Bancada evangélica repudia escola de samba por desfile contra a intolerância religiosa

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Quem realmente atacou a fé cristã não foi a Gaviões da Fiel, mas os que a usam para disseminar ódio e violência contra segmentos já discriminados em nossa sociedade.

A Frente Parlamentar Evangélica veio à público para repudiar o desfile da Escola de Samba Gaviões da Fiel, de São Paulo, que trouxe como enredo “Em nome do Pai, dos Filhos, dos Espíritos e dos Santos”. A Frente divulgou uma nota em que afirma que a doutrina da Trindade teria sido deturpada, e, por conseguinte, desrespeitada.

Ainda segundo Eli Borges, líder da bancada evangélica, “Não se compara Cristo e Oxalá, divindade das religiões de matriz africana, em hipótese alguma.”

Interessante notar a incoerência deste discurso. Não se pode comparar Cristo a Oxalá, principal Orixá cultuado em religiões de matriz africana. Mas pode-se afirmar que Exu é o próprio diabo.

Na mitologia iorubá, Oxalá é o responsável pela criação do mundo, o mesmo que se diz de Cristo, o Logos Divino. Portanto, ao relacionar Cristo a Oxalá, os fiéis destas religiões demonstram um grande apreço por Ele. Mas ao relacionar Exu ao diabo, os evangélicos demonstram enorme desrespeito às crenças de matriz africana.

Para crentes fundamentalistas, o dogma vale muito mais que os ensinamentos de Jesus. Se o samba-enredo expressasse de maneira rigorosa o dogma cristão da Trindade, mas estimulasse a intolerância, o proselitismo antiético, e a demonização de outros cultos, certamente eles se sentiriam representados e talvez até emitissem nota elogiando o desfile.

Enquanto focam a imprecisão do dogma expressado no título do enredo, deixam passar a mensagem absolutamente cristã, em plena sintonia com o que Jesus ensinou.

Repare nesses trechos da letra:

“Do Pai maior aprender a lição

Tirar as angústias do nosso caminho

Pra ajudar seu irmão a carregar sua cruz

Na força da fé, nunca estou sozinho

Enfim a nossa terra prometida

Na paz eu vi o povo se amar

Nessa terra que é de amém e de axé

O mar se abriu, testemunhou

Um novo dia enfim clareou

E lá no céu essa luz que ilumina

Uma lágrima divina por Seu filho a derramar.”

Infelizmente, preferimos focar naquilo de que divergimos, e não nos pontos de convergência.

A Bancada Evangélica, no comunicado, ainda ignora o sincretismo religioso presente em inúmeras crenças no Brasil e afirma que “não se pode comparar comparar Cristo e Oxalá, “em hipótese alguma”, como se coubesse a esses políticos determinarem o que é correto ou não em matéria de fé.

Será que os membros desta bancada sabem que por onde o cristianismo passou, ele assimilou e adaptou parte das crenças locais? Até a celebração do Natal é fruto do sincretismo religioso!

Quando o centurião responsável pela crucificação de Jesus exclamou “Verdadeiramente ele é o Filho de Deus”, ele não se referiu a Iavé, como Deus se fez conhecido entre os judeus, mas a Theos (de onde vem o termo “teologia”). Era assim que os romanos se referiam a Júpiter, e os gregos a Zeus, ambos chamados “Deus dos deuses”. Será que Paulo foi sincrético ao dizer aos atenienses que lhes anunciava o “Deus desconhecido” para o qual haviam erigido um altar?

O mesmo líder da bancada evangélica, Eli Borges, que atacou a Gaviões da Fiel, saiu em defesa do pastor norte-americano que disse durante um congresso de jovens evangélicos que haveria um lugar reservado para gays, trans e bissexuais no inferno. Segundo o deputado, a constituição lhe garante que, com a Bíblia na mão, ele teria a liberdade de dizer o que disse.

Quem realmente atacou a fé cristã não foi a Gaviões da Fiel, mas os que a usam para disseminar ódio e violência contra segmentos já discriminados em nossa sociedade.

Atacar o evangelho não é questionar seus dogmas ou expressá-los de maneira imprecisa, mas corroer os ensinamentos de Jesus, transformando sua mensagem de amor e solidariedade numa verdadeira guerra santa contra tudo e todos que ousem divergir dos dogmas, da moral e dos costumes impostos pela igreja.

Autor: Hermes C. Fernandes

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