A jornada que realizamos é pedagógica, pois, em ambientes formais e informais ocorrem os processos de aprendizagem. Não é possível existir sem aprender; esta é a tese sobre a qual desejamos discorrer neste breve texto.
Escrito depois da jornada pedagógica ocorrida na Rede Estadual de Ensino do RS, de 03/02/ 2025 à 07/02/2025
Estamos em jornada pedagógica, não por determinação de uma rede, nem por um tempo que no Kronos se dissolve. Estamos em Jornada porque essa é uma condição existencial. Fazer caminhada, mover-se com esperança na direção do humano que nos habita, trabalhando no sentido de nascer a todo instante, é por excelência, tarefa nobre da qual não podemos e nem devemos fugir.
A jornada que realizamos é pedagógica, pois, em ambientes formais e informais ocorrem os processos de aprendizagem. Não é possível existir sem aprender; esta é a tese sobre a qual desejamos discorrer neste breve texto.
Desde o princípio da vida, estamos envolvidos por contextos que vão constituindo nossa identidade de aprendiz. Alguns processos são ditados pelas regras biológicas, neuropsíquicas, outros, pelo ambiente no qual somos gestados, aos quais nascemos e crescemos. Um nascituro que tem suas necessidades físicas e emocionais atendidas tende a desenvolver-se melhor, inclusive no que diz respeito às capacidades cognitivas, superação de barreiras e inteligência socioemocional.
Aprendemos, quando bebês, que é através do choro, dos movimentos do corpo, por estímulos e respostas que comunicamos necessidades vitais como alimentação, higiene, afeto, cuidado. Um ser humano mentalmente sadio, não ficará, em quaisquer hipóteses, alheio e imune ao choro de um bebê. A linguagem do bebê inscrita no seu corpo está carregada de significados a serem aprendidos por pais, mães, cuidadores, enfim, todos. Da mesma forma, a observação dos comportamentos e queixas dos adultos e idosos transmitem conteúdos que vão além do que conseguem expressar as palavras. Toda ciência nasce da capacidade de admirar -se perante o mundo da vida.
É nos sentidos que a educação principia, como defendido pelo educador e psicanalista Rubem Alves. É na experiência proporcionada pelos sentidos que desvendamos o mundo e nos relacionamos com as belezas que saltam aos nossos olhos: com odores, gostos, sabores e sensações táteis. A aprendizagem se inicia na curiosa observação e segue se consolidando nas experiências, inscrevendo-se, portanto, no próprio corpo no mesmo tempo que o transcende. Isso porque ideias, não são palpáveis e nem localizadas em neurônios específicos, mas estão em nós e aparecem disfarçadas em palavras, imagens e emoções.
A esse respeito o famoso William Shakespeare escreveu um belo e famoso texto condensando algumas aprendizagens.
Assista o vídeo contendo esse conteúdo magnífico. https://youtu.be/1ge_IdqQYrQ?si=1A9WpGy2ys2vCzWc
Potencializados para o aprender, desde o ingresso em espaços escolares além dos vastos conteúdos produzidos pela cultura, somos desafiados a arte da convivência. Deste modo, desvendamos os desafios e as benesses de sermos, como já dizia o filósofo grego Aristóteles “animais políticos”. De formas leves ou a duras penas, aprendemos que é indispensável conviver com os “espinhos… uns dos outros” como a única forma de garantirmos nossa sobrevivência. Essa metáfora, dos porcos espinhos cunhada por Arthur Schopenhauer dá o que pensar, especialmente nestes tempos de amores virtualizados e idealizados.
É como se o kronos a tudo pudesse engolir para garantir a realidade de aparências e relacionamentos desprovidos do sentido e da essência que só o verdadeiro amor pode ofertar. Infelizmente, parecer ser é objetivo disfarçado em belas postagens de Instagram e no marketing que produz o consumismo sem limites, a injustiça e a morte.
A nossa existência é construída nessa jornada, por excelência pedagógica, visto que podemos aprender com o passado, refletir o presente e projetar o futuro. Esses são tempos eminentemente existenciais, pois fundamentam-se na necessidade de evoluirmos como seres humanos, produtos e produtores da cultura.
Aprender e Ser são verbos que se conjugam juntos e em todos os tempos. É urgente utilizarmos o gerúndio nessa jornada existencial que requer leveza e naturalização dos processos de aprendizagem, tanto nos espaços formais quanto informais.
O relato a seguir, extraído do livro “O saber em Jogo: A psicopedagogia propiciando autorias de pensamento”, intenciona nos ajudar a compreender a importância da naturalização dos processos de aprendizagem. É dessa concepção que carecemos para transformar o fazer pedagógico e existencial que ocorre o tempo todo.
– Vou aprender a nadar – diz Silvinia, com a alegria de seus seis anos mal completados.
– Vai nadar? – Intervém a irmã, três anos mais jovem.
– Não, vou aprender a nadar.
– Eu também vou brincar na piscina.
– Não é o mesmo. Eu vou aprender a nadar, diz Silvinia.
– O que é aprender?
– Aprender é … como quando papai me ensinou a andar de bicicleta. Eu queria muito andar de bicicleta. Então… papai me deu uma bici… menor do que a dele. E me ajudou a subir. A bici sozinha caí, tem que segurar andando…
– Eu fico com medo de andar sem rodinhas.
– Dá um pouco de medo, mas papai segura a bici. Ele não subiu na sua bicicleta grande e disse:
_ “Assim se anda de bici”.
_ Não, ele ficou correndo ao meu lado sempre segurando a bici…. muitos dias e, de repente, sem que eu me desse conta disso, soltou e seguiu correndo ao meu lado. Então, eu disse: _ Ahhh! Aprendi!
– Aprender é quase tão lindo quanto brincar – respondeu.
– Sabe, papai não fez como na escola. Ele não disse “Hoje é o dia de aprender a andar de bicicleta”. Primeira lição: andar direito. Segunda lição: andar rápido. Terceira lição: dobrar. Não tinha um boletim onde anotar: muito bem, excelente, regular… porque se tivesse sido assim, não sei, havia algo nos meus pulmões, no meu estômago, no coração não me deixaria aprender.
Por fim, mas deixando o tema em aberto, aprender, tanto em espaços formais de ensino, quando no cotidiano da vida onde quer que ela aconteça, deveria ser tão lindo quanto o brincar vivenciado por Silvinia.
Existir não deveria ser verbo conjugado pela incerteza e na dor de tantas e muitas injustiças. Muito pelo contrário, a existência deveria ser para toda humanidade, uma aprendizagem marcada pela beleza e leveza do brincar de uma criança. Se a educação formal e informal não se pautar por tais convicções humanas e humanizadoras, então que se fechem as instituições de ensino e se retorne à existência acorrentada no “mundo da caverna,” como ilustrado pela alegoria do filósofo Platão.
REFERÊNCIAS
ALVES, RUBEM. Educação dos sentidos e mais. 6⁰ ed. São Paulo. Versus. 2010.
KARNAL, L. O dilema do porco-espinho: como encarar a solidão. 2. ed. São Paulo: Planeta
do Brasil, 2018.
FERNÁNDEZ, Alicia. O Saber em jogo: a psicopedagogia propiciando autorias de pensamento. Trad. Neusa KernHickel. Porto Alegre: Artmed Editora, 2001
ABRAL, João Francisco Pereira. “O conceito de animal político em Aristóteles”; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/filosofia/o-conceito-animal-politico-aristoteles.htm. Acesso em 13 de fevereiro de 2025.
PLATÃO. A República. Rio de Janeiro: Editora Best Seller, 2002. Tradução de Enrico Corvisieri.
Autor: Marciano Pereira. Contribuições de Nelceu Alberto Zanatta. Também escreveu e publicou no site “Uma carta de gratidão e indignação amorosa”: www.neipies.com/uma-carta-de-gratidao-e-indignacao-amorosa/
Edição: A. R.