A princesa das baratas

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Isabel não tinha noção de como se operava, e se opera hoje, a luta pelo poder. Fiquei com muita pena dela. Era apenas um sonho juvenil.

Quem luta por poder fica sujeito a todo o tipo de violência. É o caso de quem entra na política no Brasil. Dizem: “Se não tem rabo, vamos colocar um rabo nele”. Então, o importante é entrar sabendo do que vai enfrentar. Criar uma “casca grossa”. Não entrar despreparada como a ingênua Princesa Trakánova.

Estive em Petersburg quando se chamava Leningrado, nos anos Gorbachev. A economia era socialista, as regras vinham do governo central.

Um brasileiro, consultor de negócios, queria convidar para um evento em Lisboa os dirigentes de uma estatal fabricante de turbinas para hidroelétricas. O problema me disse ele que, por não falar russo, precisava de tradutor e o governo só liberava tradutor para ônibus e não para táxi. Tive a ideia de sugerir que alugasse um ônibus, pois um dólar comprava quase tudo lá. Acabei indo como secretário dele. No ônibus, apenas o motorista, ele, eu e a jovem tradutora.

Leningrado me atraiu a ponto de ficar colecionando fatos de sua história.

Vou contar um retirada do livro “Catarina, a Grande, & Potemkin” de Simon Montefiore. Almirantes russos ancorados em Livorno contaram a Catarina II (1729-1796) que na Itália uma jovem chamada Isabel afirmava ser a verdadeira herdeira do trono russo. Dizia-se neta de Pedro I.

A moça, de vinte anos, era esbelta, de cabelos negros e olhos cinzentos. “Apaixonava-se” por aristocratas mais velhos que a financiavam. Era dotada de uma cativante delicadeza sentimental.

Nunca se soube de fato quem era ela. Filha de um dono de cafeteria tcheco? De um padeiro de Nuremberg? Como as comunicações eram lentas, era fácil se passar por membro da aristocracia e da realeza de um outro país.

Catarina não estava disposta a correr riscos com pretendentes, por mais aparentemente frágeis que fossem. Mandou seus subalternos russos a sequestrarem. O comandante da frota russa na Itália e o representante diplomático Orlov-Tchésmenski arquitetaram um plano para atraí-la. Alegaram que planejavam destronar a golpista Catarina, nem russa era, do trono de Petersburg. Orlov, inclusive, mostrou-se apaixonado por ela.

A “Princesa Isabel” aceitou inspecionar a frota russa em Livorno. Salvas imperiais foram disparadas. “Viva a Imperatriz!”, saudaram-na os obedientes marinheiros. Os seus sonhos se realizavam. Porém, logo estava confinada na parte baixa do navio.

Ao chegar em Petersburgo, em 12 de maio de 1775, a “princesa” foi presa na Fortaleza de São Pedro e São Paulo. Lá permaneceu, na companhia de baratas, em cela subterrânea que alagava nas enchentes do rio Neva.

Sofrendo de tuberculose, em 4 de dezembro de 1775, com vinte e três anos, veio a falecer, ficando conhecida como a “princesa Tarakánova”, literalmente, “das baratas”.

Isabel não tinha noção de como se operava, e se opera hoje, a luta pelo poder.

Fiquei com muita pena dela. Era apenas um sonho juvenil.

Autor: Jorge Alberto Salton

Edição: Alex Rosset

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