Seu pensamento infantil o fez generalizar: se não era considerado gente pelo pai, muito menos seria considerado gente pelos estranhos. Essa falsa crença foi assimilada como uma verdade incontestável, um dogma.
Um homem adulto jovem, vou chamá-lo de Bruno, evita conviver socialmente porque tem a certeza de que as pessoas não vão se interessar por ele, não vão “dar bola” para ele, vão ignorá-lo. Por que procurar encontros sociais, tentar fazer amigos, se ele já sabe que sofrerá essa horrível sensação de não ser considerado gente, de não existir?
Há essa crença arraigada dentro dele: é ela uma verdade incontestável, um dogma.
De onde vem essa crença?
Ocorre que seu pai era um homem distímico, ou seja, tinha uma depressão leve, crônica. Possuía ele uma família grande, seis filhos. Sua escassa energia era gasta fora de casa, no trabalho. Ao voltar para junto da família, não lhe sobravam forças para dar atenção aos filhos. No máximo, envolvia-se para reprimir o filho que estivesse a perturbar o ambiente.
Bruno era obediente, não incomodava. O pai, portanto, não sentia necessidade de se voltar para ele. E Bruno passou a evitá-lo. Pois, se o procurasse, acreditava que sofreria ao perceber o desinteresse do pai por ele.
Bruno não formulava esses pensamentos. Apenas tinha a sensação que, se colocada em palavras, refletiria a crença de “não ser considerado gente”. Essa sensação ruim voltava automaticamente na sua cabeça frente a qualquer pequena desatenção dos outros para com ele em um, como veremos mais adiante, salto para a conclusão.
Seu pensamento infantil o fez generalizar: se não era considerado gente pelo pai, muito menos seria considerado gente pelos estranhos. Essa falsa crença foi assimilada como uma verdade incontestável, um dogma. Nesse sentido, as pessoas não eram suas amigas, ao contrário. Tinha de evitá-las, elas o fariam sofrer. Não teriam, assim como o pai, empatia por ele.
Só muito mais tarde na vida, com a capacidade de pensar de forma madura, pôde compreender o que realmente aconteceu.
O pai não lhe dava atenção devido às suas próprias dificuldades, já referidas. E não havia por que reduzir a avaliação de si mesmo a esse fato. Até então, Bruno aproximara-se dos grupos sociais com a atenção autofocada. Preocupado consigo, não observava os demais e não exercitava a sua capacidade de empatia por eles. Ou seja, não fazia nada para conquistá-los.
Bruno, observando-se à luz da realidade, reconheceu suas qualidades e habilidades.
Com elas, seria capaz de despertar o reconhecimento e o interesse das outras pessoas por ele. Mas teria de repetir esse novo pensar. Repetir e repetir. E teria de agir e agir. Só assim conseguimos deixar para o passado o pensamento primitivo, infantil que costumamos chamar de maniqueísmo composto por: reducionismo, generalização, salto para a conclusão, dogma, ausência de autocrítica, ausência de empatia afetiva, tendência a acreditar que eu e os meus “somos bons”, os outros “são maus, são inimigos”.
Autor: Jorge Alberto Salton. Também escreveu e publicou no site a crônica: “A culpa não serve para nada”: https://www.neipies.com/a-culpa-nao-serve-para-nada/
Edição: A. R.