Religiosa e teologicamente, a violência é o mal
a ser evitado e superado em nome de Deus,
pois Deus é o antimal por excelência.
Eticamente, a violência é o que não deveria ser, o que não é bom que aconteça. Antropologicamente, é preciso fazer uma distinção entre agressividade e violência.
Somos um animal agressivo por natureza, mas não somos violentos naturalmente. A violência é uma opção e não um destino e uma condenação, tal Sísifo, condenado a carregar eternamente a maldita pedra.
Em outras palavras, a violência em nós é uma possibilidade de ser, uma escolha, e não uma condição natural ou uma condição ontológica. Religiosa e teologicamente a violência é o mal a ser evitado e superado em nome de Deus, pois Deus é o antimal por excelência. Entender Deus como antimal e, por consequência, o não violento, é o que nos cabe pensar.
A paz veste as cores das religiões. No Bandaranaike memorial international conference hall de Colombo, os representantes do budismo, hinduísmo, islamismo e cristianismo, as quatro principais comunidades religiosas do Sri Lanka, lançaram uma mensagem de paz e reconciliação com o Papa Francisco.
Há muita gente, inclusive bons intelectuais, que acusam o Deus bíblico de sádico e violento. É fato que a Bíblia é perpassada por violência do início ao fim, mas seria fundamentalismo vulgar atribuir a Deus a sua autoria.
Não é o caso, e nem sou gabaritado para tanto, de fazer exegese e hermenêutica bíblica das passagens mais representativas da bíblia para mostrar que lá onde o fundamentalista enxerga violência de autoria divina há, na verdade, uma narrativa do que não deve ser e o que deve ser evitado e condenado em nome de Deus. Dois lugares são, contudo, paradigmáticos: Caim e Abel e A cruz de Jesus.
A narrativa de Caim e Abel é, segundo alguns intérpretes, o lugar privilegiado para se pensar a violência, inclusive, como pecado original. Tradicionalmente, o pecado original foi situado e interpretado como sendo o pecado de Adão e Eva, um ato de soberba e de desobediência. Uns mais moralistas têm, inclusive, interpretado o pecado de Adão e Eva como sendo um pecado de cunho sexual e transmissível sexualmente, feito vírus que penetra a corrente sanguínea e contamina hereditariedade.
Na verdade, o lugar privilegiado para se pensar o pecado original é Caim e Abel e ele é sinônimo de violência assassina. O que Deus criou, na palavra e no amor, era bom e harmonioso. A palavra e o amor tendem para a paz. Mas, Caim não quer saber de paz e amor e parte para a ignorância, como diríamos no popular e mata o irmão Abel.
O motivo do primeiro homicídio da história, segundo a bíblia, é envolto em interpretações múltiplas que vão da inveja pura e simples, até a trama sofisticada da construção da rivalidade num jogo de desejo mimético triangular entre Caim, Abel e o reconhecimento e o não reconhecimento da oferta de Caim por parte de Deus. Para o nosso intento, contudo, é irrelevante saber o verdadeiro motivo.
Não está claro, também, porque Deus não se agrada da oferta de Caim, mas está claro que Deus não quer a violência de tal forma que protege Caim contra possíveis assassinos no círculo da vingança.
É isso que importa perceber, Deus não quer a violência e não fica feliz com Caim, mas o protege mesmo assim. O ato de proteção não é, da parte de Deus, um ato que abençoa a violência, antes, pelo contrário, é um ato de desejo de superação da violência e proteção da vida.
O interessante é que Deus não evita magicamente que o ato aconteça, mas está “de olho” e aparece no final para dizer: que feio, Caim! Mesmo assim, o protege contra a escalada da violência sem fim no círculo da vingança.
Em Jesus acontece o mesmo. Deus não quer a sua morte violenta, contudo, não a impede. Impedir a morte de Jesus seria intervir na liberdade do mundo criado e, como num retorno ao mitológico e ao não histórico, intervir magicamente por cima das vicissitudes humanas que Deus, por ser Deus, respeita. Mas, no final, a morte violenta, fruto dos podres poderes do mundo, é vencida pela ressurreição.
É de se notar que Deus não exerce nenhuma violência contra os violentadores de seu amado Filho. Não há vingança alguma. Mas há um processo pedagógico e teológico do mais alto grau. Contra a violência e o mal, nem mesmo Deus está isento, pois sofre das suas consequências.
Aquele que foi dom, amor, entrega e pregador da paz, é vítima sumária e injusta da violência. Jesus, que se compadecia e sofria com o sofrimento do outro, na cruz, sofre a violência, mas Deus não o abandona e o Ressuscita. Compaixão, Paixão e Ressurreição. Eis a resposta cristã ao mal e à violência.
Ainda que eu falasse A língua dos homens E falasse a língua dos anjos. Sem amor eu nada seria.