cheias de energia. A escola é o local ideal onde elas encontram outras parecidas consigo para brincarem e correrem o tempo todo.

É preciso mostrar aos seus alunos que a escola é uma instituição que eles vão para aprender a ler e a escrever, que nela há normas, que o senhor professor ou professora está se esforçando para fazer da sua aula um momento prazeroso para os seus alunos e que vai depender deles que esse momento se torne algo inesquecível no fim do dia.

Sempre que um aluno meu pedia para ir ao banheiro logo em seguida o outro fazia o mesmo pedido e com mais um tempinho vinha outro e mais outro. Muitas vezes fui surpreendida pelo coordenador pedagógico a me perguntar por que estava com tantos alunos fora da sala de aula e sempre respondia que eles tinham pedido para ir ao banheiro. Este era o meu momento mais difícil do meu trabalho como professora.

O meu coordenador trazia os alunos para sala de aula e olhava para mim com a cara de quem não gostou nada do que viu, mas eu não podia impedir de que os alunos fossem ao banheiro. Como eu ia adivinhar quem estava apertado ou não? Muitas vezes a criança comeu algo que lhe fez mal, tomou água demais no intervalo ou está com algum problema de saúde que precisa ir ao banheiro várias vezes e não quer me dizer. Eu não posso impedir os meus alunos de irem ao banheiro.

Contudo, posso fazer um combinado com a turma de que permitirei que todos possam ir ao banheiro, primeiro os mais apertados e depois os demais. A gente não precisa ser autoritário neste momento. É no diálogo que conquistamos as coisas. As crianças gostam de serem ouvidas e de opinarem. O combinado é a melhor ferramenta para mostrar aos alunos que nós, professores, estamos do lado deles, que só queremos o bem de todos eles e que aceitamos como eles são sem questionamentos.

Todo o mundo tem o direito de ir ao banheiro, mas primeiro os que estão mais apertados e depois os que estão com vontade, mas podem esperar um pouco. E quem for ao banheiro deve saber que o coleguinha está esperando o seu retorno para chegar a sua vez.

Este foi o meu combinado no primeiro dia de aula numa determinada escola num bairro de periferia da minha cidade. Não deu certo! Nunca que daria certo, gente! Os alunos mais bagunceiros quebraram o combinado e pediram todos os seis para irem ao banheiro de uma vez só alegando que estavam muito apertados. Eu permiti porque não sabia se estavam falando a verdade ou não. Na verdade, eles estavam morrendo de calor dentro daquela sala quente e abafada onde até eu estava quase desmaiando de tanto transpirar.

Então, professor e professora, esta questão de ir ao banheiro é algo difícil de lidar. Acho que cada um de vocês sabe como resolver esse problema da sua forma. O meu eu nunca resolvi. Sempre deixei os meus alunos irem ao banheiro quando eles diziam que estavam apertados porque vi na turma vizinha a minha, certo dia uma criança que era considerada a mais bagunceira da sala fazer xixi nas calças porque foi impedida de ir ao banheiro. Foi terrível ver a cena da criança chorando e o professor se lamentando por achar que ela estava mentindo.

Os alunos do sexto ano letivo das escolas de periferias vivem muitas vezes certos problemas fora da escola que não sabemos e quando estão lá dentro eles só querem saber de bagunçar e interromper a aula a todo instante. Pedem para ir ao banheiro  pra ficarem passeando pelos corredores da escola ou frequentarem a quadra esportiva. Certa vez o coordenador pedagógico pegou um deles se drogando dentro do banheiro da escola, e fiquei muito triste com isso. Fazia mais de vinte minutos que ele tinha me pedido para ir ao banheiro.

Não existe uma receita pronta para controlar a ida dos nossos alunos ao banheiro. O que podemos tentar fazer é uma aula dinâmica onde eles possam se concentrar com tarefas dos seus cotidianos. Nas minhas turmas de sexto ano eu sempre mantenho o diálogo na maior parte do tempo. Procuro saber como eles estão e os deixo falarem até se cansarem. Este diálogo é sempre baseado no assunto da aula.

Os alunos do sexto ano adoram falar das suas vidas fora da escola, das suas primeiras paixões pelas menininhas, dos seus bichos de estimação e dos seus esportes prediletos. Eu puxo conversa com o mais bagunceiro da turma sempre. É para ele que vai a minha atenção perguntando coisas sobre o seu dia a dia. Conforme ele vai explanando as suas ideias eu vou entrando no assunto da aula. Tem dias que ele não está a fim de falar, então fica mais difícil pra mim. Tento outro aluno com um assunto que sei vai despertar a sua atenção. E assim consigo dar a minha aula.

Fazer com que as crianças fiquem umas de frente para as outras também é uma boa ideia, pois elas passam a interagirem melhor. Sei que tem escolas com regras rígidas para os professores e infelizmente muitas coisas do que gostaríamos de fazer em sala de aula não é possível. Mas, professor apresente o seu plano de aulas ao coordenador pedagógico. Tente convencê-lo que dessa forma é possível que as suas aulas fiquem mais interessantes e possam reduzir a ida dos alunos ao banheiro sem necessidade verdadeira.

Quase esqueço de falar da forma como os pais defendem os seus filhos quando essa confiança por parte deles com a escola é quebrada. Geralmente, eles chegam gritando com o professor que não deixou a criança ir ao banheiro e causou-lhe vergonha diante das demais, xingamentos e ameaças de processos à escola. Neste momento em que a criança fez xixi na sua roupinha, o professor não teve ninguém para lhe acolher. Todos acusaram-no e xingá-lo de tirano ou coisa parecida.

Para evitar que a criança faça xixi em sala de aula e sofra vergonha dos risinhos e piadas dos coleguinhas o melhor é sempre permitir que ela vá ao banheiro mesmo já tendo três ou quatro lá fora. Deixe que o coordenador pedagógico se encarregue de trazê-las de volta para sala de aula mesmo dizendo que é preciso mostrar para seus alunos autoridade. A autoridade não lhe dá o direito de ser autoritário. São coisas diferentes.

A autoridade lhe convida a dizer aos seus alunos que é você quem administra a sala de aula e sabe o que é bom ou não para elas. É você quem vai decidir quais as tarefas serão feitas em um determinado horário, mas que você nunca vai impor a força nos seus alunos para eles serem obrigados a fazerem o que não querem. A autoridade é o poder de convencimento e gerenciamento de uma situação difícil de lidar. Os seus alunos precisam dela para continuarem aprendendo com eficiência.

Por isso, antes de impedir que os alunos bagunceiros possam ir ao banheiro mais de uma vez na sua aula, tente conversar com eles explicando que o senhor quer o melhor pra todos e que este melhor é a turma junto com o senhor se comprometendo a ensinar e aprender o que eles necessitam para o bom desenvolvimento. Não é balela o que eu digo aqui e muito menos teoria, é experiência de mais de trinta anos de sala de aula. Sei que é preciso um mimimi para escrever um texto como este.

Não conheço a sua turma, professor, porém sei que a sua luta deve ser árdua. Afinal, uma sala de aula com trinta a quarenta alunos debaixo de um calor de quase quarenta graus com cadeiras desconfortáveis não é todo profissional que sabe manter a ordem e nem como gerenciar uma turma onde não se consegue colocar disciplina com alunos que trazem para dentro da escola os seus mais diversos problemas do mundo lá de fora.

No entanto, antes de impedir o aluno bagunceiro de ir ao banheiro mais de uma vez na sua aula procure conversar com ele e saber se está precisando de uma coisa. Muitas vezes ele só deseja ser ouvido. Pergunte o que ele acha da sua aula e se ele gosta do seu jeito de ensinar. Peça para ele falar no que o senhor pode melhorar para que ele aprenda e explique para ele como se sente triste quando ele bagunça na sua aula. Talvez isso o leve a um pensamento reflexivo e mudança de atitude.

E para finalizar este texto cheio de xixi deixo vocês com uma frase de Victor Hugo que nos diz “Nunca ninguém conseguirá ir ao fundo de um riso de criança.” Para tentar chegar nesse local lindo, é preciso amar e respeitar a criança interior e exterior da sua vida, é preciso dar voz a criança que está ao seu redor mostrando para ela que a compreende e que em você pode confiar seus medos e angústias. Nenhuma criança deve ser impedida de sorrir.

Para amedrontar as crianças inventaram um tal cantinho do castigo em casa e na escola. A criança desobediente ia direto para esse cantinho que era um lugar estranho e doído para ela. Quem ia para o cantinho do castigo ficava estigmatizada pelas outras. Era vista como perturbadora da ordem. As demais crianças morriam de medo de passarem pelo cantinho do castigo. Leia mais: https://www.neipies.com/o-cantinho-do-pensamento-causa-dores-e-traumatiza-a-crianca/

Autora: Rosângela Trajano

Edição: Alex Rosset

7 COMENTÁRIOS

  1. Na escola do meu filho jardim II a professora disse que tinha um bicho no banheiro que era amigo delq que ia pegar a criança que ficasse indo no banheiro toda hora. Duas vezes peguei ela ameaçando criança de tomar vacina se nao ficar quieta. Foi relatado no grupo da escola e tem mãe que acha isso normal e me tacaram “pedra”. De isso é educar uma criança acho q eu nao sei educar meu filho entao. 🧐

  2. Não é bem assim, ao pé da letra. Sou coord. pedagógico e nossos alunos devem cumprir regras de sala de aula. Senão vira k…. da mãe Joana. Temos disciplinas educacionais, regimentais dentro dos princípios legais, sem desrespeitar estes ou aqueles.

    • Bom saber q vcs maltrata alunos, meu filho já reclamou sobre não poder urinar por mais de 3 horas!!! Agora sei q não podemos confiar em diploma comprado.

      • se ele estava tão apertado , dá para ir na entrada antes de começar a aula e no intervalo . A Educação vem de casa e com certeza com vícios que a escola procura também educar . Tem -se regras na escola para serem cumpridas.

    • Não me diga… As necessidades fisiológicas de seus alunos são respeitadas? Ou eles tem que aguentar até a hora do intervalo, ou a hora de saída da escola? Você não foi claro…

  3. …Também não venham me criticar dizendo que eu falo isso porque nunca vivi na prática o que é dar aulas para uma turma de quarenta alunos do sexto ano letivo em um bairro de periferia porque isso não é verdade. Eu vivi essa experiência, sim, e por isso tenho autoridade para falar aqui sobre o problema da ida ao banheiro pelos alunos…
    Bom, eu acho pior ainda, pq viveu, sabe como funciona, ou talvez esteja até desatualizada sobre a superlotação de alunos nas escolas, problemas de aprendizado e disciplina dos alunos no pós-pandemia e ainda assim quer se blindar do assunto com essas ressalvas iniciais tentando fugir das críticas sobre seu texto. Com muita segurança afirmo que esse artigo não condiz com a realidade de grande parte da vida escolar. Me pareceu mais que agora que vc saiu das salas de aulas, começa a fazer como a maioria dos pedagogos de laboratório que ficam dando pitaco em coisas humanamente impossíveis de se aplicar na vida escolar, com a estrutura e funcionários em falta nas redes escolares. Vocês que sairam do batente de sala de aula e foram para a parte pedagogo-laboratório deveriam é batalhsr para reformular essas leis que em nada atende a realidade do ensino das escolas públicas brasileiras, mas pelo que vi, preferiu só ganhar seus trocados endossando discursos de pedagogos que nunca pisaram efetivamente numa sala de aula e se pisaram esqueceram tudo que viveram nesse ambiente!

  4. Sim, através do diálogo os combinados podem ser feitos com participação ativa dos alunos e sua compreensão da necessidade das normas. Além de organizar as idas ao banheiro, os alunos exercitam a democracia, a empatia, a cidadania, a alteridade.
    Parabéns, amiga Danda! 👏👏👏

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