Assim foi que mais de uma centena de autores entraram no barco desta coletânea solidária. Vieram de muitos céus, com o peito ofuscado de sol. Sintonizados num cordão de apoio, porque a alma sabe e vibra na mesma frequência (Nurimar Bianchi, in Sol das águas de maio).
Retomo a ideia de que a aprendizagem não tem limites. Não importa a idade, o lugar e o contexto em que se vive. Ágrafos, agricultores, moradores de rua e pescadores que, por mais humildes que sejam, sempre têm muito a ensinar, pois eles têm o senso pragmático das coisas e da vida.
Até pouco tempo, o nome Rashid era visível somente nos contos árabes. Tratavam sobre o poderoso Sheik Rashid, o fundador de Dubai. Hoje em dia, o termo Rashid foi sublimado para a ideia de solidariedade, compartilhamento, coletividade e por aí vai. Dessa forma, tornou-se comum um grupo de amigos invocarem-no, em caso de rateio de gastos de uma viagem, festa e até de um jogo de loteria. É Rashid pra cá; Rashid pra lá.
– De boa, entra nessa, cara!
Assim, para a viagem se tornar mais econômica e mais interativa, um grupo de cinco acadêmicos que ia ao lançamento do livro Sol das Águas de Maio, em Soledade, decidiu ir com um só carro e cinco pessoas, mais o Rashid. Recolhidas as 5 pessoas, Galheta questionou:
– Motora, falta o Rashid! No carro cabem 5 pessoas. Ele irá conosco?!
– Claro que irá, responderam os quatro ocupantes, mas com sorrisos levemente ironizados.
– Mas 6 adultos neste carro!?
Ao que o Delegado respondeu:
– A gente dá um jeito!
Enquanto o silêncio calava o grupo, a chuva barulhenta descia com tudo.
Wherther Brado, o motorista, ria para dentro de si, segurando a pegadinha do Rashid. No entanto, a novel poetiza do grupo, não se conteve e disse:
– Rashid não é uma pessoa. É apenas a ideia de solidariedade, colega!
Aplausos!
E a viagem seguiu tranquila até a cidade de Soledade, onde a escritora Nurimar Bianchi e a equipe organizadora do livro Sol das Águas de Maio organizou o lançamento da obra. O propósito foi organizar uma antologia que revertesse a favor dos que foram atingidos pelo dilúvio das águas de maio no RS, especialmente as escolas dos alunos que tiveram suas bibliotecas escolares e pessoais levadas pelas forças impiedosas dos rios da terra. Fenômeno nunca visto pelas gerações mais recentes.
O interessante foi a forma como a antologia de poemas e contos foi pensada. Estipulou-se que os participantes contribuiriam com R$ 100,00 por página escrita. No entanto, os exemplares do livro não poderiam ser vendidos, mas sim distribuídos gratuitamente. Como houve mais de cem autores e autoras interessados, bem como empresas patrocinadoras, o valor arrecadado foi usado para pagar as despesas da Gráfica Lupagraf e da Editora Alternativa, restando uma boa grana a ser doada a entidades beneficentes.
Nesse tempo de aquecimento global, inúmeros desastres naturais pegam sem aviso prévio os ribeirinhos dos rios, riachos, lagoas e até as populações das grandes metrópoles, não importando a categoria econômica e social. A fúria da natureza vem na forma de enchentes, secas, tornados e furacões. Desse modo, além do exercício constante de prevenção, há de se organizarem mutirões de solidariedade às pessoas e animais atingidos pelos desastres de tamanha grandeza.
Como se vê, a figura do Rashid, com seu espírito de solidariedade e divisão do ônus e do bônus, constitui um maravilhoso exercício de compartilhar o pouco que se tem com os que, ocasionalmente, tudo perderam, menos a dignidade. Nesse sentido, mais de uma centena de contistas e poetas independentes, invocaram o espírito de Rashid, como escreveu o Professor Mauro Gaglietti, quando se referiu ao poder da literatura e à força da palavra:
A literatura tem o poder de tocar a alma, de restaurar esperanças e de reavivar a força interior. É na criação literária que encontramos refúgio e, ao mesmo tempo, um campo fértil para a reflexão e o crescimento. Em cada conto, em cada poema presente há um pedaço da nossa identidade, uma parte da nossa história, que nos convida a mergulhar nas profundezas do ser e a emergir renovados. (Sol das águas de maio, 2024, p.11).
Quer queira, quer não, Rashid entrou com tudo para representar o espírito de solidariedade em relação ao sofrimento dos atingidos pelas enchentes de maio de 2024 no RS, tanto no que se refere ao ato de ajudar essas pessoas desamparadas, quanto na significação ficcional da palavra.
– Longa vida ao espírito de Rashid!
Autor: Eládio Vilmar Weschenfelder. Também escreveu e publicou no site “Sol Vermelho”: www.neipies.com/sol-vermelho
Edição: A. R.