Sei e conheço professores bem preparados em
Tecnologia Inteligente, que fizeram cursos superiores,
mestrado e doutorado nessa área e abraçaram essa profissão.
Esta não é a realidade da maioria dos educadores públicos.
O governo não sabia disso?
O foco principal destas linhas é o sistema EAD aplicado no ensino público brasileiro, durante a Pandemia do Covid 19, tendo por objetivo uma breve, mas necessária análise sobre as condições, tanto para o aluno, quanto para os educadores de como vem ocorrendo essa nova modalidade de ensino, suas facilidades e suas dificuldades.
Inicialmente, fiz uma contextualização do tema, obtidas em fontes confiáveis, da pouca literatura existente, da minha experiência pessoal em estudos não-presenciais, de diálogos com colegas do CPERS/Sindicato, de conversas diretas com professores/as estaduais do RS e de outros estados da Federação, todos/as envolvidos/as, nessa questão.
O EAD no mundo
O ensino remoto começou em 1728, com um curso por correspondência, em Boston, nos Estados Unidos, criado por um professor, de nome Caleb Phillips, o qual ensinava Taquigrafia (técnica de escrever à mão com rapidez) e que até hoje é usado, principalmente em órgão institucionais como Assembleias Legislativas, Câmara e Senado, para registro das sessões. Os correios e telégrafos eram os distribuidores do material.
Em 1833, a universidade de Lund (Suécia), implantou o curso de Composição por correspondência.
Em 1840, o professor Isaac Pitman, na Inglaterra, criou o curso de Taquigrafia de Passagens Bíblicas, também por correspondência.
Em 1856, surgiu, na Alemanha, um curso de conversação em outras línguas.
No Século XIX, o EAD foi tomando corpo e, visando, principalmente, locais de difícil acesso a pessoas que desejavam estudar, foi se expandindo em outros países como França, antiga União Soviética, Japão, Austrália, Noruega, África do Sul, Argentina, Espanha e muitos outros, além de surgirem novos cursos na Alemanha, Suécia e Estados Unidos.
Dessa forma, pode-se dizer que o EAD tem, hoje, aproximadamente, 292 anos de existência, sendo atualizado com frequência, diante das mudanças tecnológicas que surgiam. No início seu foco eram os cursos profissionalizantes, hoje, ele é encontrado e oferecido a todos os níveis de escolaridade, do ensino fundamental até a pós-graduação.
O EAD no Brasil
O registro mais antigo do EAD, ainda somente como ensino remoto, no Brasil, é de 1904 e se tratava de um curso de datilografia.
Em 1920, iniciaram os cursos via rádio, era a tecnologia daquele momento.
Em 1940, indo até 1950 apareceram os cursos mais formais, da área profissionalizante, “liderados pelo Instituto Monitor”, mais tarde, pelo “Instituto Universal Brasileiro” e, ainda, pela Universidade do Ar, do Senac e do Sesc, que permanecem, até hoje com a modalidade, aperfeiçoada às Tecnologias atuais.
Entre 1960 e 1970 surgiram outros cursos na área de educação, com o objetivo de alfabetização e a inclusão social de adultos.
Em 1970, em Brasília, teve início os primeiros cursos em EAD no terceiro grau.
Nos anos 1990, as universidades brasileiras deram seus primeiros passos de ensino, através da internet publicando e interagindo com os alunos. As iniciativas continuaram ocorrendo, o computador já estava incluído na educação a distância, já formalizada, e, em 1996, o MEC (Ministério da Educação) criou e passou a contar com a Secretaria de Educação a Distância (SEED). A legislação foi elaborada e, atualmente, garante a validade de diplomas dos cursos de EAD.
EAD na escola pública – Durante a pandemia
Para desenvolver esta temática, busquei, inicialmente, na Constituição Federal e na LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional -, um caminho que apontasse alguma noção ou orientação legal onde coubesse situações como a que estamos vivenciando, nas escolas públicas, durante a pandemia.
Na Constituição da República Federativa do Brasil (atualizada), encontrei, no Art. 205 – “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade”, para que o estudante se desenvolva adequadamente para exercer a cidadania e “sua qualificação para o trabalho”.
No Art. 206 – consta, entre os princípios dos seus direitos, a “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”. Insta, então, não caberia ao Estado ameaçar com o cancelamento de matrículas, alunos que não conseguiram, até o momento se adequar ao sistema à distância, pois, como diz o Art. 208 – é “O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I – educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade” e o Parágrafo “VII – atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático-escolar” (grifos nossos), ainda transporte (que não é o caso, neste enfoque, porque as aulas não são presenciais), alimentação e assistência à saúde”.
Encontra-se, ainda, na Carta Magna, o “§ 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo (Redação dada pela EC n. 59/2009)”, o que reforça a obrigatoriedade do ensino, como dever do Poder Público. Além disso, a LDB registra atenção aos estudantes da zona rural e suas “peculiaridades”, assim como aos indígenas e quilombolas, no “TÍTULO I – Da Educação – Art. 28 – […] os sistemas de ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às peculiaridades” (grifos nossos) […] e “I – conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses dos alunos (grifos nossos)”; “[…] II – organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar […] condições climáticas”.
Vejo ainda, que aqui, nesta Carta de 1988, já constava o sistema EAD, como está homologado no “§ 4º O ensino fundamental será presencial, sendo o ensino a distância utilizado como complementação da aprendizagem ou em situações emergenciais.
Então, para recorrer à sua utilização, durante a pandemia, uma situação emergencial, não deveria haver surpresa. No entanto, quando os Estados decidiram pelo ensino em EAD, não consideram a necessidade de preparação docente, nem discente.
Desconhecendo a realidade e apostando na popularidade do telefone celular, entenderam que comprando uma plataforma virtual, todos estariam aptos a ter a continuidade das aulas, por um sistema, que apesar de antigo na legislação federal, nunca havia sido utilizado, nem sequer preparado, para tal momento, como já estava previsto no Art. 80 – O poder público incentivará o desenvolvimento e a veiculação de programas de ensino a distância, em todos os níveis e modalidades de ensino, e de educação continuada. § 1º – A educação a distância, organizada com abertura e regime especiais […]”.
Nada ou muito pouco desta legislação foi cumprida pelo Poder Público. Não houve a devida preparação dos professores e dos alunos para enfrentarem as dificuldades para o desenvolvimento de um processo educacional desconhecido dos estudantes e trabalhadores/as das escolas públicas. Afinal, para tal tarefa, é preciso ações responsáveis e plenas em organização e orientação segura.
Não se faz uma educação de qualidade com improvisação e sem uma coordenação conhecedora do assunto, pois uma coisa é digitar tarefas e receber respostas; outra é a dedicação dos educadores ao interagir fluida, objetiva e até afetivamente.
Será que o governo pensou nos pais, que repentinamente tiveram que acompanhar os filhos nas tarefas educacionais sem nenhum preparo? Que perderam seus empregos? Neste tempo de medo, estresse, pânico, que são semeados, opressivamente, pelas notícias da cotidianas da pandemia, que já levou muitos colegas de profissão? Pela falta de atenção do Poder Público, em situações pontuais, causados por desajustes salariais e de carreira, entre outros.
Sei e conheço professores bem preparados em Tecnologia Inteligente, que fizeram cursos superiores, mestrado e doutorado nessa área e abraçaram essa profissão. Esta não é a realidade da maioria dos educadores públicos. O governo não sabia disso?
Tenho falado com muitos colegas que se queixam dessa situação e buscam o conhecimento com outros colegas ou com os núcleos do CPERS/Sindicato. Com os alunos e pais é a mesma coisa, só não vê quem não quer.
Gostaria muito de saber como é que os trabalhadores da educação do RS vão ser ressarcidos dos gastos de energia, da compra de um celular, que abarque todas as plataformas exigidas para tal excepcionalidade; que comprou um tablet ou mesmo um notebook para atender os alunos; que contratou uma empresa provedora de internet, no mínimo estável, para que as aulas consigam ser completadas. E quais são as providências tomadas em relação à zona rural, indígena e quilombolas?
Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília DF. Senado da República, 1988, atualizada em 2018.
BRASIL. LDB: Lei de diretrizes e bases da educação nacional. – 2. ed. – Brasília: Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas, 2018. 58 p.
BRASIL. Secretaria de Educação a Distância (SEED). Brasília, MEC – Ministério da Educação.
SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos Fundamentais: Os direitos fundamentais em tempos de pandemia (23 de março de 2020). In: https://www.conjur.com.br/2020-mar-23/direitos-fundamentais-direitos-fundamentais-tempos-pandemia
BRASIL. Conselho Nacional de Educação esclarece principais dúvidas sobre o ensino no país durante pandemia do corona-vírus. Terça-feira, 31 de março de 2020. In: http://portal.mec.gov.br/busca-geral/12-noticias/acoes-programas-e-projetos-637152388/87161-conselho-nacional-de-educacao-esclarece-principais-duvidas-sobre-o-ensino-no-pais-durante-pandemia-do-coronavirus.
MANIFESTO ANPEd. Educação a Distância na Educação Infantil, não! In: https://anped.org.br/news/manifesto-anped-educacao-distancia-na-educacao-infantil-nao