As origens do preconceito

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Você já parou para pensar sobre as origens do preconceito? Será que ele tem alguma função ou algum motivo de ser?

Começando pelo começo (aha!), etimologicamente falando, a palavra preconceito por si já revela muito de si, ela é constituída por dois componentes: o pré, que significa algo como vir antes, e o conceito, ou aquilo que se compreende em respeito de algo, segundo o dicionário. De certo modo, podemos dizer que a palavra preconceito é uma conceituação que vem antes. Mas, antes de quê? Antes de conhecer ou de se chegar as vias de fato.

Eu gosto muito de procurar respostas do entendimento das características humanas em nosso processo evolutivo, e meus amigos, a biologia é algo incrível, e por mais que o preconceito seja muito malvisto nos dias atuais, ele tem, ou teve? O seu valor.

– Explica melhor isso, Ana!

Na verdade, o preconceito pode ser visto como uma ferramenta humana que visa prever o que poderá acontecer com base em experiências passadas. Por exemplo, imagine que você, ser humano, nômade e pelado na selva, foi picado por uma cobra, passou muito mal, mas, graças aos Deuses da época, você sobreviveu. Depois desse evento, você passou a odiar tudo que rasteja sem patas e parece ser geladinho, com aqueles olhos que o pavor não nos deixa nem descrever. E o pior, ou melhor? Você não só passou a odiar as cobras, como passou a matar desesperadamente todas, sem exceções.

A isso chamamos de generalização, que basicamente é o ato de utilizar uma experiência para definir todas as outras experiências parecidas. Como o seu cérebro age buscando sempre a sobrevivência, e você passou muito mal ao ser picado por uma única cobra de uma única espécie, o que ele vai fazer é concluir que tudo que se enquadre nas características citadas acima deve ser visto como uma ameaça. Ele vai compreender que não vale a pena ficar investigando, porque o risco é muito alto. O problema é que existem cobras que nem veneno possuem, e que matar todas elas poderia gerar um desequilíbrio ecológico tremendo.

Retomando o exemplo, além de passar a exterminar todas as cobras, seu ímpeto de sobrevivência lhe deu um novo propósito de vida, você passou a difundir a informação de que todas as cobras eram venenosas e precisavam ser exterminadas, seus filhos nunca foram picados por uma cobra, mas eles mesmos já mataram várias e fizeram questão de repassar o costume para as futuras gerações… até que um dia uma cabeça pensante perceba que a cultura de matar todas as cobras está equivocada e resolva lançar um olhar mais curioso e consciente diante da situação e mudar esse paradigma.  

O preconceito reside justamente entre a sua experiência ou memória passada e como ela influencia o seu modo de agir e de pensar. Olhando a fundo, de fato ele tem o seu valor e pode mesmo nos poupar de enrascadas.

Mas, não, eu não vim aqui defender o preconceito, o meu interesse por aqui é tentar fazer refletir sobre um modo mais equilibrado de utilizar essa ferramenta da natureza. Agora apresentamos a outra face da moeda.

O ser humano é um animal social, inundado diariamente por uma complexa rede de conceitos pré-estabelecidos em que absorvemos sem, na grande maioria das vezes, nos darmos conta de sua influência sobre os nossos pensamentos e ações.

Em outras palavras, isso significa dizer que podemos formular certas visões, com base nas estórias que nos contaram, de coisas que ouvimos ou vemos, sem nos dar conta de que aquilo é apenas algo que aconteceu com alguém ou alguma coisa e não deve ser aplicado a todo o contexto parecido, sem um olhar consciente, caso contrário ele poderá prejudicar, e muito a nossa convivência e a ferramenta da natureza se torna uma cilada.

Aplicando-a em um contexto atual, digamos que você assiste o noticiário diariamente, e eu não preciso nem descrever o quanto só tem tragédia naquele negócio, não é mesmo?!. Na segunda você viu uma reportagem que uma pessoa de cor lilás (cor inventiva justamente para não ser seletiva) foi presa por tráfico de drogas. Na quinta você viu outra reportagem que outra pessoa de cor lilás foi presa por homicídio e assim sucessivamente.

O que o seu cérebro deverá fazer?

 Primeiramente ele vai identificar uma espécie de padrão (ou o conjunto de ações que se repete com frequência), e isso pode acontecer de modo inconsciente. Ou seja, com base na sua experiência no noticiário: pessoas lilás cometem crimes. Após identificado tal padrão, a tendência é a generalização, ou seja, como pessoas que cometem crimes de alguma forma são uma ameaça a nossa vida, e pessoas lilases cometem crimes, é interessante para a nossa sobrevivência que construamos uma narrativa que busque se afastar dessa ameaça.

O que fazemos? Também de forma inconsciente? Evitamos nos relacionar com pessoas lilases e muitas vezes as difamamos, sem as conhecer, adotando como base as associações inconscientes que criamos. Eu sei que isso parece um exagero, mas, acontece e muito.

Como se não bastasse, há um outro fator agravante que é: não nos damos bem com o desconhecido. O nosso cérebro gosta de sentir que está no controle da situação e isso significa que ele vai se sentir mais confortável com aquilo que conhecemos, pois, conseguimos identificar os padrões e prever o que poderá acontecer, diminuindo, portanto, a chance de ameaças. É por essas que religiões diferentes, pessoas diferentes, opções sexuais diferentes, escolhas políticas diferentes, ou seja, lá o que for diferente de nós ou da nossa visão de mundo também nos causará desconforto, e poderá até mesmo ser visto pelo seu cérebro como uma ameaça, e de fato, essas eleições são a prova que essa teoria parece mesmo funcionar!!!

Então, se o preconceito parece até mesmo ser algo natural, como seria possível extingui-lo? Eis o ponto “x” da questão, a gente não precisa acabar com ele, até porque eu não sei exatamente se isso seria possível, ao menos a curto prazo. E aqui vai uma dica valiosa: toda vez que você não conseguir acabar com alguma coisa, faça um esforço para aceitar e olhar de uma perspectiva diferente.

Isso significa dizer que você pode perceber o preconceito como um subterfúgio (credo, nem sei o que isso significa) da natureza, que tem ou teve o seu valor em nosso processo evolutivo. Com isso, não iremos negar as informações que a nossa experiência está nos transmitindo, mas sim, lançar um olhar consciente sobre elas que compreende os seus motivos de ser, e utilizá-las com sabedoria.

O preconceito pode evitar que você se meta em enrascadas, como também pode tornar a sua convivência um caos, repleto de comentários maldosos e injustos, originários de uma narrativa que criamos para fundamentar o nosso lado instintivo.

Antes mesmo de pensar e agir com base nele, depois do que compreendemos por aqui, você pode desenvolver um olhar consciente sobre os seus pensamentos e quando algum comentário maldoso, geralmente relacionado a algo novo ou diferente dos nossos costumes, surgir, observe ele mentalmente e se questione se você não está empregando o preconceito de maneira equivocada e até mesmo machucando ou ferindo alguém com isso, de forma descaradamente injusta, ou seja, sem realmente conhecer.

Agora vem a parte difícil, que pode ser resumida como a busca pelo equilíbrio.

Isso significa dizer que você não vai sair por aí confiando em todo mundo e nem mesmo vai ignorar o seu lado mais instintivo. Há situações de grandes ameaças que precisaremos pensar pouco e fazer o que o nosso corpo está mandando, mas, elas são raras; e infinitamente desproporcionais a forma como utilizamos o preconceito em nosso dia-a-dia. Portanto, aos poucos, busque encontrar oportunidades de dar uma chance para escutar e buscar compreender as pessoas, outras culturas, escolhas e tudo mais diferente que em um primeiro momento possa lhe causar algum desconforto.

Eu preciso te avisar que em função desse exercício, poderemos nos machucar de vez em quando, poderemos até mesmo validar a nossa experiência passada e ouvir da nossa própria cabeça “viu só, eu te avisei para não confiar nele”. Mas, em troca de algumas ciladas, acumulamos aprendizado, potencializaremos o nosso autoconhecimento, em busca de um exercício constante de equilíbrio entre o nosso lado instintivo e o nosso lado racional.

A parte nobre de tudo isso, é que minimizamos o impacto negativo que uma forma preconceituosa de agir tem sobre os outros. Ampliamos a nossa visão de mundo, favorecendo a nossa criatividade, passamos a nos sentir menos ameaçados e mais conectados, novas amizades irão surgir, além do verdadeiro respeito.

Se isso não for o suficiente, já temos estudos comprovando que um grupo diversificado, diferente, composto por diferentes gêneros, inclusive, de etnias distintas, possui mais efetividade no gerenciamento dos problemas e na criação de soluções inovadoras. Por quê? Porque o diferente nos faz olhar para além de nosso umbigo, além de nossa visão limitada de mundo e com isso conseguimos atingir públicos que não atingiríamos se o nosso grupo fosse composto de pessoas que agem e pensam de modo muito semelhante. 

A Filosofa Marta Nussbaum em seu livro “Educação sem fins lucrativos” aborda muito bem a questão do diferente, e orienta que exercitamos a nossa consciência além da coragem, a fim de que tenhamos abertura suficiente para conhecer o diferente e se familiarizar com ele, como uma das principais estratégias para superar o preconceito nocivo. Ela ainda sugere o teatro como uma das principais ferramentas, justamente, pois, ao assumir um papel, e se colocar no lugar de determinada pessoa, passamos a olhar o outro com menos julgamento e mais compreensão e acolhimento.

Autora: Ana P. Scheffer

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