A ponte entre os terreiros de matriz africana e o Sistema Único de Saúde (SUS)

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Pouco se fala, mas os diferentes espaços, comunidades, templos religiosos de matriz africana e indígena, no Brasil, sempre estiveram no lugar de um primeiro degrau para a cura de problemas não só espirituais, mas também emocionais.

Recentemente, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) reconheceu os terreiros como equipamentos promotores de saúde e cura complementares do Sistema Único de Saúde, o SUS. Essa decisão ressalta o papel histórico dos diferentes espaços, comunidades e templos religiosos de matriz africana e indígena no Brasil.

Dentro desses espaços, pais e mães de santo oferecem um ombro amigo para dores que podem levar ao adoecimento físico e mental. “Se a cabeça não está em sintonia com a vida, com as relações afetivas, o corpo adoece”, destaca Maria Heloísa de Oxum, Ialorixá e técnica de enfermagem do Ile Axé Alaketu Oju Oxum, na Zona Leste de São Paulo. A falta de suporte afetivo e espiritual, enfatiza, frequentemente leva a doenças e, às vezes, até a morte.

Contudo, como o terreiro é um corpo-território-negro, o racismo e a falta de divulgação de seu papel biopsicossocial têm impedido o reconhecimento pleno de seu poder de cura.

A Resolução 715 do CNS, de 20 de julho de 2023, destaca a importância das religiões afro como complementares ao SUS. Em alinhamento com a Constituição Federal de 88 e a Lei Federal nº 8.080/1990, a Resolução estabelece a saúde como um direito universal, ressoando com as políticas de saúde dos terreiros de diversas religiões irmãs.

A resolução aborda a ideia de que locais como terreiros têm sido portas de acesso para os mais necessitados, e define os terreiros como equipamentos promotores de saúde. Além disso, os itens 47 e 48 fortalecem o protagonismo popular nos territórios do SUS, combatem o idadismo estrutural e promovem a intergeracionalidade.

Para a cultura de terreiro, o adoecimento é uma consequência de fatores biopsicossociais. Daniel Pereira, Babalorixá da CREIA Oxaguiã, celebra a resolução como um reconhecimento das práticas terapêuticas já existentes nas comunidades de terreiro. Ele aponta que os terreiros muitas vezes preenchem lacunas deixadas pelo poder público, funcionando como verdadeiros prontos-socorros. “Seja [atendendo] filhos e filhas de santo ou pessoas que buscam o terreiro esporadicamente.”

Ialorixá Nádia Ominodô de Ologunedé, historiadora, palestrante, ativista e funcionária pública, concorda com Pereira, afirmando que o reconhecimento faz justiça ao trabalho de cura promovido pelos terreiros, especialmente no campo emocional e espiritual.
A decisão do CNS representa um passo significativo no reconhecimento e inclusão das práticas de cura desenvolvidas silenciosa e respeitosamente pelas comunidades e pelos povos tradicionais de terreiro. É uma afirmação poderosa de uma saúde verdadeiramente inclusiva que leva em consideração a rica tapeçaria cultural e espiritual do Brasil.

Para Ipácio Carolino, Babalorixá e Cacique de Umbanda, o reconhecimento dos terreiros como espaços de cura representa reafirmar, dar visibilidade, tornar de conhecimento público aquilo que nós, povos de terreiro, sabemos desde sempre, que a saúde deve ser considerada em três dimensões: corpo, mente e espírito.

A fé (espiritualidade) é uma ciência ancestral e não pode ser desconsiderada ou descartada, muito pelo contrário, deve somar-se à ciência médica atual no processo de promoção e manutenção da saúde, assim como numa possível cura de doenças.

Nós, adeptos das religiões de matriz africana ou afro-indígena brasileira, adoecemos e procuramos médicos, hospitais, psicólogos… Assim como esses profissionais da área de saúde, quando afetados, também recorrem aos nossos terreiros.

Proposta de atividade pedagógica

Sugerimos que, após leitura deste texto, os estudantespodem fazer uma pesquisa sobre como outras tradições religiosas desenvolvem práticas de espiritualidade em situações como vida, gratidão, alegria, tristeza, acidentes, doenças, fenômenos da natureza, de forma individual ou coletiva.

Os estudantes podem ser divididos em grupos, conforme relação de religiões ou tradições a serem pesquisadas. 

Esta atividade contempla as habilidades (EF07ER02RS-01) Identificar práticas de espiritualidade vivenciadas em situações, tais como: vida, gratidão, alegria, tristeza, acidentes, doenças, fenômenos da natureza de individual ou coletivas e EF07ER02:  Identificar práticas de espiritualidade utilizadas pelas pessoas em determinadas situações (acidentes, doenças, fenômenos climáticos).

FONTE: Revista Radis: https://radis.ensp.fiocruz.br/opiniao/pos-tudo/a-ponte-entre-os-terreiros-de-matriz-africana-e-o-sistema-unico-de-saude/

Autor: Sinei Nogueira, Babalorixá da CCRIAS — Comunidade da Compreensão e da Restauração Ilê Axé Xangô (CCRIAS), doutor em Semiótica e Linguística Geral (FFLCH/USP), escritor e finalista do Prêmio Jabuti, em 2020, com o livro Intolerância Religiosa. Texto originalmente publicado no site de Carta Capital (15/08).

Edição: A. R.

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