As habilidades sociais desenvolvidas ao brincar de boneca também tornam as crianças mais maduras e responsáveis para cuidar de animais de estimação e das plantas ou árvores que tiverem em casa.
Trago hoje o poeta brasileiro Ferreira Gullar com o seu belo poema intitulado “Menina passarinho” para ilustrar o início do nosso texto que pode ganhar várias personalidades diferentes dependendo da imaginação e poder de criatividade da criança. Então, Gullar nos diz no seu poema “Menina passarinho, / que tão de mansinho / me pousas na mão / Donde é que vens? / De alguma floresta? / De alguma canção?”.
Que toda criança venha das profundezas do nosso benquerer e seja amada como se fosse uma floresta ou uma canção bonita, o que importa é que preencha as nossas lacunas de adultos superpoderosos que esquecem da infância antes de correr o lápis na folha de papel para desenhar uma casa torta ou uma bola de sol, arrisquemos a ser crianças no dia a dia para enchermos de belezura a vida que de tão doída está matando pessoas tão jovens!
Toda criança durante a tenra idade deveria preocupar-se apenas com o brincar, pois ele desenvolve o raciocínio lógico e outras habilidades que servirão para a idade adulta. Assim, também pensam estudiosos e terapeutas da infância, ou seja, o brincar é fundamental para o bem-estar, o desenvolvimento e o amadurecimento social da criança.
O brincar é o melhor que podemos oferecer às nossas crianças, pois brincando elas aprendem e descobrem coisas por si próprias que não saberiam como nos perguntar.
No meu tempo da infância tive muitas bonecas de pano e de plástico. Eram as minhas melhores amigas. Muitas vezes fui professora, médica, advogada, juíza, dona de casa, cozinheira, costureira, enfermeira e tantas outras profissões cuidando das minhas bonecas. Com elas aprendi muitas coisas, dente essas a empatia, o carinho pelos meus amigos e desenvolvi muitas habilidades sociais que me ajudam a viver neste mundo egoísta e cheio de ódio.
Estudiosos indicam que as bonecas são alguns dos brinquedos mais antigos do mundo, com registros de uso na Grécia e Antigo Egito, por volta de 100 D.C. Nessa época, algumas crianças já brincavam com bonecas, sendo esta uma atividade milenar que auxilia na educação e no desenvolvimento dos pequenos.
A boneca possui um papel fundamental na formação das crianças, pois estimula habilidades e funções desenvolvidas por elas. Mais do que um simples brinquedo, é a própria representação das pessoas e do convívio social e familiar.
Brincar de boneca é brincar de se relacionar, pois as crianças falam com elas como se fossem outras pessoas. Essas relações sociais que estão tão fora de moda atualmente e que quase já não as alimentamos mais, pois estamos presos no trabalho e até mesmo na vida pessoal. As crianças também estão trocando as suas bonecas pelos tablets ou aparelhos celulares, o que está dificultando as relações sociais entre elas e os seus amiguinhos.
É preciso estabelecer limites nessas brincadeiras com produtos eletrônicos e oferecer para as crianças a oportunidade de experimentarem brincar com outros brinquedos que possam despertá-las para novos conhecimentos, novas aprendizagens e experiências.
Enquanto falam com as bonecas, as crianças compartilham as suas dúvidas e medos para elas e as escutam. Na verdade, escutam a própria voz interior, levando-a a maior pergunta da filosofia antiga quer seja “Quem sou eu?” que tanto intrigava os filósofos gregos. É uma troca entre o eu físico e o eu emocional. Ambos se relacionam e passam assim a se identificarem com situações reais vividas por outras crianças ou até mesmo com adultos que estão perto delas.
As bonecas nos ensinam que cuidar do outro é uma tarefa de responsabilidade e de extrema importância.
Este eu do existencialismo de Sartre que se coloca frente a frente com a existência da criança que precede a sua essência, o que significa dizer que o ser humano se determina, se constrói, se inventa enquanto age no mundo e esse agir pressupõe o brincar da criança com o seu brinquedo querido que está sempre inventando um mundo novo e agindo no seu mundo de diversas maneiras com as quais as bonecas são colocadas para enfrentarem desafios e poderem viver em meio a multidão de elementos da sua criatividade no mundo real e imaginário.
As crianças projetam nas bonecas aquilo que estão vivendo, e muitas vezes situações conflituosas que elas não conseguem resolver sozinhas, contando para as suas bonecas acabam descobrindo uma solução. Com isso, as representações internas são enriquecidas e a criança passa a sentir mais confiança para enfrentar o mundo que exige tanto dela.
Também promove a empatia, ou seja, enquanto se preocupa com as suas bonecas e os problemas criados para elas no mundo da imaginação as crianças precisam resolvê-los sozinhas e com isso passam a se colocar no lugar das bonecas como se elas existissem e tivessem sentimentos verdadeiros.
Os pais, responsáveis e professores devem saber que não existe essa história de brincadeira de menino e de menina. Meninos também podem brincar de bonecas sem nenhum problema. Não é porque ele brinca de boneca que perderá a sua masculinidade. Os meninos também aprendem brincando com bonecas e ursinhos de pelúcia, assim como as meninas também aprendem brincando com carrinhos.
Se as crianças que fazem bullying com os meninos que vestem a cor rosa trazem esse conhecimento de casa é porque algum adulto as ensinou. E isso deve ser combatido pela escola porque nela só há lugar para um mundo diverso onde as crianças possam se apresentar do jeito que quiserem e serem livres para mostrarem as suas orientações sexuais desde cedo. Leia mais: https://www.neipies.com/nem-azul-nem-rosa-crianca-veste-qualquer-cor/
É preciso saber que, quando um menino brinca com uma boneca bebê, ele pode estar encenando diversas situações que vive no cotidiano, como um pai cuidando de uma filha, um professor ensinando a uma aluna, um médico cuidando de um paciente ou até mesmo um barbeiro, quem sabe? São cenas que fazem parte da vida dele. Aos pais, cabe incentivar as brincadeiras nos filhos. Isso também os ajudará a serem pais mais presentes no futuro, ou seja, a se tornarem mais participativos na criação quando eles tiverem filhos.
Com certeza, não é um brinquedo que irá definir a sexualidade de uma criança e este debate precisa ocorrer nos lares e escolas, para quebrar esse preconceito. O importante é que a criança tenha pelo menos um boneco em sua infância para poder brincar com ele e viver todas as etapas do desenvolvimento.
Há sempre uma troca de vivências com esses brinquedos entre as crianças, pois elas transmitem para eles as suas dores, dúvidas e sentimentos tão incompreendidos pelos adultos. Incompreensão essa que se coloca dentro de casa quando a criança costuma fazer perguntas sobre as mudanças do seu próprio corpo ou como chegou até aqui e os pais ou mentem ou não sabem como explicar a verdade, mudando de assunto e fazendo a criança sentir-se sozinha com a sua dúvida. O que não é bom.
A boneca pode ser de pano, de plástico ou de silicone seja qual for o material fabricado, elas sempre serão ótimas companheiras para as crianças. As bonecas são costumeiramente os primeiros presentes que as crianças recebem. O que importa é a relação afetiva que a criança cria com elas, esta relação que ajuda no desenvolvimento de outras habilidades sociais como a perda de timidez de falar em público, a empatia, a confiança em si própria e a coragem de realizar tarefas que antes pareciam impossíveis.
Sem contar que as bonecas estão sempre juntas nas atividades do cotidiano, na escola, no parque ou na praça. Para onde vai a criança costuma levar a sua boneca como companheira das horas de alegria e tristeza.
É simplesmente uma coisa maravilhosa brincar de boneca e conheço muitos adultos que brincam com elas até hoje participando de grupos em redes sociais para compra das mesmas só para poder lembrar do tempo da infância. Eu mesma participo de muitos grupos de bonecas que me fazem voltar aos meus tempos de criança quando no meu pequeno mundo as minhas bonecas me aceitavam como eu realmente sou e me ouviam sem que eu precisasse ficar pedindo atenção a todo instante, pois elas sempre estavam ali para mim e para ouvirem as minhas mais tolas histórias inventadas na hora só para afastar uma dor ou um medo que vinha, de repente. Foi assim que desenvolvi a habilidade de contar histórias inventadas na hora para meninos e meninas.
São elas que contribuem para as lembranças mais lindas que nos enchem de saudades quando nos tornamos adultos. Não é verdade que bate uma nostalgia quando você se lembra das suas bonecas da infância? Mamãe costurava vestidos para bonecas e segundo ela as suas bonecas de pano e de sabugo de milho eram as mais bem-vestidas entre as suas amigas, foi com o dinheiro das vendas dos vestidos das bonecas que ela conseguiu se alimentar e alimentar os seus irmãos. Ao lembrar disso, mamãe fica nostálgica e começa a falar do seu tempo de criança como se quisesse voltar a brincar de bonecas novamente.
Todo mundo tem uma boneca para lembrar da época da criancice. Elas deixam lembranças bonitas dentro da gente de um tempo em que a gente ouvia mais as pessoas e cuidava delas com carinho. Hoje já não sabemos nem como nos ajudar. Vivemos em consultórios psicanalíticos fazendo terapia para descobrirmos quem somos, de onde viemos e o que queremos aqui. Eram questões como essas que fazíamos às nossas bonecas e elas nos respondiam depois de momentos de reflexão.
Os estímulos que a criança recebe influenciam no seu desenvolvimento, comportamento e saúde mental. As bonecas podem ajudar nesses estímulos. Ao brincar de boneca a criança usa a comunicação. Ela pensa ou verbaliza em voz alta o que está fazendo, conversa, usa vocabulário e vivencia algum papel social como já foi dito acima. Na verdade, ela personifica a boneca, ou seja, dá uma personalidade e vida real colocando qualidades e defeitos que são comportamentos de humanos.
Ao brincar de boneca a criança estimula a imaginação, pois ela precisa inventar uma cena, um mundo à parte para a brincadeira. Pensar nos comportamos e sentimentos da boneca. O pensamento não tem limites e é um grande incentivo agir dessa maneira. O mundo imaginário é infinito. A criança pode mudar a brincadeira na hora que quiser, de repente, pode inventar outros sentimentos para a sua boneca ou outras situações. Ela vai experimentar vários sentimentos no tempo em que estiver brincando com a sua boneca.
Vai também poder esquecer o mundo real que é tão sofrido e incompreensivo para com as crianças, deixando-se embalar pelo mundo da imaginação onde tudo é possível e onde ela pode cuidar da boneca como gostaria de ser cuidada e amada. A boneca proporciona que a criança saia da realidade difícil e entre no seu imaginário personificando aquilo que gostaria de ser, mas tem medo ou é impedida por algum adulto.
A brincadeira com a boneca também desenvolve a inteligência emocional. Como a criança personifica a boneca, simbolizando um ser humano real, que interage e sente, ela acaba exercitando suas próprias emoções. Ao reviver ou criar situações, ela vai se expressando e pensa sobre os sentimentos e as vontades da boneca. Ela cria uma relação e desenvolve mais empatia.
As bonecas também ensinam sobre a maternidade e a paternidade, quando normalmente as crianças cuidam das suas bonecas como se fossem bebês. É uma forma da criança criar responsabilidade como pai ou mãe: alimentar, trocar a fralda, dá banho, colocar para dormir. É um treino para a vida adulta, caso ela queira ter filhos. É um exercício para os meninos também que compreendem ter atribuições importantes no dia a dia.
As ideias de brincadeiras de bonecas são infinitas, depende da imaginação da criança: tarde na escolinha, um dia no spa, almoço no restaurante, manhã na piscina, café com amigas, passeio no shopping, fazer compras, festa de aniversário, consulta médica, visita a algum amigo doente. São várias as ideias que a criança pode experimentar e os pais também devem entrar na brincadeira incentivando a criança a brincar cada vez mais com as suas bonecas.
A boneca permite, também, uma melhor interação, socialização e compreensão das coisas ao redor da criança. Por esse motivo é uma das principais brincadeiras que fazem parte de algumas práticas pedagógicas e educacional das crianças. Ao brincar de boneca as crianças aprendem a socializar com outras, incentiva a criatividade além de estimular e compartilhar fatos comuns do seu cotidiano. Além disso, a criança passa a imaginar um mundo subjetivo, do jeito que ela o enxerga com toda magia e fantasia que pode criar.
Assim é que no conto de Jordi Sierra i Fabra intitulado “Kafka e a boneca viajante” narra que o escritor Kafka encontrou uma menininha chorando numa praça por ter perdido a sua boneca e inventa para ela uma história de que a boneca não estava perdida, mas viajando e ele um carteiro de bonecas escreve várias cartas para a menina sobre as peripécias da boneca na sua viagem. Dessa forma ele consegue acalmar a menina.
Na verdade, supõe-se que Kafka realmente escreveu estas cartas, mas elas nunca foram encontradas e a sua esposa contou para Jordi Fabra esta história bonita e intrigante. O que vale é a imaginação, seja ela de adultos ou crianças e que os adultos possam acalmar as aflições das crianças e os seus anseios inventando histórias bonitas e acalentadoras.
Brincar de boneca é importante para a criança, porque é nessa atividade que ela aprende a compartilhar, socializar e a se comunicar. Se você é mãe, sabe o quão chateado seu filho pode ficar se alguém tirar o brinquedo dele. Ainda mais quando for uma boneca ou bichinho de pelúcia, pois esses brinquedos são especialmente importantes para as crianças, pois representam sentimentos de cuidado e afeto.
É exatamente o fato de ser tão importante, e mesmo assim a criança dividir seu brinquedo com outra criança, que torna tudo tão valioso! Quando seu pequeno compartilha uma boneca ou pelúcia com seu coleguinha ou irmão, é uma ótima maneira de quebrar barreiras.
A responsabilidade da criança para com a sua boneca é tamanha que são elas as mais difíceis de se quebrarem de todos os demais brinquedos. Esse é o resulto de um vínculo entre elas, que passam a ter responsabilidade e a se comportar com seus pertences pessoais. Desde cedo a criança precisa aprender e ser colocada diante de responsabilidades para desenvolver um comportamento de organização e seriedade para com os desafios da vida. Essa é também uma ótima maneira das crianças aprenderem a cuidar dos irmãos mais novos.
As habilidades sociais desenvolvidas ao brincar de boneca também tornam as crianças mais maduras e responsáveis para cuidar de animais de estimação e das plantas ou árvores que tiverem em casa.
Assim como os outros brinquedos, as bonecas também têm um impacto nas habilidades motoras, pois ajuda nas funções básicas da criança que envolvem a motricidade. Um bom exemplo prático é pedir para as crianças colocarem em ordem ou em sequência suas bonecas desde a menor até a maior ou da maior até a menor, por exemplo. Assim, além da coordenação motora, estimula o raciocínio lógico e a capacidade de organização dos pequenos.
Com o desenvolvimento da tecnologia é muito importante que as crianças tenham contato com esses brinquedos antigos e lúdicos e que os pais mantenham o controle e o limite com brincadeiras em aparelhos eletrônicos, pois muitas vezes acabam prejudicando o desenvolvimento emocional e físico da criança. Afinal, ela precisa se socializar e interagir com o mundo real e com o seu mundo imaginário, coisa que as bonecas proporcionam de uma forma tão encantadora e prazerosa!
Para finalizar este texto belo sobre bonecas que me fez voltar à infância tantas vezes e trazer a minha boneca para junto de mim quero deixar vocês com a nossa poeta maravilhosa brasileira Ruth Rocha que escreveu o poema “Pessoas são diferentes” e nos diz nos seus lindos versos “São duas crianças lindas / Mas são muito diferentes! / Uma é toda desdentada, / A outra é cheia de dentes…”
Que cada boneca seja diferente para as crianças no mundo da imaginação apresentando comportamentos e sentimentos diferentes, mas que possam encher o mundo real de bonitezas e encantos para enfrentarem a grande incompreensão de nós adultos que queremos muitas vezes colocar goela adentro tudo o que sabemos sem termos a paciência para ensinar, cuidar, amar e esperar o tempo certo da aprendizagem.
Autora: Rosângela Trajano