Estamos tão mal-acostumados com crianças certinhas que nunca fazem nada errado que mal sabemos acolher os seus erros quando elas erram e se sentem envergonhadas diante de si próprias e do outro em relação ao que fizeram.
No seu lindo poema “Pontinho de vista” o poeta Pedro Bandeira nos diz nos seus lindos versos “Eu sou pequeno, me dizem, / e eu fico muito zangado. / Tenho de olhar todo mundo / com o queixo levantado. / Mas, se formiga falasse / e me visse lá do chão, / ia dizer, com certeza: / – Minha nossa, que grandão!” É assim que alguns adultos veem as nossas crianças, ou seja, elas são grandes demais e já cresceram muito para continuarem errando. Deixemos que continuem crescendo e aprendendo com os seus erros, pois só se aprende alguma coisa nessa vida quem tenta, quem erra, quem começa de novo.
Pedro Bandeira declama Mais respeito, eu sou criança! Assista: https://youtu.be/CDtSrW-qM-o?t=52
Como você se sente quando erra? Que palavras motivadoras você usa na sua conversa interna? Elas te fazem acreditar que é capaz de agir diferente? Elas te empoderam? Elas te trazem coragem de fazer de novo? Ou, ao contrário, te ofendem e te oprimem passando a sensação de desprezo e de fracasso? É dessa forma que fala com o seu filho?
A sensação de vergonha causa muitos problemas na criança. Procure agir de outro jeito. Se coloque no lugar da sua criança, use da empatia. Muitas vezes errar é necessário para que passemos a nos reconhecer melhor.
Estamos tão mal-acostumados com crianças certinhas que nunca fazem nada errado que mal sabemos acolher os seus erros quando elas erram e se sentem envergonhadas diante de si próprias e do outro em relação ao que fizeram. Esperamos tanto das nossas crianças como se elas tivessem experiências e vivências para fazerem tudo que é certinho e que nos agrada, como se elas estivessem ali para nos agradar sempre.
Para nós, adultos, as crianças não podem errar nunca. Se errarem, ficarão de castigo, serão chamadas de fracas e desmotivadas a continuarem a fazer o que estavam fazendo e acabaram parando devido a um erro inesperado.
Os erros acontecem conosco a todo instante, só não damos conta de quantas vezes erramos no nosso dia a dia. Mas, os erros das crianças são mais fácies de serem conhecidos por nós que parecemos vigilantes e tiranos prontos para castigar firmemente qualquer vacilo da nossa criança.
Tantas vezes erramos no nosso trabalho, com os nossos amigos e familiares e até mesmo com as nossas crianças e nem damos conta disso. Estamos sobrecarregados de atividades, estressados, perturbados com os problemas do dia a dia e nem atentamos para os nossos erros graves que cometemos na nossa rotina de pessoas apressadas que não têm tempo para nada, sequer para acolher o pranto da nossa criança que chora com medo de ser castigada porque descobriu que errou.
Errar é humano, já diz o ditado. Com os erros aprendemos a crescer, amadurecemos mais rapidamente. Devemos tentar tantas vezes seja necessário para que alcancemos os nossos objetivos e sonhos. Sabemos que vamos errar uma, duas, três ou mais vezes. Estamos dispostos a seguirmos em frente na busca pela perfeição. Afinal, o homem que fugiu da caverna de Platão também cometia erros quando acreditava que aquelas sombras eram reais e ao ver a luz do sol descobriu que viveu o tempo todo enganado, errando, e volta para a caverna para corrigir os seus amigos, mas não é compreendido por eles.
Assim, caminha a humanidade. As nossas histórias são cheias de erros e falhas. Não devemos deixar as crianças envergonhadas por errarem ou desmotivá-las naquilo que erraram. A criança precisa sentir-se acolhida, amada, cuidada. Ela deve voltar a fazer a sua lição, a fazer o seu desenho, a juntar os cacos do vaso quebrado, a calçar o sapato direitinho, a pedir desculpas para a pessoa que chamou de “feia”. Em nenhum momento a criança deve sofrer com os seus erros.
A criança está em fase de aprendizagem assim como os robôs programados com a Inteligência artificial. Elas aprendem conforme o número de acertos e erros que cometem no dia a dia. Um erro nunca será repetido na aprendizagem de máquina, mas com a criança pode ser que aconteça novamente e não a julgaremos por isso, afinal quem está aprendendo necessita ser estimulado a continuar fazendo novas tentativas e chegar até o término da sua tarefa. Mesmo que os seus erros sejam maiores que os seus acertos.
Na escola, a criança deve ser incentivada a fazer avaliações que usem o pensamento crítico e reflexivo e não a responderem questões objetivas que devem ser marcados o certo ou o errado com um X. Esse tipo de avaliação está caduco.
O bom professor sabe explorar o erro da criança e incentivá-la a buscar a resposta correta através do diálogo. Abrir novos caminhos do pensar da criança, fazê-la pensar o motivo pelo qual escolheu aquela resposta que não é a certa para a sua lição, ser crítica diante das suas opiniões e refletir sobre o que escreve buscando interpretar o seu texto.
Os erros das crianças são necessários ao seu bom desenvolvimento. Não reclame com ela ou diga “errou de novo”. Uma criança é um ser em crescimento e descobertas de novas aprendizagens estão em constante movimento assim como o devir de Heráclito. O movimento do pensamento cognitivo, a linguagem, a expressão corporal demonstram como a criança reage ao nosso jeito de lidar com os seus erros.
Nunca obrigue a sua criança a pedir desculpas pelos seus erros, pois ela fará isso apenas por interesse próprio talvez para não ser castigada ou punida, e não porque está verdadeiramente arrependida ou preocupada. O melhor é que você ensine seu filho a ter empatia, a entender o motivo que fez com que o outro se sentisse mal. Contudo, se ele não entender naquele momento, vale dar um tempo e conversar depois.
A criança não nasce com a empatia plenamente desenvolvida. Ela só vai começar a entender o que é isso a partir dos dois anos de idade. Mas, a consciência de que o outro tem sentimentos e histórias começa aos seis ou sete anos de idade. Assim, até os seis anos de idade a criança não consegue identificar se o seu erro é coisa legal ou não e que deve se retratar para com o outro.
Não ter medo de arriscar e errar é fundamental para ser criativo, usar a criatividade na sala de aula ou em casa, criar coisas maravilhosas e encantar-se com o mundo ao seu redor. A criança criativa tende a errar mais porque faz mais experimentos, lida mais com o desconhecido e com o novo. Não podemos sair apontando os seus erros como se eles fossem a coisa mais horrível do mundo.
O erro faz parte do aprendizado, mas, quando apontado pelo outro, humilha. Por outro lado, quando a criança, sozinha, se dá conta do próprio erro, o resultado é aperfeiçoamento, autoeducação e autocorreção.
Ensina a criança a não esperar o outro dizer em que ela precisa melhorar. Só para citar um exemplo: se você vir que a criança vestiu a blusa pelo avesso a leve até o espelho e mostre para ela o seu erro. Ria junto com ela e a ajude a vestir a blusa da forma correta.
Nenhuma criança erra porque quer. Ela erra por não saber direito fazer escolhas ou por não ter compreendido bem o que lhe ensinaram. Quando erra o seu medo é tanto que logo pede desculpas e outras começam a chorar com medo de serem castigadas. Elas sabem que erraram pelo olhar desaprovador que alguns pais lhes dão, pelos xingamentos que ouvem ou pelo desprezo. Sim, porque muitas crianças são desprezadas quando erram.
Permitir que a criança experimente novas sensações, novas brincadeiras e aventuras, faça novos amigos e brinque mais é um exercício para que ela se sinta segura no seu dia a dia e quando errar não tema o que ouvirá por parte dos que dizem lhe amar. Que ela não precise esconder o seu erro de ninguém por medo de ser castigada, que ela procure um adulto e conte o que fez com confiança e a certeza que será acolhida.
O medo de ser castigada devido a um erro causado faz da criança um ser assustado e prejudica o seu desenvolvimento. Ela passa a ser tímida e sente-se potencialmente frágil para tentar novamente aquilo que errou. Vai crescer sendo um adulto que desistirá fácil das coisas, que não saberá ir atrás dos seus sonhos, que terá medo de enfrentar os seus chefes e amigos de trabalho. Vai crescer muitas vezes desmotivada a aprender novas coisas.
Toda criança deve ser incentivada desde a tenra idade a fazer o que gosta, a brincar, a pular e correr. Claro que elas devem ouvir os nossos conselhos, mas se por acaso elas não nos ouvirem vez ou outra causando erros que nos desagradam que saibamos lidar com esses erros mostrando-lhes e incentivando-as a fazerem as coisas de maneira correta, pois assim todos ficarão bem.
Lidar com os erros das nossas crianças exige paciência, amor, cuidado e mais do que isso a sempre presença na sua educação dentro e fora de casa. Os pais estão tão ocupados com os seus afazeres que não acompanham mais o desenvolvimento das suas crianças e quando veem já se passaram vários anos e a criança continua fazendo a coisa errada como fazia na pequena infância. Ninguém a corrigiu. Continua sentando-se de maneira errada na cadeira, continua pegando no lápis de maneira errada, continua fazendo birra por coisas simples. O tempo que passou longe dos pais ao cuidado de avós ou cuidadores não foi suficiente para que eles corrigissem os seus erros porque as encheram de mimos.
Não é tão somente com amor que se educa uma criança. Ela precisa de limites. Ela precisa ser corrigida quando fizer algo errado. Claro que de uma maneira que não amedronte e nem a desmotive a seguir em frente. Todos devemos saber como lidar com os erros das nossas crianças porque também erramos bastante e não gostamos de sermos corrigidos por terceiros. Muitas vezes um erro pode prejudicar uma empresa inteira, do mesmo jeito ocorre na infância que pode prejudicar a vida da criança por inteira se não soubermos como lidar com o seu erro.
Deixe a sua criança fazer o que ela gosta, o que ela deseja. Abra espaço para ela se aventurar experienciando novas sensações e descobrindo novos olhares diante do mundo ao seu redor. Para que ela possa aprender com os erros que a vida é dura, e não será fácil com ela na idade adulta. É preciso desde a tenra idade saber que errar faz parte da nossa vivência.
Se a criança cair, deixe que ela por si só se levante, não seja o primeiro a ajudá-la, pois na idade adulta nem sempre você estará por perto quando ela errar no trabalho ou na prova de um concurso.
Os erros das nossas crianças são um estímulo para a aprendizagem. Elas conseguem produzir conhecimentos a partir deles. Elas descobrem as suas fraquezas e estranhezas diante do mundo, e com isso buscam o aperfeiçoamento dos seus gestos e atitudes. Não devemos nunca rir do erro da nossa criança e muito menos julgá-la. Todos erramos e isso é certo. A diferença das crianças para os adultos é que elas erram e não conseguem compreender o tamanho do problema que os seus erros podem causar para outras pessoas já nós, adultos, temos esse conhecimento.
Antes de desmotivar a sua criança de que ela não é capaz de fazer nada certo, de puxar as orelhas dela ou de colocá-la de castigo por quebrar todos os seus vidros de esmalte, por quebrar os óculos do vovô ou por riscar as paredes da casa dê uma chance para que ela se explique e diga o motivo pelo qual fez isso ou aquilo. Conversar com a criança sobre algo que ela fez de errado e você não gostou vai passar confiança e despertará o sentimento de não repetição do gesto ou atitude que é considerado errado por quem a ama.
O diálogo ainda é o principal motivador entre o adulto e a criança para que ela confie os seus medos e erros.
Não esconder embaixo da cama o que fez de errado e sim ter coragem para falar, dizer onde errou, pedir desculpas pelo seu erro sem sentir-se extremamente culpada e julgada. Afinal, não existe quem não erre nessa vida de desafios e incompreensões.
O segredo é entender a mensagem que cada falha nos passa. E, principalmente, entendermos o segredo da vida porque a nossa fala vira a conversa interna da criança. Assim como a dos adultos contribuíram na sua formação. Que a sua criança possa ter um diálogo construtivo a partir de você, consigo mesma.
Para finalizar este ensaio que nos leva a reflexão de como lidar com os erros das nossas crianças eu trago a nossa poeta Cecília Meireles com o poema “Para ir à Lua” que nos diz: “Enquanto não têm foguetes / para ir à Lua / os meninos deslizam de patinete / pelas calçadas da rua. / Vão cegos de velocidade: / mesmo que quebrem o nariz, / que grande felicidade! / Ser veloz é ser feliz. / Ah! se pudessem ser anjos / de longas asas! / Mas são apenas marmanjos!”
Assista em vídeo: https://youtu.be/Nw5JPjDX77A?t=14
Que as nossas crianças possam ser felizes iguais aos meninos de Cecília Meireles nos seus erros e acertos, o importante é chegar à Lua ou a outro lugar qualquer onde a imaginação possa voar.
Autora: Rosângela Trajano
Edição: Alexsandro Rosset
Gosto muito dos seus textos sobre a educação das crianças… eles nos inspiram.
Muito bom o texto! Parabéns, Rosângela!
Parabéns Rosinha! Ótimo ponto de vista. Você sempre se supera. Te adoro!!!!!!
Se eu tivesse visto o que aqui foi dito no que se refere à educação das crianças, talvez tivesse errado menos. Valeu Rosângela!