Em um dos primeiros passeios por Paris deparamo-nos, minha filha, meu neto e eu, com um espaço fechado por tapumes. Tratava-se de jogos gays no espaço de uma igreja católica bem perto do Louvre. Enquanto minha filha levava o filho a uma barraca de entretenimento de crianças, dirigi-me à igreja para saber o que, raios, acontecia em seu interior, naquele contexto.

A cena que encontrei fez meu coração disparar. Havia um sistema de som por onde saía uma voz que falava nomes de forma pungente. Pausadamente, a voz dizia os nomes de pessoas mortas por causa de sua orientação sexual. O cenário não podia ser mais comovente, na medida em que revelava grandes painéis com fotos, homenagens das mães dessas pessoas, trabalhos em patchwork, desenhos e tantas outras formas de homenagem. Havia também um grande painel cujo espaço servia para que os visitantes deixassem suas mensagens.

Voltei ao espaço aberto, comovida, e pude observar a alegria com que pessoas jogavam algo que não conheço, mas que é um jogo coletivo francês com bola. Vi adultos e crianças brincando, suando e movimentando-se alegremente, enquanto as barracas do entorno abrigavam palestras, mesas redondas, barzinhos e espaços com vídeos e fotos de um bom gosto incrível. O erotismo bem dosado e belo estava evidente nas imagens que caracterizavam cada espaço. Fui abordada por um senhor que funcionava como intérprete e pude movimentar-me pelo espaço com muito mais propriedade.

Em uma Paris marcada por tantos conflitos, por séculos de guerra e resistência, protagonista de revoluções, que atingiu um grau de civilização tão sofisticado, ainda acontecem crimes contra pessoas, por causa do que são, por causa do que não conseguem evitar o que são e por causa de sua procura pela felicidade e integração. Senti o imenso paradoxo que isso representa.

Mas a denúncia estava lá, dentro e fora de uma igreja. A dor de que fui tomada era imensa. Vivi intensamente a gentileza e a elegância daquelas pessoas que jogavam, que confraternizavam e denunciavam uma situação que todos conhecemos no Brasil, o país que mais mata pessoas LGBTs do mundo.

Não conseguimos continuar nosso passeio turístico, por estarmos plenos de humanidade. Não quisemos conferir espaços históricos outrora ensanguentados pelos conflitos e de belezas inacreditáveis. Voltamos para casa quase silenciosos. Tive dificuldade para dormir, tal o grau de necessidade de refletir sobre a caminhada civilizatória que o mundo já percorreu.

Espero continuar viva para conferir o avanço inexorável dos povos do mundo em busca de pacificação e aperfeiçoamento humano. Recuso-me a acreditar, por exemplo, que a Alemanha continue sendo conspurcada por grupos neonazistas, que crescem e ameaçam a paz que o país conseguiu.

Não aceito que o mundo continue assombrado por grupos extremistas, que procuram segregar, exterminar, expulsar de seus territórios pessoas fragilizadas por guerras e regimes totalitários. Sobretudo, abomino preconceitos, por que eles matam e matam muito.

O que podemos fazer aqui e agora, porque é aqui e agora o único lugar onde podemos fazer alguma coisa. Podemos ter visão geral dos fatos, mas só agimos no lugar onde estamos.

Eu acredito na nossa ação concreta em favor da humanidade. Para fazermos alguma diferença, primeiro precisamos arrumar o nosso interior impregnando-o de compaixão, para que a sensibilidade pelo outro floresça e consiga um grau de empatia capaz de compreender que somos diferentes uns dos outros e que isso é muito bom. Podemos bloquear, ao menos no nosso coração, a onda moralista e predadora tão evidente e que grassa tão perto de nós.

Sou uma otimista! Acredito que somos melhores do que já fomos. Acredito que estamos no meio de uma caminhada, na qual há passos para trás, mas que é inevitável. Creio que os retrocessos sejam também inevitáveis, mas estamos evoluindo a passos largos.

Diferenças culturais entre Brasil e França.

 

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