Repercutimos a singularidade e a especificidade da obra Cartas de Liberdades escrita pela Acadêmica da Academia Riograndense de Letras, empossada em 2023, Marli Silveira. Recomendamos leitura!
“Nos últimos anos tenho procurado compreender, tematizar as experiências-limite, que seria também, segundo penso, o caso da privação da liberdade. O que as experiências-limite, ou seja, de finitude, podem explicitar do nosso modo de ser.
A privação de liberdade, sendo uma experiência fundamental, poderia nos ajudar a compreender aspectos da condição humana, de modo especial, evocar uma experiência de liberdade que chamaria de existencial.
Creio que, diante de determinadas situações, o indivíduo humano é colocado diante de si mesmo, devendo fazer algo com o que lhe acontece. O desamparo e a indeterminação, a vulnerabilidade, são trazidos para um encontro destituído de determinações e desobrigados do “passado”, podendo implicar uma liberdade própria a contextos inóspitos.
Claro que as condições materiais e históricas não podem ser desconsideradas, os processos constitutivos e os atravessamentos, mas tenho tentado oferecer um novo recorte para se pensar a condição humana reverberada do tensionamento de experiências de finitude.
A aproximação com uma situação concreta, como é o caso desdobrado pelas cartas, não tem como propósito deslegitimar discussões fundamentais no contexto brasileiro, como a política de encarceramento, talvez pudéssemos dizer, projeto de encarceramento. Prendemos muito e mal, sem mencionar as idiossincrasias do encarceramento feminino e juvenil nesse país.
Também não visamos romantizar a concretude da experiência da reclusão. Sim, podemos nos perguntar se somos livres (quem não está preso), ou o que é a liberdade? Podemos discutir conceitos de liberdade e o próprio tema da “natureza humana”, contudo, estar preso é absolutamente diverso de estar solto.
Nossa questão é aproximar contextos experienciais tensionados pelas implicações do limite ontológico, reverberando uma possibilidade de explicitar experiências de si, de ser livre. Muitas vezes me faço a pergunta: tudo isso não seria uma maneira de me salvar, tirar a minha responsabilidade sobre o que acontece, sobre os sobressaltos desumanos que vivemos nos mais variados âmbitos sociais e culturais? A pergunta me ajuda a jamais esquecer dos meus compromissos como cidadã e pesquisadora das humanidades. De outro, meu ponto de inflexão é outro, mas permaneço atenta aos queixumes do mundo, da vida.
Cartas de Liberdades é um convite para que coloquemos em xeque certos marcadores, de modo especial, para que consideremos que nosso modo de ser é aberto e acontecimental, que não respondemos nem apenas pelo meio ou por/como modos volitivos, mas lançados na direção de. Desdobramos nosso existir. Respondemos por um modo situado, mas também possível.
Estranha performance de um modo de ser sempre às voltas consigo mesmo.
Podemos falar de “liberdades”?”
FOTOS DO LANÇAMENTO DO LIVRO EM SANTA CRUZ, RS, DIA 27/05/2023
O livro pode ser adquirido na Livraria Iluminura e na página da Editora Bestiario: https://bestiario.com.br/
Autora do livro: Marli Silveira