Ao negar a necessidade básica de aprender a aprender, aprender a viver e conviver, nega-se também a identidade humana fundamental de aprender a ser e a ser mais e melhor.
Nenhuma necessidade básica pode ser considerada supérflua para quem a possui. E há muitos com múltiplas necessidades básicas não satisfeitas. De outra parte, uma pequena parcela da sociedade alça seus desejos ilimitados e insaciáveis como necessidades irrevogáveis, originando e dando sustentação à perversa desigualdade social que caracteriza o capitalismo ultraliberal. Então, podemos afirmar que ao par do mundo das necessidades há o mundo das insuficiências.
Refiro-me aqui mais especificamente à importância e à necessidade da ciência. Ela foi e se apresenta cada vez mais indispensável na sociedade pós-moderna. Todas as ciências, embora imprescindíveis, também são insuficientes. E assim ocorre porque nenhuma delas, em particular, e nem todas juntas são capazes de abarcar a complexidade da realidade e o mistério da vida.
Entretanto, atualmente há uma tendência, que se acentua de forma assombrosa, de negar o valor e o alcance da ciência. Fenômeno que se associa à negação da verdade, da realidade, da vida e da dignidade humana. Tempos de todo estranhos!
Dos gregos aprendemos que filosofia é a ciência da amizade com a sabedoria (philos= amigo; sophia = sabedoria). E aprendemos também que o prefixo “a” exprime negação. Assim, o neologismo asophia traduz a noção e a possibilidade real de negarmos a sabedoria, quer consciente, quer inconscientemente. E pode-se, inclusive, chegar a gabar-se de negar o conhecimento, a sabedoria, a ciência e o necessário processo permanente do aprender.
Ao negar a necessidade básica de aprender a aprender, aprender a viver e conviver, nega-se também a identidade humana fundamental de aprender a ser e a ser mais e melhor.
Conhecimento não é sinônimo de sabedoria. Pode-se conhecer apenas de forma racional, somente com a cabeça. O conceito sabedoria faz pensar no saber para além do conhecer. No saber que inclui conhecimento, mas remete para o ser e o fazer. Ser sábio é diferente de ser conhecedor. A junção do conhecimento com a sabedoria constitui a verdadeira educação.
Nas palavras do educador Paulo Freire, cujo centenário de seu nascimento celebramos em setembro de 2021, a verdadeira e necessária educação precisa ser libertadora e humanizadora.
No desejo de buscar conhecimento, pode-se ir à Universidade. Nela é possível construir conhecimento, mas não só; também sabedoria. Pelo reverso, é possível não construir nem um nem outra. Ao invés de fortalecer a filosofia, pode-se elevar a asophia. Esse é o pior resultado que um ambiente universitário pode produzir. E, infelizmente, não é raro constatar esta realidade, onde educadores (ex= fora; ducere = conduzir; conduzir para fora) se transformam em meros transmissores de conhecimentos e estudantes se condicionam a ser meros depositários de informações.
O estudante universitário que afirma: “tirei nota baixa, mas o importante é que passei” nega a ciência, o processo educativo e também a capacidade de se aprimorar na sabedoria. O governante que nega a gravidade de uma pandemia, que orienta ao consumo de medicamentos de eficiência não comprovada, nega a ciência, age sem prudência e promove perdas vitais e irreparáveis. O líder religioso que utiliza da fé do povo e das Escrituras Sagradas para oprimir, alienar e produzir fanatismo também nega a verdadeira religião, a Ciência Teológica e a prática da libertação.
Toda informação, toda tecnologia, todo conhecimento e toda ciência são importantes. Porém, se não vierem acompanhados do diálogo, do respeito, da sabedoria e da sensibilidade poderão pôr tudo a perder. Conhecimento com arrogância se torna desprezível.
Ciência sem sabedoria pode se tornar perigosa. Tecnologia sem prudência pode gerar o caos e a barbárie. Portanto, trata-se de buscar sempre o que é necessário sem desconsiderar o essencial. No equilíbrio entre o necessário e o essencial poderemos avançar no caminho que nos torna mais humanizados, tal como enfatizou Paulo Freire!
Em outra publicação escrevemos: “que triste quando ninguém lê ou, mesmo lendo, não “curte”. Mas a curtição depende do sentido ou não do que se escreve para quem lê. Vale aqui lembrar o que outrora escreveu Bertolt Brecht: “Um homem que tenha algo a dizer e não encontre ouvintes está em má situação. Mas, estão em pior situação ainda os ouvintes que não encontrem quem tenha algo a dizer-lhes”. Leia mais: https://www.neipies.com/para-que-escrever/
Publicação originalmente publicada em site Unisinos: http://www.ihu.unisinos.br/612377-a-insuficiente-necessidade-da-ciencia?
Autor: Dirceu Benincá
Edição: Alex Rosset