Porque narrar é isso: desnudar-se, sem vergonha de ser apontado como falho, entregando-se a um jogo onde, acima de tudo, há um universo de histórias, que merecem ser contadas e que fazem dos seres humanos verdadeiramente especiais.
As histórias compõem o ser humano. Os narradores são os responsáveis por disseminá-las. Todos somos narradores, bem sabemos. Alguns, porém, destacam-se por usarem dessa arte de modo profissional. São artistas da palavra, cuja missão é usar da oralidade para encantar diversos públicos, lançando mão (ou não) de elementos externos, como música, fantoches, objetos. Na atualidade, nascem contadores de histórias a todo instante.
Quem conhece a fundo, sabe que a narração oral vem ocupando espaços antes inexplorados. A pedagogia se apropriou dela para auxiliar no ensino de sala de aula. As ciências ligadas à saúde a inseriram em seus contextos de trabalho como forma de desenvolvimento de terapias mais humanizadas, onde o indivíduo consegue se conectar consigo mesmo e se trabalha com mais eficácia o processo de cura. As empresas a trouxeram para junto de si, como forma de impulsionar o desenvolvimento organizacional, motivar funcionários e criar identidade da marca com seu público alvo. Até em matrimônios as histórias têm pousado. A lista é inesgotável.
À frente disso, um narrador. Alguém que empresta sua voz e corpo e, preparando-se para aquele momento, atua portando todo um elemento mágico junto de si. Eu também sou um contador de histórias.
Já contei histórias em vários dos contextos referidos, mas a minha preferência é pela narração oral em seu modo artístico-cultural. Estar junto de alunos e educadores em escolas, por exemplo. Vibrar com o público nos centros culturais ou nos teatros. Ocupar as bibliotecas e fazê-los ver que o mundo da leitura é digno, gostoso e gratuito. Assim é o meu fazer.
Contar histórias me envaidece, confesso. Faço parte de um grupo de pessoas cada vez mais atuante. O interesse do público cresce junto com as novas atividades por todo o Brasil e o mundo. A cada novo convite, tenho a sensação de estar cumprindo algo único, especial, que durará para sempre no coração de quem me ouvir. Pois, como diz Garzón Céspedes, famoso narrador oral cubano, “a oralidade é sempre com o outro e não para o outro; é plural”.
Esse exercício de pluralidade, de abertura, de partilha, dignifica a nobre arte, engrandece quem dela se utiliza, seja por diversão ou profissionalmente. Diante de tanto encantamento, porém, caio em mim e percebo: eu não sou a estrela.
A caminhada na contação de histórias me fez perceber isso. O trabalho do narrador somente se materializa porque tem algo a mostrar. Ao centro deve estar sempre a história. Ela deve ser a protagonista e a ela deve confluir todo o esforço de quem a conta.
Cada suspiro, cada palavra, cada olhar, estão voltados para a narrativa. O aplauso não é do contador de histórias. Não são para ele as loas quando se encerra uma narrativa e o público se enche de contentamento pelo que presenciou. É inegável o mérito de quem provocou aquilo; todavia, somente existe o êxito porque o profissional estava a serviço do narrar. É pela palavra, com a palavra e para a palavra que ele deve viver e atuar.
A entrega total à arte diferencia os excelentes dos medíocres. A disposição em imprimir uma marca própria, sem perder de vista a essência daquilo que a história contada expressa, conduz artista e plateia no caminho de uma grande descoberta. Porque narrar é isso: desnudar-se, sem vergonha de ser apontado como falho, entregando-se a um jogo onde, acima de tudo, há um universo de histórias, que merecem ser contadas e que fazem dos seres humanos verdadeiramente especiais.
“Atualmente, sei que meu trabalho deve se destinar a um propósito: despertar a fábula que existe dentro de cada pessoa. Fazê-las encontrar a si mesmas em cada texto, cada livro, cada história narrada, cada compartilhamento de vivências. Se, no meio desse percurso, houver uma repercussão, um impacto social, uma ressonância maior, ficarei feliz”. Leia mais sobre minha história nesta entrevista ao site: https://www.neipies.com/quando-a-arte-e-as-historias-se-impoem/
Autor: Gabriel Cavalheiro Tonin
Edição: Alexsandro Rosset