As eleições de diretores nas escolas estaduais do RS

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É interessante pensar na vinculação entre gestão e resultados escolares. Souza (2019)
destacou que nas escolas com mais condições democráticas e pedagógicas os alunos
apresentaram melhores resultados, indicando relação positiva entre ambientes
democráticos e aprendizagem estudantil
.

A eleição de diretores tem sido um dos dispositivos que sustentam a gestão democrática
da escola no Brasil. No entanto, o processo democrático não se esgota nela e precisa ser
fortalecido pela participação. A Lei no. 16.088/2024, o Decreto nº 57.775/2024 e, mais
recentemente, o Edital no. 01/2024 publicado pelo executivo estadual põem centralidade
na figura do diretor, colocando na arena de disputas o seu papel e o aparato normativo
que o circunda. Tal centralidade indica uma concentração de poder no interior da escola;
a autonomia da escola pode ser entendida como a autonomia do diretor. Mais, estamos
frente a disputas políticas por entendimentos diferentes de democracia.

O Edital nº 01/2024 para a seleção de diretores e vice-diretores da rede estadual gaúcha
faz parte da implementação da nova Lei de Gestão Democrática, recém sancionada.
Essa lei trouxe mudanças significativas no processo de escolha de diretores escolares,
adotando critérios técnicos e de desempenho num processo de seleção. Tal movimento
não é exclusividade da rede estadual gaúcha; a rede municipal de educação de Porto
Alegre, por exemplo, tem nova regulamentação para eleição de diretores desde janeiro
de 2020.

Tal normativa responsabiliza exclusivamente os diretores pelos resultados dos
estudantes em avaliações de larga escala sob o pretexto de garantir uma suposta
qualidade educacional ( Massena, 2023 ). Suposta porque estudos como o de Riscal
(2016), mostram que as maiores médias do Ideb se referem às escolas em que os
Conselhos Escolares sempre definem e validam os aspectos pedagógicos, financeiros e
administrativos. Além disso, a pesquisa por ele realizada evidenciou outros fatores
relacionados à gestão democrática que influem positivamente no Ideb.

E é interessante pensar nessa vinculação entre gestão e resultados escolares. Souza
(2019) destacou que nas escolas com mais condições democráticas e pedagógicas os
alunos apresentaram melhores resultados, indicando relação positiva entre ambientes
democráticos e aprendizagem estudantil. No entanto, os últimos governos estaduais e
municipais de Porto Alegre parecem não estar alinhados com as melhores práticas
apontadas por pesquisas científicas.

Além do já sabido sucateamento das escolas, do desmantelamento dos planos de
carreira, da precarização do trabalho docente, da atomização dos processos, o
esvaziamento dos espaços de participação e decisão coletivos atrelados a uma
concepção de sociedade que se distancia da perspectiva de educação cidadã, na
qual estão implicadas não só as condições da oferta educacional, mas sobretudo as
condições de vida na cidade e no estado.

O Edital retoma a nova Lei de gestão democrática quanto às atribuições dos diretores e
vices: representar, coordenar, apresentar e submeter, organizar, manter, gerir, dar
conhecimento… Um escopo de gestor, numa perspectiva gerencialista, que coloca o
diretor em posição de subordinação em relação à mantenedora. Também, na inscrição
no processo seletivo, os candidatos podem indicar três escolas para atuação,
possibilitando que o executivo crie um banco de recursos humanos, com “talentos” na
área da gestão escolar.

O risco?

A consolidação de uma carreira de gestão, apagando a ideia de professor, de
compromisso político-pedagógico no qual toda comunidade está implicada.
Considerando essa mesma hipótese, amplia-se o tempo do mandato, de três anos para
quatro anos com possibilidade de reconduções independentemente do número de
mandatos.

No Edital no. 01/2024 os critérios técnicos e as avaliações objetivas passam a ter maior
peso na escolha de diretores. A seleção prevista pelo edital consiste em 5 etapas; do
curso autoinstrucional ao pleito eleitoral, aproximadamente 3 meses. Ainda, as
mudanças foram apresentadas por meio de uma live no Youtube, sem espaço para
debate.

Houve um aligeiramento do processo?

Ao que parece, sim. Nenhuma discussão com as comunidades escolares, com as
universidades, no último trimestre do ano letivo. Professores que somos, sabemos das
múltiplas e intensas demandas dessa época no ambiente escolar. Esse é o modus
operandi autoritário da Seduc/RS (Saraiva; Chagas; Luce, 2022) – e o grande jogo
político parece ser o da entrega de responsabilidades para a sociedade desorganizada,
sem um claro projeto de mundo; cria-se um campo de disputa que limita e conforma a
própria disputa. Da mesma forma, a escola!

O conteúdo das provas e a bibliografia indicada contemplam funções gerenciais, tipos
de liderança (incluindo líder-coach), ferramentas para melhoria de desempenho de
equipe, proatividade e feedback. Tais elementos possivelmente basearam-se na crença
da irracionalidade em termos de gestão e no déficit de liderança, é latente um tipo de
compreensão do fracasso escolar como decorrente da precariedade da administração de
recursos e da gestão.

Contudo, tenho outras hipóteses para esse dito fracasso: teria relação com a
precariedade em termos de infraestrutura? Com o percentual muito significativo de
contratos temporários em detrimento de profissionais efetivos – há apenas 41% de
professores efetivos na rede (Brasil, 2023) (aliás, fator que impacta também nas
eleições, considerando que somente profissionais efetivos estão aptos a concorrer)?
Sobrecarga docente? Desvalorização da carreira (incluindo, obviamente, as questões
salariais)? Questões para pensarmos…

Tendo sido aprovados na prova, os profissionais ao se inscreverem para a eleição,
devem apresentar um plano de gestão para melhorar a qualidade da educação. Aqui, me
repetirei: ora, poderá o diretor planejar e implementar ações que deem conta das
condições da oferta educacional que sustentam uma educação de qualidade?

Não esqueçamos da nova Lei. Tudo indica que plano de gestão e projeto político-
pedagógico serão entendidos como similares. Como instrumento de determinado
mandato. De acordo com a Lei no. 16.088/2024, o projeto político-pedagógico será
o principal instrumento de gestão de determinada equipe e não da escola. Logo, o
projeto político-pedagógico não representará a expressão da autonomia da
instituição com legitimidade administrativa na comunidade.

Por fim, a votação, quarta etapa do processo de seleção, será realizada no formato
eletrônico, por meio de aplicativo criado para tal fim pela Seduc/RS. No entanto, o
processo eleitoral ainda será regulamentado, por Portaria, a ser publicada em outubro.
As normativas publicadas até agora não dizem do cálculo do resultado: será ele
paritário? A acompanhar.

Com uma concepção restrita de educação, mantém-se a eleição de diretores no
esvaziamento de uma cultura escolar mais democrática. Por enquanto, um “novo
modelo de governança” que se utiliza do termo “gestão democrática” para aplicar algo
que já vem estruturado em modelos antigos, sob uma nova configuração, ainda
fortemente ligada ao modelo empresarial. Esse “novo modelo” pode implicar em pouca
participação das comunidades nos processos decisórios, mascarando tensões, dissensos
e disputas em torno de diferentes projetos de educação e sociedade.

FONTE: https://sul21.com.br/opiniao/2024/09/as-eleicoes-de-diretores-nas-escolas-
estaduais-do-rs-por-juliana-hass-massena/

Autora: Juliana Hass Massena. Doutora em Educação, Pós-doutoranda na
Faced/UFRGS

Edição: A. R.

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