Eu luto por um mundo mais justo para as crianças há mais de vinte e cinco anos. Até agora ninguém me ouviu, mas não vou desistir. Sei que é uma batalha difícil de se ganhar.
Ah, os contos de fadas com Cinderela recebendo críticas e ordens da sua madrasta o tempo todo e se recolhendo num canto da cozinha até o dia em que se rebelou contra tudo e contra todos e descumprindo uma ordem foi ao baile do príncipe! Você já ouviu este conto de fadas? Cinderela pode ser esta criança que está ao seu lado agora.
Muitas vezes temos uma reação brusca quando as crianças fazem alguma coisa que não gostamos, e não agimos assim porque queremos, mas porque estamos tomados pelo estresse do dia a dia, os problemas do cotidiano, as contas atrasadas, o chefe que vive nos criticando e tantas outras coisas que nos afligem e nem nos damos conta.
A forma como reagimos com as nossas crianças vai definir os seus comportamentos diante de nós e das pessoas ao seu redor até mesmo diante de estranhos. É preciso que tenhamos cuidados com as nossas reações. Uma coisa que faz sentido e é bom sempre exercitar é a paciência. Respirar fundo, contar até três para não explodir, rir de tudo até mesmo das coisas mais difíceis da vida e depois agir com cautela.
As crianças tendem a assimilar as nossas reações e passam com o tempo a imitá-las. Sim, mesmo sem saber por que estão fazendo aquilo as crianças começam a nos imitar como se fosse certo o que fizemos com elas. Se o papai ou a mamãe faz isso comigo, eu também posso fazer com o meu amigo ou com a minha professora.
É mais ou menos uma resposta do inconsciente aquilo que foi recebido e processado para um dia ser colocado para fora da mente. Acho que Freud chamaria isso de repressão, eu não sei bem. Estudo Freud há bem pouco tempo. O que está em questão são as nossas reações que devem ser ponderadas, usadas com eficiência, pensadas mesmo que estejamos ocupados.
As crianças tendem a imitar os adultos porque eles são os seus heróis e sabem de tudo, são aquelas pessoas que têm respostas para tudo sempre e por isso as suas reações para com elas certamente estarão sempre corretas. Os adultos nunca erram para as crianças. Somos perfeitos para elas assim como é Deus para nós. Já imaginou se Deus reagisse com você bruscamente? Pois é assim que se sentem as crianças quando reagimos de forma grosseira com elas.
Uma vez eu devia ter uns cinco ou sete anos e meu pai rasgou um desenho que fiz dizendo que estava muito feio porque o coelho estava sem orelhas e sem os dentes. Alguns dias depois na escola eu rasguei o desenho do meu coleguinha porque a casa que ele fez estava sem portas e não tinha um sol.
Eu tive uma reação igual ao do meu pai. Agi da mesma forma que ele agiu comigo. Só que fui para direção e ainda tive que pedir desculpas ao meu amiguinho por algo que eu tinha plena certeza que não estava errada até que a minha professora conversou comigo e eu lhe disse que o papai sempre fazia aquilo com os meus desenhos feios. Sem querer entreguei o papai.
Quando temos reações de raiva com as nossas crianças elas saem de perto de nós e ficam a se perguntar por que mudamos tanto de uma hora para outra, de repente estamos brincando com elas e num segundo por causa de uma tolice delas reagimos de forma grosseira e ridícula para um adulto considerado um herói.
Tantas vezes as crianças trocaram os pais heróis pelos seus avós companheiros que fazem de tudo para não as machucarem. E fizeram certo porque os avós são os que mais sabem dar amor e nunca reagem de forma agressiva ou descabida.
Creio que devido a experiência e o cuidado que adquiriram ao longo dos anos cuidando dos filhos e de si próprios os avós tenham aprendido que reagir com afeto sempre, mesmo que a criança esteja agressiva é a forma correta de corrigi-la e esperar que se acalme.
Eu não tive amor de avós, logo meus heróis sempre foram meus pais e quando eles reagiam de forma agressiva comigo quem passava a ser meus heróis eram os meus ursinhos de pelúcia. Lembro-me de que passava horas conversando com meus ursinhos antes de adormecer sobre a reação agressiva dos meus pais por uma raiva que tive.
Toda criança tem o direito de ter raiva e os pais deviam saber disso. As crianças não são miniaturas de adultos, elas são crianças e nada mais. Estão em fase de aprendizagem e precisam de cuidados e de compreensão. Tudo o que fizermos diante delas será assimilado como certo. Logo, as nossas reações devem ser com precaução e não com violência ou agressividade.
Eu luto por um mundo mais justo para as crianças há mais de vinte e cinco anos. Até agora ninguém me ouviu, mas não vou desistir. Sei que é uma batalha difícil de se ganhar.
Ainda mais quando nunca se foi mãe e as pessoas tendem a nos dizer isso a todo tempo. Até a forma como você reage com os seus amigos ou pessoas próximas e a criança presencia sempre pode ser imitado por ela.
Temos muitos vícios e tendemos a mostrá-los sem querer para as nossas crianças. Assim, muitas vezes as nossas reações são em parte viciosas, ou seja, agimos daquele jeito porque já se tornaram um vício em nossas vidas e sempre que alguém fizer algo que não gostemos agiremos assim. As crianças pequeninas são as que mais sofrem com as nossas reações abruptas porque elas não conseguem entender o motivo de grosserias e violências quando na maioria das vezes somos amáveis e costumamos dizê-las que as amamos.
Imaginemos um girassol bonito no meio do caminho e chegarmos repentinamente, o arrancarmos do chão e o despetalarmos por completo só porque ele estava no meio do caminho. É assim com as nossas reações, elas tendem a criar vida depois de certo tempo de vícios.
Você já imaginou a cena em que acaba de dizer que ama a criança e ela deixa cair o copo de suco no sofá, você reage com raiva pega no braço dela e a manda limpar aquilo rapidamente aos gritos e palmadas? O que será que este ser pequenino vai pensar do amor? O amor é uma coisa que muda o tempo todo ou ele permanece para sempre uma coisa bonita de se viver, responda para mim.
Devemos cuidar das nossas reações diante das crianças para que elas sejam sinceras e verdadeiras, mas cheias de cuidados e afeto para que não criemos traumas ou pequenos malcriados. Sim, as crianças podem fazer coisas erradas porque não conseguem nos compreender e daí passam a querer nos chamar atenção sendo malcriadas o tempo todo.
A criança vive mais no mundo da fantasia do que no real, e quando são tratadas com afeto e cuidados elas levam isso para os seus mundos e se criam comportamentos que as levarão a ser boazinhas ou não dependendo da forma como são educadas. Lembrando que toda criança é boazinha, quem faz dela um ser malcriado somos nós.
O enunciado da Terceira Lei de Newton (Princípio da Ação e Reação) é descrito da seguinte forma: “A toda ação há sempre uma reação oposta e de igual intensidade: as ações mútuas de dois corpos um sobre o outro são sempre iguais e dirigidas em sentidos opostos.” Seguindo esta teoria os pais devem pensar que estão certos, pois já que as crianças criaram uma ação de descuido, de malcriação ou de birra merecem uma reação brusca e severa para que não cometam mais o mesmo erro.
Os pais sempre pensam que reagindo de maneira brusca e violenta com gritos e palmadas ensinarão as crianças a não repetirem mais aquela ação que os fizeram ficar com muita raiva ou com vergonha das pessoas ali presentes.
Ah, se os pais soubessem que as crianças são como Cinderela: elas só querem um motivo para desobedecerem às reações dos pais e fugirem para onde há alegria e festa! Penso que um dia através dos meus ensaios, das minhas palavras de afeto e carinho para com as crianças eu poderei salvar uma delas das reações bruscas e inesperadas dos seus pais. Neste dia eu serei a pessoa mais feliz do mundo!
Para finalizar este pequeno ensaio deixo vocês com o nosso querido poeta português Fernando Pessoa que nos diz:
“Grande é a poesia, a bondade e as danças. Mas o melhor que há no mundo são as crianças.”
Todas as vezes que alguém reage com violência contra uma criança é como se o mundo ficasse de cabeça para baixo e tudo, tudo mesmo tivesse medo de perder o sentido da infância.
Autora: Rosângela Trajano. Também escreveu e publicou no site a crônica “As crianças das guerras”: https://www.neipies.com/as-criancas-das-guerras/
Edição: A. R.