Sr Vereador! Sra Vereadora! “Somente no mundo da leitura é que poderemos definir nossos rostos.”
Encaminho esta carta aos seus cuidados, com o duplo propósito de provocar a sua reflexão e logo após a sua iniciativa, pois a jornada em que empreendemos sobre a retomada da leitura no país é desafiadora e cheia de obstáculos. Trata-se, portanto, de um debate e um apelo, para que a sua prioridade seja voltada à educação e à leitura, sem as quais nenhuma mudança será consistente.
Recentemente, fomos informados da colocação do Brasil na escala de Avaliação Internacional, Pisa, da OCDE (abaixo). Por não fazermos nada de diferente ou muito pouco, ficamos com os últimos lugares. Esta carta tem de provocar uma inconformidade em sua gestão, pela natureza inaceitável de ser um legislador em um país com desempenho desastroso, perante os demais estudantes e nações, as quais queremos fazer parte.
Então, iniciemos!
Para se reverter a escala de atraso na leitura e interpretação de textos que assistimos, em relação aos outros países, é fundamental que iniciemos pelas séries iniciais, justamente onde está o foco e a responsabilidade das Prefeituras Municipais. No Ensino Fundamental é também onde se encontra a oportunidade para desenvolver o gosto pela leitura e seus créditos, o que os acompanhará por todo o seu período escolar e ainda pela sua vida.
O Brasil ainda pode mudar os níveis de compreensão e aprendizado, decorrentes da boa e insuperável leitura do livro físico, porque nesta fase há espaço para formações neurais e o desenvolvimento de um vocabulário complexo. A leitura digital pode chegar em seguida.
Mas não há muito tempo! Vimos, recentemente, que ocupamos os últimos lugares, não somente em leitura, mas em provas de matemática e ciências. Em competições mundiais, reservamos as piores colocações.
Nossos legisladores têm de entender que não basta disponibilizar livros às escolas; é preciso acompanhamento, leitura e debate em sala de aula, maior compreensão e, finalmente, uma estratégia didática que atenda a sua faixa etária para os desafios de um novo aprendizado; que nada mais é do que o retorno às práticas já consagradas de ensino.
E é preciso mais! Nossa sociedade, nossas famílias, tem transferido única e exclusivamente à escola e seus professores, a tarefa de ensinar, ler e aprender, como que atribuindo às suas salas e pátios uma missão somente sua. Esquecendo que os comportamentos e os exemplos em suas casas e lares, não podem ser diferentes do que os seus filhos experimentam durante o dia.
A escola não pode ser o santuário sequestrado, de uma educação superficial e que por força da rotina extenuante dos seus pais, os professores têm de exercer todos as funções ao mesmo tempo; inclusive assumindo o novo papel; que é o de tutor de filhos de pais ausentes.
A sociedade e o poder público transferiram para os anos escolares, escolas e profissionais da educação, uma tarefa incompatível com o modelo de convivência em que se vive hoje. Transferiram, com exclusividade, a formação de milhares de pessoas e esqueceram de transferir suas verbas. Resultado: responsabilidade demais, culpa demais, tarefas demais, convívio e recursos de menos.
Sabemos que poucos pais são leitores. E pouquíssimos leem com seus filhos. Mas continuamos a exigir das escolas o milagre de multiplicação do saber, quando, a tarefa intelectual, enquanto sociedade, é, igualmente de todos. Tanto os que leem, os que não se importam com nada e os que somente reclamam das notas dos seus filhos.
E escola não pode ser o depositório da indiferença da família. Sequer da indiferença de um Estado esgotado, que transfere moedas contadas, que por sua vez, não pode inovar o ambiente, pelo menos um pouco melhorado para que a leitura de seus alunos seja fluida, contínua e permanente.
Não será forrando a escola de livros que teremos a redenção de nossos patamares vergonhosos. Tanto é que não faltam livros; mas faltam seus intérpretes, falta o seu debate, a sua condução.
O poder público não pode se isentar na construção de leitores e leitoras, jovens ou adultos. Há que se tapar o fosso cavado que separa a educação de nossos jovens, suas famílias e as Instituições públicas desgastadas.
Tudo está ligado em única coisa. As histórias e contos que lemos e adoramos são comuns a todos. Não há público ou privado quando a imaginação está presente, e, igualmente, não se encontra país avançado sem excelentes leitores ou escritores. Tudo é consequência, tudo pertence às teias sociais que as compõe em nossas escolhas.
Peça para o seu filho, se tiver idade para tanto, que escreva um livro e o apresente à Secretaria de Educação e aguarde a resposta. O interesse é raso, o incentivo é zero e a verba… nenhuma. Será que sempre foi assim? Ninguém tem mais tempo para sentar-se no chão de uma biblioteca escolar, se ela ainda existir, e ler com seus alunos; a leitura espontânea e calma, reservada aos que querem imaginar, pensar, discutir e crescer. Imagine o seu filho tentando levar à sua escola a sua biografia. Quem se importará?
Nenhum vereador do país se encontraria onde está, se não recebesse em algum momento de sua trajetória escolar, incentivo e oportunidade à leitura.
Na gestão política, é um imperativo a sua rotina intensa, em artigos e resenhas, laudos e projetos, textos técnicos e projetos de leis. Até caberia um romance, em uma lista interminável.
Nada mais justo que vocês, nesta hora, tenham ciência que milhões de brasileiros poderiam melhorar o seu acesso ao básico da literatura infantil e infantojuvenil, mas não as tem. E se as tem, não com professores descansados e preparados para lhes dar atenção suficiente; lendo e crescendo ao seu lado.
Agora, um estudo em Harvard (1) confirma o que todos os professores sabiam ou desconfiavam: “não basta ler; para que a criança compreenda, é necessário que ela seja estimulada a refletir e interpretar o que leu”. Onde está escrito crianças, pode-se ser a escola inteira…
E continua afirmando que o “hábito de leitura é um exercício para o cérebro, que envolve imaginação, mentalização, antecipação e aprendizagem”.
O Iede (2) “constatou que o maior texto lido por 66% dos jovens brasileiros, entre 15 e 16 anos, dados de 2023, não passou de 10 páginas”. Claro, Temos de ficar atentos com textos lidos pela internet, pelas redes, que são acumulativos. Mas o resultado é uma catástrofe.
De acordo com a OCDE, (3) no Pisa (4) o Brasil tem os seguintes lugares entre 81 países: leitura 52º, matemática 65º, ciências 62º. Mas como! Temos o 10º PIB mundial. Onde foi parar a diferença?
Fica mais evidente as razões que nos fazem tão ruins em ciências e matemática? Baixos níveis de leitura tem plena relação com outros aprendizados, pois a descoberta na interpretação é que estende caminhos para a compreensão em todas as outras disciplinas. Inclusive na interpretação da realidade que os cerca.
Será que é isso que nossos legisladores não entendem?
Acerte o alvo sr. vereador(a) e dê uma demonstração de imenso valor, investigando as razões e os por quês em ocuparmos tão baixas posições em concursos em leitura, matemática ou ciências. Sempre que você ouvir de Prefeituras ou doutores em Programas Educacionais que estamos indo muito bem, desconfie! Para o bem de todos.
O tempo que nos resta não é mais o mesmo do que restava ano passado. Ande às voltas pelas vilas e seus arrabaldes e procure por pequenas bibliotecas, que tragam algum conforto para seus pequenos leitores. Decerto, todos ali precisam sobreviver. No caso nosso, ficamos especialistas em distribuir migalhas, quando deveríamos destinar um professor a cada família, pois a mudança de ‘verdade’ nunca virá por si mesma; nem doada, nem permitida. Somente arrancada.
Pois se a transformação do ensino não chegou até aqui, não virá.
Exija do seu gabinete e apoiadores, sr. vereador(a) leitura diária e seu compartilhamento. Firme com seus subordinados, compromisso e disposição em ouvir a todos: leitores, escritores, professores ou quaisquer brasileiros que se envergonhem pela situação de indiferença.
Ponha-se no lugar de professores que tentam e conseguem um propósito, e são muitos, mas que não dispõe do tempo necessário para ouvir o que seus alunos entenderam em seus textos. Uma sociedade completa se forma a partir de suas muitas versões. Procure reconhecer, que os países que estão no topo da excelência educacional, tem nos espaços escolares e seus professores, um respeito próximo ao que você terá quando tomar posse.
E por qual razão ainda, a Câmara não destinou um dia por semana, em todas elas, para legislar a partir das escolas, em seus pátios, sei lá, longe dos seus gabinetes, mas perto de toda a gritaria de crianças vivas e ávidas pelo seu crescimento?
Quanto aprendizado ali!
Em seu mandato que se inicia (ou reinicia) em janeiro de 2025, procure fazer a diferença pelo seu país e pelo seu sistema educacional, avaliando e incentivando, se for o caso, a forma como as Prefeituras concebem e destinam tempo e dinheiro ao ato de ler.
Discute-se aqui o papel do poder público municipal em encarar os fatos: ouvir a comunidade escolar e tornar como prioridade absoluta o treinamento da leitura. Convive-se com buracos nas ruas, mas não se pode conviver com buracos no ensino e na alma.
Para que se possa desmentir o que o educador Darcy Ribeiro nos falou lá trás, “que a crise da educação brasileira não é uma crise, mas um projeto”. Se é que conseguiremos desmenti-lo, até lá, contamos com o seu mandato e sua força.
A menos que você não se incomode com as últimas colocações do nosso país, apontando um futuro de baixa credibilidade educacional, reverta a sua pauta e foque no que é o mais essencial em todos os conteúdos que o seu gabinete pode alcançar: e leitura escolar, diária e contínua.
Ali se encontra o antídoto para a reação de um país, que está entre as 10 maiores economias do mundo, mas que tem em suas fileiras, adolescentes com redações zeradas, com uma visão de mundo perturbadora e enormes dificuldades em entender textos básicos, com altos níveis de compreensão.
Senão, ao final do seu mandato, não espere uma pátria muito diferente.
Ponha um quadro na parede do seu gabinete, com a foto de um professor cansado, por ter lutado nesses quatro anos, em ideias e propostas, quase sempre não ouvidas.
Pregue outro quadro ao seu lado, com uma redação escolhida a esmo, para que você não esqueça do seu empenho, ao ver como uma sociedade se arrasta para a escuridão, quando seus jovens não sabem expor suas ideias.
Sabemos que há ilhas de exceção em todo o lugar. Temos de parabenizar todas as inciativas, mas sempre será o todo que nos representará lá fora; ou aqui dentro.
O país do futuro já passou.
Se não quisermos que nossos filhos e os filhos dos nossos filhos sejam apenas expectadores do que os outros lhe impõe, nas redes ou fora delas, admita que somente a leitura os fará pensar por si mesmos.
Ajude-nos a transformar os valores minguados que a educação recebe, em verbas dignas para sua transformação. Ajude-nos a tornar o país, um representante equivalente ao seu Produto Interno Bruto, resgatando jovens e adolescentes do mundo limitado e obscuro das 10 páginas lidas no ano.
Seu mandato terá valido muito. Valerá a sua reeleição!
(Entendemos que grandes iniciativas estão sendo vivenciadas por professores e coordenadores comprometidos, em quase todas as cidades. Respeitamos e aplaudimos a todas. O texto procura instigar nas autoridades mais compromisso com um pequeno detalhe, que poderia tirar o Brasil do seu lugar cativo nas últimas posições: a leitura.)
- Professora Paola Uccelli, Harvard
- Iede (Interdisciplinaridade e Evidência no Debate Educacional)
- OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico)
- PISA (Programa Internacional de avaliação de estudantes. Prova aplicada em 81 países. Pertence à OCDE)
Autor: Nelceu Zanatta. Também escreveu e publicou no site “Cinquenta países que lêem mais do que nós. O que nos atrasa?”: www.neipies.com/ha-cinquenta-paises-que-leem-mais-do-que-nos-o-que-nos-atrasa/
Edição: A. R.
Muito agradecido pela leitura e seus comentários, Antônio.
Sim, faço questão de deixar claro no texto que a responsabilidade é de todos, sociedade, família…
Muito adequado seu exemplo do Japão, perfeito.
Finalmente, será a partir da crítica que nasce a transformação. Mas em meu texto, além de apresentar números efetivos, proponho ir além da crítica; tratando de uma convocação, um desafio aos novos legisladores. Essa é a proposta.
Grato.
Bom dia, não diria que somente os legisladores, escolas e instituições educativas sejam mencionadas como foco de reflexão pela retomada da leitura e interpretação (pertencem como todo social) e assim, a sociedade como um todo tem que se integrar em fazer a sua parte e estar engajada nesse exercício, no Japão observamos esta integração e tempo dedicado das famílias com seus filhos a fazer uma redação de férias, uma interpretação de texto para ser apresentada em sala, julgo de suma importância essa consciência coletiva. E, sim, a cobrança do sistema administrativo público em voltar se as políticas educacionais e sociais não a prática de ajuda, auxílio contínuo, troca de interesses, favorecimentos…, mas sim, no exercício de seu papel de ser produtivo, arcar com todas as suas responsabilidades, fazer a diferença e a prática de bons costumes a partir da família, comunidade em que vive e com interdependência das instituições públicas. Necessitamos sim de ativistas em todos os meios da sociedade para a conscientização, todos nós conhecemos os erros que cometemos na educação, meio ambiente, políticos e sociais, falta atividades para reatarem esta consciência global, somente críticas não vai resolver!