Há 25 anos trabalhando como psicóloga,
em consultório, Tanize Vieira atende, prioritariamente,
o público de crianças, adolescentes e jovens.
Em sua trajetória profissional, Tanize teve oportunidade de perceber mudanças de comportamentos e mudanças na percepção do papel e da função do profissional e terapeuta psicólogo.
Nesta entrevista, contará as motivações pessoais para o exercício da profissão, suas aprendizagens, suas percepções sobre a importância do psicólogo ou psicóloga, sua compreensão sobre as maiores dificuldades pelas quais passam as novas gerações de crianças, adolescentes e jovens.
Esta entrevista faz parte da Série Profissões Educadoras que editamos ao longo dos últimos 5 anos de existência do site.
Conheçamos Tanize Vieira por ela mesma. Ela revela, com simplicidade e profundo conhecimento, importantes aprendizagens pessoais e profissionais como psicóloga.
NEI ALBERTO PIES: Como, quando e porquê decidiste ser psicóloga?
Foi na infância, aos 8 anos de idade, não me recordo de que maneira, mas descobri que psicólogo era uma pessoa que ajudava outras pessoas e isso chamou muito minha atenção. Desde então, sonhava em ser. Mais tarde, no ensino médio, tive contato com uma profissional e aulas introdutórias à psicologia o que ajudaram a confirmar esta minha vontade de ser psicóloga.
NEI ALBERTO PIES: O que mais te realiza na profissão nestes mais de 20 anos atuando em consultório?
O que me realiza é perceber o resultado humano, a singularidade de cada um. Tanto o resultado de apenas uma consulta, em perceber a pessoa saindo mais leve, aliviada, quanto o resultado a longo prazo, em perceber a mudança, a evolução de uma pessoa que se libertou de seus traumas.
Perceber que ajudei uma alma é uma gratidão tremenda.
NEI ALBERTO PIES: A sociedade já entendeu a função e o papel do psicólogo ou psicóloga?
A informação agora é muito mais acessível, então percebo grande evolução no entendimento da profissão de um psicólogo. Porém, ainda há muito estigma por parte dos mais antigos, principalmente homens, que tentem guardar as mágoas ou tentar resolver sozinhos com o clássico “não sou louco, porquê vou me tratar?!”.
Percebo que os jovens são mais abertos para discutir sobre saúde mental, a importância de um profissional, e em ser proativos em busca de tratamento.
NEI ALBERTO PIES: Quem trata os outros, também se trata?
Claro, já fiz terapia e isso me ajudou a compreender minha própria alma, medos, dificuldades, dores e sonhos. É muito importante estar preparada para separar minha história da do paciente, conseguindo assim lidar melhor com os processos que envolvem uma sessão psicológica.
NEI ALBERTO PIES: Qual é o foco da tua abordagem terapêutica com crianças, adolescentes e jovens?
Tenho como lema pessoal e profissional esta citação de Jung: “Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana.”
É de suma importância conhecer diversos métodos pois cada pessoa é única e eu, como profissional, utilizo disto para adaptar a melhor abordagem para as necessidades do paciente, mas antes e acima de tudo, o meu próximo.
NEI ALBERTO PIES: O que ainda explica tanta dificuldade dos pais e mães aceitarem tratamento ou terapia psicológica e psiquiátrica?
Pois muitos pais, a necessidade de recorrer a um psicólogo atesta a sua incapacidade como cuidador e criador, é como se fosse uma confirmação de “eu falhei”.
A abordagem do meio da criança envolve as relações mãe-criança-pai-criança o que desperta sentimentos de responsabilidade e, as vezes, culpa.
Quando o psicólogo entra nestas dificuldades e formas de conflitos, há uma tendência dos pais em querer manter o status-quo e conservar o padrão de relacionamento, fazendo os pais não colaborar, boicotar ou interromper o tratamento.
NEI ALBERTO PIES: Na sua visão, o que provoca tanto sofrimento e distúrbios psíquicos em nossas crianças e jovens?
Este é um tema complexo e analisa as mais diversas camadas sociais, desde o micro ao macro.
Por um lado, percebemos mais distúrbios pois a conversa sobre a saúde mental é mais presente, não mais se esconde o filho doente, a integração e o diálogo agora são diários.
Por outro, esta geração coincidiu com o boom tecnológico e informacional com o qual nós não fomos criados (eu mesma tenho muita dificuldade com esta parte). Esta dualidade causa muita confusão na criação de nossas crianças.
Além deste meio cultural, mudamos de paradigma socioeconômico. Como vimos anteriormente, as relações mãe-criança-pai-criança são responsáveis por boa parte da formação, e, e com pais e mães sobrecarregados nesta rotina de produção, pecamos no afeto e temos dificuldades de vínculos afetivos, relacionamentos e controle das emoções: uma família estressada gera uma criança instável. Sociedade doente, família doente, filhos doentes.
NEI ALBERTO PIES: Por que pessoas de 13 aos 35 anos de idade estão no grupo de maior risco de suicídio, segundo dados mais recentes sobre o tema? As necessidades, aflições e comportamentos das crianças mudaram muito ao longo dos últimos tempos. Se mudaram, porquê?
Recentemente, ando lendo os ensaios do filósofo Byun-Chul-Han, nascido na Coréia do Sul, porém formado na Alemanha. Byun, em seus ensaios, faz uma análise muito única do ponto que nos encontramos como sociedade e pessoas, e os motivos de tanta depressão e aflições.
Deixo como recomendação, aliás, dois de seus ensaios: A sociedade do cansaço e Agonia de Eros.
Em seus livros, Byung compara a nossa geração como a geração do Dever, como a Sociedade da Disciplina, muito focado em Foucault. Fomos criados com este senso de dever, com a ameaça da punição e da negatividade como um todo, ou seja, nossa violência vêm de fora, do outro.
Já as gerações atuais, de nossas crianças, adolescente e jovens adultos, juntamente deste boom tecnológico e informacional (o qual Byung é veemente contra) é analisada como a geração do Poder, como a Sociedade do Desempenho.
A partir de um determinado ponto, a sociedade do dever não foi mais capaz de suprir a produção, “o dever se choca rapidamente com seus limites”. Alteramos a motivação da sociedade como um todo para suprir esta produção. O dever agora é poder. O famigerado Yes We Can.
Como empreendedor de si mesmo, “o apelo à motivação, à iniciativa e ao projeto é muito mais efetivo para a exploração do que o chicote ou as ordens.”
Vemos esta mudança como algo positivo, (o que com cautela o é) porém, o que não percebemos é a violência, agora, vem deste excesso de positividade que é a Sociedade do Desempenho: “todos nós podemos, oras! É só se esforçar! E se caso falharmos? Bom, a culpa é sua, você não se esforçou o suficiente.”
A violência não é mais externa, através do dever, do outro, disciplina e ameaças, a violência, agora, é o que Byung chama de violência neuronal, nos tornamos a vítima e também o algoz da nossa própria mente.
Esta mudança de paradigma, ilusão de liberdade, a urgência esmagadora para que produzamos, mostremos resultados (e obviamente falhemos em alguma etapa, errar faz parte) e consequentemente a autocondenação por não suprir esta produção insuprível – Sociedade do Cansaço – é um grande responsável pelo crescimento das doenças neuronais, síndrome de burnout, depressão, em nossas crianças e jovens adultos.
NEI ALBERTO PIES: Um psicólogo ou uma psicóloga em cada escola é um bom caminho para o enfrentamento da depressão, da ansiedade e de outros distúrbios psíquicos das crianças e jovens?
Claro, como dito anteriormente, a violência neuronal é cada vez maior e é necessário a orientação profissional, intervenção, prevenção e formação da saúde e inteligência emocional.
Porém, ainda vejo o acesso ao profissional da saúde mental como elitizado, poucas pessoas conseguem ter acesso a um tratamento regular e de qualidade, o investimento é alto.
É necessário aproximar o profissional psicológico, principalmente da população de mais baixa renda, à saúde mental. Nossas crianças serão o futuro da sociedade, vejo como o ponto mais importante o suporte desde cedo.
NEI ALBERTO PIES: Como a escola e os serviços de psicologia podem fazer parcerias?
Tanto o educador quanto o profissional psicológico trabalham com o humano. Acho interessante a integração da atuação de ambos dentro e fora da sala de aula. Com um diálogo próximo e troca de informações se pode orientar para melhor trabalhar e lidar com o conflito diagnosticado.
NEI ALBERTO PIES: Que mensagem deixas aos jovens e adolescentes?
Se pudesse resumir em uma única palavra, seria aceitação. Cada ser humano tem seu potencial e dificuldades. Que o jovem não tenha medo de se olhar, não para se culpar dos erros ou acertos, mas para buscar sempre sua evolução como ser humano, capaz de compaixão e carinho. Aceitar a si mesmo, aceitar o próximo.