As palavras e as coisas em tempos críticos de pandemia

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Quando as pessoas falam sobre o externo ou sobre alguém, estão revelando o que pensam de si. Tomara que se escutem também e que tenham essa possibilidade de se escutar para saírem do sofrimento que massacra a si e aos outros.

Que saibamos cuidar uns dos outros com sensibilidade e inteligência!

Observar baixinho, com empatia e compaixão, as vezes é só o que podemos fazer. Tenho dito isso para muitas pessoas que me abordam diariamente com situações que nos parecem surreais.

Uma amiga me dizia ontem que não era possível alguém recusar a vacina da covid-19. Estávamos tristes com uma situação próxima. Parece que não é, mas é.

Escutamos os argumentos e não sentimos que fosse o momento para nos contrapor. O tempo e o jeito da fala são fundamentais para construirmos o enlace. Aí que está a chave para as pontes, penso.

O medo da morte também está presente nessa lógica de não tomar vacina, vencendo o instinto de vida.

Além de outros fatores como a ideia de que são sempre os outros os ideológicos e os que partidarizam tudo (a própria pessoa acha que não faz e não tem ideologia, são só os outros que têm), uma face do NEGACIONISMO que também é uma recusa à vida e ao coletivo. E isso atravessa a esquerda e a direita. E entre os políticos mais ainda, porque há cálculo de voto e esse é o pensamento hegemônico. Que triste…

Nas periferias não é esse o pensamento que impera, felizmente. Temos visto isso de perto neste debate de volta às aulas seguras, pois a maioria das mães é contra o retorno, vide o percentual de retorno às aulas nas escolas públicas no ano passado e agora.

“Vai quem quer” é o que dizem os governos para se desresponsabilizarem pelas vidas perdidas e pelas políticas públicas para garantir uma escola segura e condições básicas de acordo com profissionais da educação, como vacinação ou testagem em massa.

E essa ideia tem muita força: cada um por si, que se tenha a liberdade de levar ou não, exceto os professores que são obrigados, “mas sempre foi assim e é uma escolha essa profissão que ninguém respeita e defende”, a ideia de preguiça dos professores (reflexo do colonialismo e servidão), “não dê o peixe, ensine a pescar” (mesmo em contexto de PANDEMIA).

A democracia tem sido defendida como uma escolha individual de quem tem recursos e, inclusive, soberana à vida frente a uma pandemia, com uma relativização de vida que não se ancora nas condições sociais, materiais e sanitárias da realidade.

A escola, concebida como essencial para resolver todos os problemas e para se responsabilizar por atender integralmente ao aluno pelo desmonte de quase todas as políticas sociais. A ideia de estado mínimo, a necessidade e a distorção da lógica em pleno vigor por uma política autoritária e genocida segue dando a linha…

Uma escola para aprender e ensinar com liberdade pressupõe que o ambiente não seja dominado pelo medo e que tenha professores valorizados, escutados e voltados ao aluno, que é o centro do debate da educação. Por isso eu também comprei essa briga.

Qual a eficácia pedagógica e de resolução do problema da “mãe que precisa levar o filho para poder trabalhar” desse sistema de escala ou revezamento dos estudantes em aulas presenciais? As escolas clandestinas ou os cuida-se vão deixar de existir? Quem fica com as crianças nos outros dias?

Do ponto de vista do desenvolvimento da aprendizagem a presença escalonada dos estudantes compensa os riscos de contaminação do entorno deles (familiares, professores, servidores e demais profissionais envolvidos no retorno das aulas presenciais) e de toda a sociedade? Esse é o questionamento central e que tem sido desprezado nessa guerra de narrativas do libera geral e cada um por si.

Em tempos de necessário isolamento e distanciamento pela pandemia, pelos desgovernos, pela polarização e pela negação, a palavra pode positivar e nos salvar!

Eu leio, escuto, falo e escrevo muito. Tenho me mantido firme, embora com muitas desilusões e necessários perdões diários no caminho.

Tenho construído diversos espaços para isso, mas um deles tem sido um pilar de sustentação, ao lado também de mulheres incríveis e que estão a fim de olhar o dentro e o fora para terem sanidade na luta pela vida, com muita leveza e capacidade de recriação dessa realidade! Um grupo de psicanálise!

Quanto legado para entendermos as palavras e as coisas, né Foucault?!

Quando as pessoas falam sobre o externo ou sobre alguém, estão revelando o que pensam de si. Tomara que se escutem também e que tenham essa possibilidade de se escutar para saírem do sofrimento que massacra a si e aos outros.

Que saibamos cuidar uns dos outros com sensibilidade e inteligência! Vamos superar esta cegueira com muita escuta, afeto e ação coletiva!

Nunca houve no mundo tantos dizeres, tantos discursos, tantas coisas ditas como salvação ou como ameaça. Maltratada ou respeitada, profanada ou sacralizada, amada ou estuprada, a Palavra, misteriosa e miserável, na forma de larva e pá que lavra ou abre a vala à semente, sobrevive enlouquecida na ascendente Babel da atualidade. Como disse Gabriel Garcia Marques, a quem parafraseio, o grande derrotado é o silêncio, nunca a Palavra. (Pablo Morenno) Leia mais!

Esta publicação foi originalmente publicada em: https://www.brasildefators.com.br/2021/05/04/as-palavras-e-as-coisas-em-tempos-criticos-de-pandemia

Autora: Aline Kerber

Edição: Alex Rosset

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