Carta ao presidente

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Excelentíssimo Sr. Presidente da República.

Diante do desejo de V.Ex.ª de suprimir – entre outras disciplinas – Sociologia, do currículo de nossas universidades, gostaria de lhe dizer que é através dela (Sociologia), que explica-se a formação do Brasil. Os sociólogos, como os filósofos e historiadores, não ensinam a amar a pátria acima de tudo, mas a compreendê-la.

Foram muitos os autores que, ao longo do tempo, buscaram interpretar nossa sociedade. Tenho certeza que V.Ex.ª os desconhece. Atarefado com o twiter, em liberar o uso de armas, cortar verbas para a educação, ouvir Olavo de Carvalho, dispõe de pouco tempo para uma leitura séria. É compreensível.

Joaquim Nabuco, historiador, jornalista e jurista lutou para que se desse ao liberto e ao escravo a condição de cidadãos no final do séc. XIX. Nabuco antevia que o preconceito, o racismo, seriam problemas que subsistiriam por muito tempo. O senhor é um exemplo desta permanência.

Euclides da Cunha mostrou que o sertanejo conselheirista era “um forte”, mesmo que refratário ao Estado nacional, à República. Rezava e acreditava na predestinação de seus objetivos, enquanto lutava pelo domínio da terra e autonomia social diante dos exploradores. O “mito” do sertanejo era D.Sebastião, não um “messias” qualquer.

Darcy Ribeiro, mostrou que a nação brasileira adquiriu plenas condições para lidar com as adversidades e diferenças e para se constituir como um modelo de civilização. Advertiu, entretanto, que temos um certo pendor para o mandonismo, para o autoritarismo e para a tirania. Se identificou Presidente?

Darcy Ribeiro

Gilberto Freyre valorizou o negro. Mostrou que a mestiçagem, o hibridismo e mesmo a plasticidade cultural da convivência entre contrários não são apenas uma característica, mas uma vantagem para o Brasil. Casa Grande & Senzala precisa ser lido urgentemente por seus ministros!

Caio Prado Jr., escrevendo sobre o Brasil colônia, mostrou que o sentido da colonização não se esgotou nas bases sociais locais de exploração econômica. Foram decisivas as relações com a Metrópole que nos sugou por séculos. Hoje V.Ex.ª quer transformar Washington na nossa Lisboa do passado?

V.Ex.ª deve ter ouvido falar de Sérgio Buarque de Holanda. É, o pai do Chico. Comunistas, o senhor dirá! Sérgio defendeu a tese do “brasileiro cordial”, indivíduo emotivo que guia as escolhas por preferências afetivas e pessoais e não pela racionalidade. O senhor é a confirmação da tese!

Jessé Souza, o sociólogo do momento, garante que “a capacidade humana de autoreflexão e descoberta de novos sentidos, para a vida pessoal e social sempre foi mantida em vigilância. Quando deixada livre tende a questionar o sentido da tradição e da reprodução da vida”.


A doença do Brasil é o ódio de classe.


Será este o medo da Sociologia? Detentores de privilégios não têm interesse nesse tipo de liberdade, que abre caminho para a reflexão e a crítica.

O gaúcho Raymondo Faoro, na obra “Os Donos do Poder”, ressalta o papel do patrimonialismo, que se afina mais com o personalismo autoritário. Cuidado com o empreguismo Presidente. Ele leva a estripulias no uso do bem público.

Portanto, Ex.ª, esta ciência – Sociologia – tem uma função fundamental. Fazer nossa gente compreender a realidade em que vive, analisar a nossa formação. Ela nos permite inventar o futuro, sem negar a importância dos temas do passado e os feitos concretos que deles resultaram.

Ela é uma lupa que permite ver quem somos e como somos. Quem sabe até ajude seu governo a encontrar um rumo. Eliminá-la é sinal de obscurantismo e retrocesso.


Importância da sociologia.

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