Censura e perseguição ideológica na terra gaudéria

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Mais uma vez, o nosso Estado frequenta, com destaque, a cena nacional em ataques à cultura. Mas como nos diz Charles Bukowski, “não há problema que a leitura não possa solucionar”.

No dia em que o TCU divulgou relatório que o Exército concedeu registros de CACs a 5.235 pessoas condenadas por tráfico de drogas, homicídio e lesão corporal; na terra dos preadores de gado selvagem, para tirar o couro e vender, o debate era a censura do livro “O Avesso da Pele”, de Jeferson Tenório.

Para os desocupados da pampa moderna 1,5 mil pessoas com processos de execução penal e 2,6 mil foragidos da Justiça com registros de armas dados pelo Exército Brasileiro são assunto de menor impacto e poder ofensivo. O que é “ofensivo” na terra da escravidão contemporânea é uma passagem “erótica” de um já clássico livro de nossa Literatura, um livro norteador em narrativa romanceada do racismo estrutural.

Nosso autor tem razão quando diz que alguns palavrões chamaram mais atenção do que o racismo, foco da sua narrativa. Ou melhor, muitos que brandiram armas contra o romance de Jeferson Tenório nem leram este ou outro romance nos últimos tempos. Se acharam passagem erótica no texto é porque nunca leram Jorge Amado e Nelson Rodrigues.

Como uma professora e uma diretora de Literatura Brasileira de Santa Cruz do Sul, cidade que tem uma Universidade de primeira grandeza, numa região de forte e arraigada formação cultural podem cair a tão baixa apreciação de uma obra. Pior do que elas foi o coordenador da 6ª Coordenadora de Educação mandar recolher os livros. Em boa hora, a Secretaria de Educação do Estado do Rio Grande do Sul decidiu que o livro deve circular e ser lido.

Como já disse no dia em que as atenções deveriam estar voltadas para o descalabro do desserviço do Exército Brasileiro em liberar armas para marginais, o tempo precioso foi ocupado em atacar um livro que esta gente que critica nunca leu.

Por isso, louvo que o autor, sua editora, o MEC e o governo federal expressaram repúdio à atitude da diretora em tentar proibir a leitura desta obra magistral.

Pude contraditar colega na Câmara, lancei nota pública de repúdio a esta escumalha intelectual e falei em emissora de TV: “Censura Nunca Mais”! Não podemos nos calar. Temos que falar, temos que lutar pela leitura.

Esperamos que este lamentável episódio faça com que mais e mais pessoas se interessem pela obra do autor, que isto leve a mais leituras, criando leitores/as ativos/as, conscientes da importância da LITERATURA.

Dias atrás já tínhamos tido na Serra gaúcha a perseguição à indicação de Boca Migotto para patrono da Feira do Livro de Carlos Barbosa.

Vale a pena buscar nas mídias sociais deste autor e cineasta suas razões para, depois da perseguição, voltar as costas aos seus perseguidores.

E foi mais uma vez na Serra, onde tivemos, no ano passado, os lastimáveis casos de Escravidão Contemporânea, que gerou um livro homônimo meu. Neste ano, além desta perseguição, novos casos de escravidão surgiram na região.

Mais uma vez, o nosso Estado frequenta, com destaque, a cena nacional em ataques à cultura. Ninguém esqueceu a censura a obras no Santander Cultural, no episódio chamado “Queermuseu”. Sempre por aqui….

Por isso, estou cada vez mais convencido do necessário Movimento pela Leitura, qualquer leitura, em qualquer espaço e lugar.

Jovens, qualquer pessoa na verdade, devem ser instigados a ler. Tudo indica que a Câmara Rio-grandense do Livro vai adotar a partir da Feira do Livro de Porto Alegre – 2024-25 como o Ano da Leitura.

As Frentes Parlamentares do Livro e da Leitura devem existir em todas as Câmaras.

Que se criem mais Academias, Clubes de Leitura, bibliotecas comunitárias, que a biblioteca seja um espaço privilegiado nas escolas.

Que mais e mais feiras de trocas sejam feitas. Que surjam novas feiras do livro.

Que este triste episódio sirva para um grande debate sobre a literatura rio-grandense que retoma com força e vigor lançamentos de primeira grandeza como é este livro de Jeferson Tenório e os de José Falero, para citar dois autores de projeção nacional.

No atual estágio de nossa literatura é grande o número de mulheres publicando, na cabeça das entidades, como a AGES – Associação Gaúcha de Escritores – que fará encontro estadual em maio na capital do livro que é a pequena cidade de Morro Reuter.

Um exemplo posso dar a partir de minha experiência: em Porto Alegre, a cada mês aos sábados se realiza uma Feira no icônico Chalé da Praça XV em pleno Centro Histórico com um estrondoso sucesso.

Não há problema que a leitura não possa solucionar” nos diz Charles Bukowski. E é mesmo.

Censura Nunca Mais!

Autor: Adeli Sell, professor, escritor e bacharel em Direito. Também publicou no site crônica Ler, escrever e publicar: https://www.neipies.com/ler-escrever-e-publicar/

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