Esse canto torto de pássaro me toca mais do que qualquer máquina. Mas como explicar isso a quem não ouve, a quem talvez nunca tenha ouvido? A voz dos educadores, uníssona, ecoa no deserto para ouvidos surdos: “Tragam-nos livros, por favor!”
Nesta semana, no Congresso dos professores municipais do CMP SINDICATO, ouvi novamente o velho clamor dos professores, ignorado por nossos governantes. Apesar de alguns projetos bem-intencionados, os recursos continuam a ser desperdiçados em tecnologia, enquanto as verdadeiras necessidades da educação permanecem negligenciadas.
Vivemos uma era de entusiasmo digital, onde as novas tecnologias são vistas como a solução para todos os desafios pedagógicos. Computadores, salas makers e outras inovações são amplamente celebrados, mas os educadores, sem desmerecer essas ferramentas, voltam seu olhar para um horizonte mais humanista.
Durante o congresso, o professor Jaime Giolo, Doutor em História e Filosofia da Educação pela USP, ecoou novamente essa voz que conhecemos tão bem. Uma voz que, ao contrário da dos governantes, sugere outros caminhos.
E quais seriam esses caminhos? Eu poderia dissertar árdua e longamente sobre isso, mas não quero cansar o leitor. Prefiro recorrer às metáforas, que tanto encantam na literatura.
A voz dos educadores, uníssona, ecoa no deserto para ouvidos surdos: “Tragam-nos livros, por favor!”
Livros coloridos, cheios de ilustrações. Livros engraçados, melancólicos. Para crianças e jovens. Livros de terror, de aventuras impossíveis. Romances doces, cheios de beijos. Travessos, que falem de infância, adolescência e suas tormentas. Livros sobre o corpo, sobre a sexualidade. Livros para viajar e para levar em viagens. Livros para meninos, meninas, avós. Livros para todos.
E bibliotecas — uma em cada escola, quem sabe? Para abrigar esses livros e, simbolicamente, resguardar nossas almas. Bibliotecas com almofadas tão coloridas quanto as próprias histórias, onde as crianças possam deitar e rolar, e as professoras também, se quiserem. Estantes de madeira, pufes, tapetes. Mesas de leitura e luminárias que, ao iluminarem as páginas, acendam na mente dos leitores as chamas da literatura.
E já que estamos a pedir, que haja também uma professora — ou, quem sabe, uma bibliotecária — dedicada a esse espaço. Alguém que organize o acervo, promova a leitura.
Pode ser aquela professora cansada, quase se aposentando. Não importa, desde que cuide dos livros com carinho.
Eu poderia escrever um texto técnico, menos poético, explicando por que estamos exaustos de tanta evolução disfarçada de tecnologia. Mas seria tão óbvio que só o governo não vê.
Prefiro o caminho sinuoso. A vida não é reta, e eu também não.
Reto é o pensamento de quem nos governa, guiado por um algoritmo opaco que me assusta.
Enquanto isso, de forma poética e torta, as professoras continuam a clamar, como pássaros cujo canto, ao insinuar-se, revela mais do que qualquer palavra direta.
Esse canto torto de pássaro me toca mais do que qualquer máquina. Mas como explicar isso a quem não ouve, a quem talvez nunca tenha ouvido? Não se pode dissecar um pássaro sem matá-lo.
Resta ao pássaro seguir cantando.
E aos que não escutam, seguir não escutando.
Imagens do Evento IX Congresso dos Professores Municipais de Passo Fundo.
Fotos: CMP SINDICATO/ Divulgação/ Arquivo pessoal
Autor: Aleixo da Rosa. Também escreveu e publicou no site “O curioso caso dos alunos que preferiram os livros”: www.neipies.com/o-curioso-caso-dos-alunos-que-preferiram-os-livros/
Edição: A. R.
É lamentável ver que é dado mais importância a tecnologia – hoje a grande descoberta é a inteligência artificial que, pode tirar mais ainda o trabalho de raciocínio do estudante e, num futuro próximo até substituir a mão de obra humana. Nada poderá substituir o prazer de ler um livro, onde através de suas páginas se conhece e se viaja por lugares que talvez nunca iremos aterrizar.