O que está acontecendo com nossa educação formal
que dá conhecimento, mas não cultura,
que transmite conteúdo, mas não humaniza?
A educação que apenas transmite saberes técnicos
forma apenas babacas ilustrados como tantos que vemos por aí.
Muito antes dos movimentos ecológicos, meu pai jamais deixava queimar os restos das colheitas. Era melhor apodrecer e virar adubo. Ele também tinha o que hoje descobri ser empatia por animais e pessoas. Ensinou a sermos honestos, respeitosos e cordiais.
Uma vez uma vaca nossa entrou no milharal do vizinho e, embora tivesse o vizinho dito que não tinha problema, na colheita meu pai levou até ele três cestos do produto para compensar o estrago feito.
Meu pai mal desenhava o nome com um lápis laranja de pedreiro. Nunca teve educação formal, escola, ou livros.
Relato esse exemplo para me perguntar qual o lugar da educação para melhorar nosso jeito de nos relacionarmos com os outros, para nos ajudar a desenvolver a empatia afetiva, para que tenhamos atitudes mais humanas e melhorarmos a convivência.
Surgem esses questionamentos após acompanhar o caso dos brasileiros que constrangeram uma mulher russa, divertindo-se com ela como se lidassem com um brinquedo qualquer. Entre eles um advogado, que chegou a ser secretário de turismo de Ipujuca em Pernambuco, um tenente da polícia militar de Santa Catarina e um engenheiro civil. Todos com ensino superior, mas completamente idiotas. E sempre sob o argumento de “uma brincadeira inocente”. Assim, como há alguns anos atrás, meninos bem educados da classe alta de Brasília atearam foto a um índio por diversão. Como é possível alguém ser estudado e um babaca social?
“Se fosse por aqui, seja com protagonistas estrangeiros ou brasileiros, a história poderia ser diferente. “Tipificamente, aqui seria enquadrado como contravenção da importunação ofensiva ao pudor”, explica a defensora pública Paula Machado, coordenadora do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher. Ou seja: pagariam uma multa por importunar, de modo ofensivo ao pudor, e tornar pública essa humilhação”.
Mais uma. Após alterações sem-pé-nem-cabeça efetuadas para o Prêmio Jabuti deste ano, – que ensacou como batatas iguais a literatura para crianças, a literatura para jovens e a ilustração, – reagiram editores, escritores e ilustradores dessas literaturas. Foi então elaborada uma carta à Câmara Brasileira do Livro, em que mais de 300 profissionais da área questionamos os novos critérios.
Após ouvidos moucos aos questionamentos, Volnei Canônica, conhecedor do assunto e grande movimentador cultural do livro, escreveu um artigo em um site especializado em literatura.
No artigo, expôs os questionamentos já antes contidos na carta. Pois bem, o que não interessava, mas passou a interessar, é que Volnei Canônica é casado com Roger Mello, um de nossos mais significativos autores e ilustradores, sendo já premiado com o Nobel da ilustração, o Prêmio Christian Andersen. Foi então que o curador do Prêmio Jabuti, cheio de pós-doutorados e com seu Lattes recheado de publicações sobre literatura, ao invés de responder aos questionamentos, comenta em post no artigo, que Volnei Canônica tão somente levava a crítica para o lado pessoal, para defender “seu amor”, no dia dos namorados. Ante a repercussão do comentário nas redes sociais, o dito curador veio a pedir demissão, sem, contudo, rever suas posições e preconceitos.
O que está acontecendo com nossa educação formal que dá conhecimento, mas não cultura, que transmite conteúdo, mas não humaniza? Por que meu pai, sem escola, sabia se colocar como ser humano no mundo, com sensibilidade e empatia para outros animais e pessoas?
Será que é possível ensinar alguém a ser mais humano? Como a escola poderia fazer isso?
Do que já vi e vivi, aprendi que a Arte, quando vivenciada e não apenas quando objeto de estudo, desenvolve a sensibilidade e humaniza.
Não adianta, como o curador do prêmio Jabuti, ver a literatura ou outra arte apenas como objeto de saberes. É preciso deixar-se envolver, vivenciar, deixar-se tocar. É como quem canta, como quem dança, como quem representa, como quem lê um livro literário não apenas para ter respostas numa prova, mas para experienciar na própria pele as dores e alegrias dos personagens.
A educação que apenas transmite saberes técnicos forma apenas babacas ilustrados como tantos que vemos por aí. Precisamos de uma educação que vivencie as experiências emotivas e afetivas do ser humano. Creio que as artes, adequadamente mediadas, podem nos ajudar, e muito.