A polarização política que o Brasil precisa

1937

Será que a polarização política só tem seu lado ruim? Sem polarização, teremos clareza dos projetos de nação que estão em disputa nas próximas eleições?

Chegamos onde poucos de nós imaginávamos um dia chegar. Depois da temporada da caça indiscriminada e insana aos políticos (por conta de suposta corrupção), desgraçamos toda a forma de política como busca do bem-comum, como forma de mediar os conflitos e interesses, seguindo padrões de respeito e civilidade. Construímos a ideia da não-política, da política como uma grande negação, um grande mal.

Vivemos num Brasil dividido politicamente, entre ser a favor ou ser contra, entre ser do bem ou ser do mal. Esta divisão é parte da vivência democrática, em que duelam diferentes formas de pensar e organizar o nosso país. Quem se apavora ou se assusta parece esqueceu que democracia não se faz na inércia, que democracia é, na essência, feita a partir de disputas e conflitos que permeiam o tecido social.

A supressão ou a morte da política fez parte das intencionalidades de despolitizar o povo brasileiro. Mas, não é o caminho para salvaguardarmos a dignidade humana, os direitos individuais e os direitos sociais e a cidadania. Muito antes, pelo contrário, devemos ressignificar a política democrática sem qualquer pretensão de afastar contradições e seus eternos conflitos (de interesses).

É momento de afirmarmos a política como a única saída para os grandes problemas do país, neste momento histórico. Ari dos Reis, Convidado do site, manifestou-se em reflexão Tempo de refletir e discutir política: “O agir político do cristão compreende a luta contra a injustiça, a intolerância ou a opressão; volta-se ao bem de todos com sinceridade e retidão e jamais em vista de benefícios particulares ou grupais. A política é um instrumento importante do agir cristão. Devemos compreender este exercício como direito e dever. É um processo permanente de participação em vista do bem comum, que adquire especial relevância nestes tempos de tomada de decisões”. Leia mais!

Uma sociedade moderna deveria investir mais na proximidade, na interação e nas relações interpessoais para superar estranhamentos, característicos de nosso momento histórico. Vivemos tempos onde alguns não apostam mais na convivência, na escuta, na tolerância e nas suas capacidades criativas e argumentativas como as melhores formas para resolver problemas da humanidade. 

Mas o tempo urge! A defesa intransigente da democracia, neste momento histórico, é urgente. Quem flerta com o totalitarismo e com formas arbitrárias de exercício do poder não deve ser tolerado. É necessário conhecer e reconhecer os democratas, pois se estes não defenderem a democracia como valor maior de convivência humana e social, quem o fará?

Como problematizou Cristina Schnorr, Convidada do site:

“eu gosto de política, a boa política.  Penso ser a política a maior expressão de interesse e inteligência de um povo. Em minhas veias não corre nenhum desejo de destruí-la, mas de aperfeiçoá-la, aprendê-la, respeitá-la, porque pela política e pelos políticos que nos representam, quando válidos, vocacionados e bons, posso me sentir representada pela voz e pela atuação parlamentar. Um povo que induzido ou deliberadamente decidido à preguiça política, é um povo pobre e desvalido que, ao invés de ajudar a política a ser o que deve ser, tenta desqualificá-la e destruí-la por puro desinteresse e preguiça de pensá-la, consumá-la em projetos resolutórios, é um povo estúpido.É um povo autofágico, que auto sabota o próprio bem e se consome em ignorância, superficialidade e demagogia, é um povo fadado a sempre ser dependente, colonizado e paralisado na inteligência capaz de evolução e autonomia”. Leia mais!

Neste contexto descrito acima, surgem questionamentos sobre a suposta polarização da próxima disputa eleitoral no Brasil ser muito prejudicial para a democracia.

Mas será que a polarização política só tem seu lado ruim? Sem uma eleição polarizada, teremos clareza dos projetos de nação que estão em disputa em 2022? Por que não acreditarmos e construirmos uma polarização saudável da democracia como nos tempos em que dois grandes partidos, ao duelarem pelo poder no Brasil, o faziam com base na civilidade, no respeito e na disputa política?

Pelas nossas análises e leituras, um dos novos elementos, neste momento histórico, é que os representantes do conservadorismo e da moral, que se sentem representados pelo presidente Bolsonaro, agora advogam a sua representação. Nada mal, mas que o façam testando a representação de suas ideias na urna, através da eleição, que é o instrumento da democracia. Outro elemento é uma vontade de um grupo significativo de pessoas apostando numa “terceira via”, revelando certo temor por uma disputa que aponte para os principais antagonismos e dilemas da realidade brasileira que precisam ser enfrentados, urgentemente.

Estamos em busca de algumas respostas, mesmo que incipientes.

Um dos problemas que está na gênese da formulação da suposta nocividade da polarização para a democracia é afirmar e acreditar que a disputa se dará entre dois extremos, entre forças tresloucadas ou malévolas para a nação.

Quem conhece o histórico do ex-presidente Lula, por exemplo, sabe que ele nunca esteve posicionado em extremos e demonstrou isso durante os seus governos. Quem conhece e acompanha o histórico do Presidente Bolsonaro sabe que ele flerta com posições mais radicais e conservadoras, que agora advogam seu espaço de poder.

Quem garante que a disputa se dará entre Lula e Bolsonaro, mas talvez entre um representante da direita e outro da esquerda? Não seria interessante ao país, neste momento histórico, se brasileiros e brasileiras tivessem de fazer uma escolha entre duas visões de mundo e sociedade: uma que prega maior poder do estado e que promove maior inserção para a cidadania e outra que reduz o poder do Estado e a consequente encolhimento de políticas públicas e sociais?

Acreditamos que a maturidade das instituições políticas e republicanas, dos grandes partidos e das grandes lideranças políticas serão capazes de conduzir o Brasil na superação deste momento que preservarmos e promovermos democracia. Acreditamos, igualmente, que estas mesmas instituições, com a firmeza que delas se espera, podem influenciar os cidadãos e cidadãs na superação da irracionalidade do cotidiano, representada no ambiente de xingamentos, gritaria, ataques pessoais e baixaria, principalmente, nas redes sociais.

Guilherme Simões Reis e Sérgio Schargel escreveram em publicação Não há nada mais democrático do que a polarização, “a polarização não apenas existe, como não é um problema. Pelo contrário, é fundamental para qualquer democracia saudável. Como mostra a noção de democracia agonística proposta por Chantal Mouffe, a polarização, desde que baseada em respeito mútuo pelas regras do jogo democrático, é o que faz a roda da democracia girar. Em outras palavras: para a democracia funcionar, é o dissenso, e não o consenso, que é imprescindível. Faz ainda menos sentido, portanto, que se almeje um “consenso para o bem da nação”, para repetir um mantra que sempre reaparece. O consenso somente pode existir sob um governo autoritário. Em uma democracia, o único consenso que se precisa ter é aquilo que John Rawls definiu por consenso sobreposto: concordância sobre direitos mútuos básicos como liberdade de expressão e de associação, desde que não firam os direitos básicos alheios. Ou seja, nem mesmo a liberdade de expressão deve ser absoluta, mas essa é outra extensa discussão. Leia mais!

A polarização que o Brasil precisa é aquela que permita um confronto saudável, democrático e civilizado, onde a discussão seja qual é o nosso projeto de nação, seja a articulação dos sujeitos e atores que gestarão uma política mais coesa e articulada e seja também a escolha de políticas que provam a cidadania, a justiça e a equidade social.

A polarização que estamos propondo enfrenta o “mito da imparcialidade”, fazendo com que todo mundo tenha uma posição mais definida sobre os rumos da política brasileira.

Acreditamos ser possível, para o bem do Brasil e para a sobrevivência da política. E você?

A filosofia não é uma retórica furiosa, diz Mário Sergio Cortella.Assista: https://youtu.be/pE3eNQTVQio?t=70

Autor: Nei Alberto Pies

Edição: Alex Rosset

1 COMENTÁRIO

  1. Considerando o conceito de polarização que o texto sustenta, a ideia de teses opostas em tensionamento situa-se no âmbito democrático. A polarização, nesse contexto, é saudável e mostra-se movimento de sociedades maduras, emancipadas. As dialéticas tem se apresentado desde o mundo grego, no ocidente, e sempre que estiveram no cotidiano metodológico dos debates, contribuíram com o crescimento humano e social. Os absolutismo são o oposto.

DEIXE UMA RESPOSTA