A República de Platão

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Num mundo invadido por fake news, por fanatismos de todos os gêneros, por autoritarismos que se manifestam de várias formas, a leitura e o estudo da República de Platão pode se apresentar com um bom antídoto para evitar o império da opinião que tem causado tantos estragos na condução dos rumos da sociedade e uma ameaça ao processo civilizacional.

Platão foi um dos grandes filósofos da humanidade que influenciou fortemente os pensadores ocidentais da cristandade e dos tempos modernos. Sua vasta obra continua sendo estudada não só no campo da filosofia, mas se estende para outras áreas do conhecimento como literatura, psicanálise, direito, religião, artes dentre outras.

Dentre as diversas obras escritas por Platão, uma das mais estudadas e conhecidas é A República. É nesta obra que Platão trata de um conjunto de temas do seu pensamento, dentre os quais destacam-se o papel que o filósofo deve ocupar na cidade ideal, quais são as ciências necessária para a formação do filósofo, a relação entre filosofia e política, a distinção entre opinião e ciência.

A República é composta de dez livros e um dos mais lidos e conhecidos é o livro VII, pois é nele que didaticamente o filósofo grego apresenta a alegoria da caverna e seus amplos e complexos significados. É nesta alegoria que Platão faz uma distinção entre mundo inteligível e mundo sensível, entre ciência e opinião, entre mundo das aparências e mundo das essências.

Para Platão, as ideias ou essências são percebidas unicamente pela inteligência, pelo esforço do pensamento dispensando o testemunho dos sentidos e o recurso da experiência sensível. As opiniões, por sua vez, são múltiplas e contraditórias, não possuem precisão e estabilidade, pois são fruto da experiência sensível de cada um.

A título de exemplo, podemos pegar a beleza: quando alguém emite uma opinião sobre a beleza de uma coisa (uma paisagem, um obra de arte, um rosto de homem ou de mulher), emite tal opinião porque está sensível a certos aspectos que lhe agrada e por isso diz que algo é belo. Mas o que agrada a um, pode desagradar o outro que talvez seja sensível a outros aspectos. Se a opinião é parcial, incompleta, superficial e mutável, o que hoje lhe agrada, pode desagradar em outro momento; o que agrada para uns, pode desagradar a outros.

O mesmo pode ocorrer com a justiça: uma pessoa pode acreditar estar elaborando uma opinião livre, verdadeira, honesta, pessoal sobre alguma coisa; mas na verdade, pode estar apenas baseando-se numa impressão passional sobre uma determinada situação, ou seguindo o opinião da maioria.

Em tempos de redes sociais e fake news, alguém pode estar emitindo juízos de valor sobre algo falso, acreditando estar emitindo um julgamento justo e verdadeiro sobre alguém ou sobre um acontecimento.

Para Platão, tanto a Beleza quanto a Justiça não podem estar baseadas na opinião, pois dificilmente compreenderíamos o que é Beleza ou Justiça, se nossos juízos estiverem baseados na nossa forma sensível de compreender o que é o Belo e o Justo.

Os sentidos, para Platão, constituem obstáculos ao conhecimento verdadeiro das coisas, pois retêm a compreensão no estágio das opiniões parciais e precárias, fazendo com que se torne verdadeiro o que nada mais é do que a aparência fragmentada e mutável da realidade.

Tanto a Beleza quanto a Justiça não podem ser reduzidas a opinião, pois cairíamos num relativismo infinito e dificilmente teríamos condições de compreender tanto uma quanto a outra.

Há certamente um valor pedagógico inestimável na forma como Platão coloca o problema da relação entre opinião e ciência, pois nos ajuda a perceber que não se pode basear a educação da nossas futuras gerações tendo por fundamento a opinião.

Num mundo invadido por fake news, por fanatismos de todos os gêneros, por autoritarismos que se manifestam de várias formas, a leitura e o estudo da República de Platão pode se apresentar com um bom antídoto para evitar o império da opinião que tem causado tantos estragos na condução dos rumos da sociedade e uma ameaça ao processo civilizacional.

Autor: Dr. Altair Alberto Fávero

3 COMENTÁRIOS

  1. Parabéns professor Fávero. Por mais mentes inspiradas em Platão e nemos crenças em fake news

  2. Parabéns professor Altair! Texto muito esclarecedor e instigante. Fico feliz em aprender mais sobre a Filosofia, Platão e a compressão de mundo! Sabendo que nossa missão é educar seres reflexivos e não meros espectadores que desejem basear tudo em opiniões.

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