A pandemia sob o olhar de um psiquiatra

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Jorge Alberto Salton é médico, formado pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Santa Maria (1975). Especialista em Psiquiatria pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1978). Mestre em Psiquiatria pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1984). Especialista em Psiquiatria pela Associação Brasileira de Psiquiatria (1986) Professor Titular III Faculdade de Medicina da Universidade de Passo Fundo: (a) psiquiatria (b) semiologia e relação médico-paciente (c) educação e ética médica.

Diretor de filmes voltados para a área médica: 1. Diga Três: os bastidores da medicina (2008); 2. Mirante Strzelecki (2009); 3. Feedback positivo (2010); 4. Ambulatório das falsas crenças (2011). 5. Encontros em Berlim. Um filme sobre a compaixão (2013). Cursos online no site: www.salton.med.br. Palestras e cursos sobre: Como gostar da medicina hoje e evitar as síndromes emocionais ocupacionais da profissão.

Conhecemos também Jorge Alberto Salton, em nossa cidade Passo Fundo, por sua dedicação à literatura. Escreveu, dentre outros livros, “O maniqueísmo em nossas vidas” e “Convivendo com pessoas difíceis”.

Salton divide sua vida profissional atuando como professor, escritor e atendimento em consultório como psiquiatra. Mais recentemente, começou a produzir pequenos vídeos onde aborda parte de sua história e temas de suas reflexões.

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SITE NEIPIES: Por que escolheste ser médico e qual a razão de ter escolhido a psiquiatria?

SALTON: A decisão foi de última hora. Mas, provavelmente, dentro de mim havia essa motivação. Tive um pediatra, Dr. Telmo Ilha, que atendia a mim e a meus irmãos em casa. Éramos quatro, então era mais fácil vir a nossa casa e atender a todos. Era alguém que escutava o que sentíamos e transmitia uma calma muito grande. Quando ele chegava, os medos todos passavam.

SITE NEIPIES: O que mais lhe realiza e o que mais lhe desafia como médico psiquiatra?

SALTON: Vou completar 45 anos de profissão. Naturalmente, venho diminuindo meu trabalho. Os anos pesam, mas quero continuar trabalhando enquanto tiver saúde. O que mais me faz continuar é a sensação impagável de aliviar o sofrimento de uma pessoa.

SITE NEIPIES: Por que também escreves, te envolves com literatura? Qual é o papel da literatura na tua vida de médico psiquiatra?

SALTON: Fui estimulado a ler por meu avô materno, Armando Annes. Também a escrever. Bem pequeno eu escrevia um jornal “O Informador” que tinha um único leitor: meu avô. Era uma folha amarela dobrada no meio fazendo com que o jornal tivesse quatro páginas. Copiava de revistas, de livros, recortava fotos de jornais e colava. Creio que escrever, de certa forma, é me reunir com ele. Ainda hoje é.

SITE NEIPIES: Que conhecimentos dos seus livros “O maniqueísmo em nossas vidas” e “Convivendo com pessoas difíceis” podemos aplicar, diante dos desafios do atual momento histórico do Brasil?

SALTON: Tenho feito vídeos curtos de três minutos sobre esses temas. A princípio destinados a meus alunos nas faculdades de medicina que leciono (UPF e IMED), mas estão liberados para todos. Convido-os a entrar no canal do Youtube Jorge Salton. Em alguns deles, explico o pensamento maniqueísta que está dentro de todos nós. Atualmente, tem dominado nosso cenário político. Inclusive, a pandemia virou “caso de política”, infelizmente.

O maniqueísmo gera muito sofrimento: provoca conflitos de relacionamento e impede que se encontre soluções construtivas para as mazelas desta vida. Atualmente está presente de forma mais acentuada. Sempre foi endêmico, agora se mostra epidêmico.

Veja vídeo “Gandhi e Mandella não eram maniqueístas”

SITE NEIPIES: Por que também fazes e diriges filmes voltados à medicina e aos grandes dramas humanos?

SALTON: Encontrei um grupo de pessoas que se dispuseram a fazer gratuitamente obras cinematográficas: atores, alunos, colegas, profissionais de vídeo. E, em consequência, fizemos alguns filmes de longa metragem que circulam no meio acadêmico, em congressos, em faculdades. Um deles está no canal do Youtube que referi antes. Chama-se Meu lugar para Anne.

SITE NEIPIES: O que a psiquiatria tem a dizer sobre as consequências do isolamento ou distanciamento social e as reais ameaças à vida de todos nós pelo Covid 19?

SALTON: Uma situação inusitada. Dependendo das condições de vida, a pessoa poderá “crescer emocionalmente” nessa crise. Dependendo, fica muito difícil. O mais importante é manter a esperança: mais dia menos dia conseguiremos superar. Até lá, temos de procurar encontrar alternativas.

SITE NEIPIES: Qual é a função da educação e das escolas, diante de um fenômeno da Pandemia, agora em tempos remotos e precários, e quando voltarmos às atividades presenciais?

SALTON: Nós estamos lecionando via aplicativo. Na medicina da UPF o aplicativo usado é o MEET. Na medicina da IMED temos usado o ZOOM. É muito interessante essa modalidade de ensino. Os alunos estão esparramados pelo Brasil. Um participa de São Joaquim, outro de Rondonópolis, para citar exemplos. Eu penso que essa tecnologia veio para ficar. Teremos sempre aulas presencias, mas muitas continuarão, creio, via aplicativos.

SITE NEIPIES: Na sua opinião, o que estamos aprendendo, como indivíduos e como sociedade, com esta pandemia? Sairemos melhores desta crise?

SALTON: Esperamos que sim, mas só o tempo dirá. Talvez, a sociedade como um todo, valorize mais a pesquisa científica. Pois estamos na dependência dela para encontrar medicamentos e vacinas. Só assim conseguiremos retornar a vida anterior.

SITE NEIPIES: O que dirias aos professores e professoras que se veem diante de tantos desafios educacionais e de humanização?

SALTON: Eu sou professor há mais de quarenta anos. Gosto muito da atividade. Com certeza, o professor precisa de mais condições para exercer seu trabalho e para viver.

 No ano que passou, estive em dez escolas de ensino médio fazendo palestras e interagindo com alunos e professores. Me impressionou o desembaraço dos jovens de hoje e de sua facilidade para se expressar, para usar a tecnologia e sua vontade de viver. A partir de temas de literatura, acabávamos refletindo sobre o comportamento humano. Uma atividade muito gratificante, aprendi muito sobre a realidade dos jovens de hoje.

SITE NEIPIES: Uma frase, um pensamento, que lhe defina.

SALTON: Não tenho uma frase que me defina. Pois a definição de nós mesmos vai sofrendo modificações ao longo da vida. Creio que o dinamismo da vida de todos nós dificulta essa definição. Inclusive, eu lembro sempre da crônica de Euclides da Cunha “A vida das estátuas”. Até elas, objetos estacionados, parados, estão em “movimento”: representam toda a ação de uma geração em dado momento histórico.

SITE NEIPIES: Uma frase, um pensamento, que traduza como, na sua visão, o mundo deveria ser.

SALTON: Algo de muito bom aconteceu: há um quase consenso de que a vida deve ser justa, igualitária, que todos tenham as mesmas oportunidades. E assim temos um parâmetro para julgar a atuação daqueles que nos comandam. Estão correspondendo a esse consenso?

Penso que o estado democrático de direito é o menos pior de todos os regimes. Que a existência de vários poderes – executivo, judiciário, legislativo, imprensa, sindicatos, religiões, organizações civis as mais variadas – é o melhor caminho. Pois quando um poder se afasta desse quase consenso de que falei, sempre haverá a reação dos outros poderes.



O professor do curso de Medicina da IMED, Psiquiatra, Cineasta e Autor de Livros, Jorge Alberto Salton, comenta o que é necessário fazer para sentir-se feliz e realizado na profissão que escolheu. Assista ao vídeo que gravamos com o professor no Hospital Escola da IMED.



Fotos: Arquivo pessoal/Divulgação

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