A vida nos dá várias “laranjas” para serem descascadas. A religião pode nos ajudar a “descascá-las”.
Com essas perguntas iniciei, uma das primeiras aulas de Ensino Religioso com uma turma de Sétimo Ano do Ensino Fundamental em uma escola pública da rede municipal de Passo Fundo, RS.
Para conectar as duas questões e encontrar as respostas, contei aos alunos a história que resumo a seguir.
“Quando eu tinha 17 anos, minha família foi, por um tempo, dona de um bar, em Getúlio Vargas.
Certa tarde entrou no estabelecimento um senhor humilde e eu o olhei “de cima a baixo”.
Meu irmão mais velho, naquela época, tocava violão, e nosso ritmo preferido era rock.
O homem elogiou o talento do meu irmão ao violão e pediu que ele tocasse algumas músicas sertanejas, ao que eu respondi, com desprezo:
— Ele não toca essas porcarias!
O senhor, visivelmente, se sentiu humilhado.
Não muito tempo depois, o bar faliu. Tive que procurar um emprego, qualquer emprego, meu primeiro emprego, para contribuir com a renda familiar.
A única vaga que consegui foi em um curtume, na pior parte possível da produção: eu deveria tirar o couro dos carroções, um por um, centenas e centenas de couros, e estendê-los em uma esteira para iniciar a secagem.
Adivinhe quem era meu companheiro de trabalho? Aquele senhor que, um tempo antes, eu havia humilhado. E, ao contrário do que eu podia esperar, ele me tratou muito bem. Lembrava-se de mim e me deu dicas de como fazer o trabalho da melhor maneira possível, tudo de forma amável, altruísta.
Na metade da manhã, soou o sinal do intervalo. Quinze minutos. O lugar era frio e fétido. Um gigantesco porão. Eu estava com dor nos braços e nas costas, com frio e com fome. Mas o pior, mesmo, era o quanto eu me sentia desamparado, desenganado, humilhado.
Como eu não tinha levado merenda, tive que me contentar com algumas laranjas que o senhor humilde me ofereceu. Comecei, com uma faca de serrinha, sofregamente, a descascar uma das laranjas.
As mãos, geladas, tremiam. O fio da faca também não ajudava.
— Não é assim que se descasca uma laranja — disse meu colega, sorrindo. Tomou a laranja das minhas mãos e tirou, do bolso da calça, um canivete.
Ao invés de descascar a laranja como eu tentei fazer e, suponho, a maioria de nós faz — rodeando a fruta com a faca —, ele cortou a laranja ao meio e, em seguida, cortou cada metade também ao meio.
Forçando, então, as extremidades de um dos pedaços, tirou a casca do gomo inteiro, sem esforço.
— Assim se descasca uma laranja — sorriu mais uma vez e me alcançou os pedaços da fruta”.
Hoje, aos 35 anos, sei que naquele dia comecei a aprender duas coisas:
1) não humilhe os outros; a vida dá voltas;
2) seja humilde — e humildade, aqui, não significa se humilhar, mas ter disposição para aprender.
Afinal, podemos aprender algo em quase qualquer circunstância. A sabedoria, mais que um lugar, é um estado de espírito.
Obviamente, não aprendi, de todo, as lições citadas acima. Longe disso! Mas sigo tentando…
Nas próximas aulas, apresentarei aos educandos quatro histórias de tradições religiosas distintas, todas com um mesmo tema: humildade.
A ideia é apontar a conexão entre vida e ensinamentos religiosos, mostrando que a Religião pode ser muito útil à vida de todos. Mostrando que a Religião não é uma coletânea de histórias antigas, mas sim a reprodução de coisas que nos acontecem todos os dias e que podemos perceber e aprender com isso, desde que tenhamos olhos para ver.
A vida nos dá várias “laranjas” para serem descascadas. A religião pode nos ajudar a “descascá-las”.
O Componente Curricular Ensino Religioso só tem sentido quando tem foco no amor e no respeito às diferenças de pensamento e de fé.
Autor: Aleixo da Rosa
Aleixo, que lindeza de texto! Quanta sensibilidade essa “inútil” filosofia nos provoca. Obrigada por compartilhar textos sobre temas tão importantes numa escrita simples e profundamente sensível.