Concepções de humanidade e religião em tempos de Covid 19

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Obedecer as orientações e permanecer em casa
significa pensar na existência como sendo uma grande teia;
teia de relações onde o que parece estritamente pessoal influência
na configuração de toda teia, podemos ser um fio a mais a compor
essa complexidade de relações e agir de forma solidária.



Em tempos de pandemia, algumas reflexões, embora pareçam óbvias, se fazem urgentes.  A seguir, ensaio duas que nasceram da observação e do desejo de contribuir neste momento de intensa crise.

Primeiramente, falamos da noção de humanidade como um projeto que precisa de aprimoramento contínuo; em seguida sobre a função formativa das religiões e o desafio das mesmas no enfretamento desta pandemia; por fim, tentamos poetizar nossa esperança em dia melhores e felizes para a família humana.

As informações de cunho científico, para o combate a pandemia tem como principal orientação que as pessoas permaneçam em suas casas, o isolamento tem soado como a melhor resposta que podemos dar para barrar o avança do Covid 19.

Não obstante este aviso, pessoas e organizações têm oferecido certa resistência, e certa aversão a ciência que parece decorrente do que ouso chamar de “institucionalização da ignorância”. Não aderir ás orientações cientificas e menosprezar os danos que o covid 19 pode causar, mostra entre outras coisas, a fragilidade dos laços coletivos, e infelizmente certa falência da noção de humanidade.




Com a experiência do covid-19 e antes que a emergência climática e ambiental se torne irreversível, por exemplo, é necessário também que estejamos atentos, pois todo filme de desastre começa com cientistas sendo ignorados. (Ergon Cugler, pesquisador da EACH/USP)
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Mais do que em outros tempos, é preciso pensar que o ser humano não está pronto, é projeto em construção permanente, se faz ao tomar parte na construção da história. No entanto a história, ainda que pessoal, não acontece fora da coletividade, da sociabilidade que precisa ser retomada e alimentada para que todas as ações construam cidadania e testemunhem esperança na humanidade, contrariando toda lógica individualista, egocêntrica e desnuda de amor fraterno.

Assumir-se na condição de sujeito, ser histórico, não é um processo desvinculado do social e do comunitário, visto que toda ação por mais pessoal e individual que pareça reflete no seio social.

Nosso contexto reforça essa tese, uma decisão que parece simples pode implicar amplamente no conjunto da sociedade, obedecer as orientações e permanecer em casa significa pensar na existência como sendo uma grande teia; teia de relações onde o que parece estritamente pessoal influência na configuração de toda teia, podemos ser um fio a mais a compor essa complexidade de relações e agir de forma solidária, ou desconsiderar as orientações e romper com fios, estraçalhar mentes espalhando o medo e dando vazão ao pânico como tem insinuado algumas pessoas constituídas em cargos de liderança.

Cito três exemplos vivenciados recentemente. Quando fui a consulta médica ontem (20/03) percebi que a maioria do comércio de Passo Fundo estava com as portas fechadas, exceto uma loja que permanecia aberta contrariando o Decreto Municipal; ainda na quarta-feira à noite (18/03) quando retornava do último dia de aula presencial, antes do início da quarentena, uma igreja estava aberta e com significativo número de fiéis, muito perigoso neste momento de transmissão comunitária; vi notícias verdadeiras e muitos comentários sobre a estocagem de alimentos e outros  mantimentos; bem como aumento no preço do álcool gel,   com estes  exemplos ilustro o que foi dito anteriormente, e repito veementemente,  necessitamos nos pensar como humanidade, indivíduos que existem em relação com outras pessoas, que tomam decisões, com impactos mais amplos do que a gente imagina; é hora de relembrar um ensinamento da maioria dos nossos  pais, de que não podemos tudo o que desejamos e queremos, não estamos no centro do mundo e este não gira em torno do nosso “umbigo”.

Agora mais do que em outros tempos urge recuperar a noção de família humana, de humanidade que só é em relação, como numa grande teia; penso que a filosofia africana ubuntu precisa ser retomada, estudada e vivida para que superemos este momento de crise dando a humanidade um direcionamento comunitário, social, global, visto que “ser humano é ser com os outros”.




 “Ubuntu” é uma palavra que representa uma filosofia e uma ética antiga africana que significa: “Sou quem sou, porque somos todos nós”.




Enquanto humanos que existem em sociedade (políticos por natureza, como disse Aristóteles), também buscamos pela dimensão transcendente da existência. É também da natureza humana desejar um sentido transcendente para a vida, penso que a serviço disso devem se colocar as religiões. A diversidade religiosa tem orientado seus fiéis neste momento difícil, algumas com bastante coerência entendendo que a fé não exclui a necessária prudência e não nos isenta do vírus como se sobre os fiéis existisse um escudo protetor.

São belas e louváveis as iniciativas de solidariedade, as manifestações de carinho feitas desde as janelas dos prédios, através de aplausos aos profissionais de saúde, bem como as ações de conscientização e apoio feitas pelas redes sociais, cujo uso precisa ser potencializado neste momento para que não sucumbamos a desinformação e a solidão.

Cabe as religiões e as diversas concepções de fé, nos auxiliar a passar com equilíbrio por estes momentos de tensão, visto que são elas formadoras de opinião e orientadora das ações de muitas pessoas que a elas aderem com fervor. Repudio toda forma de crença e questiono a veracidade de uma religião que orienta os fiéis a demostrarem a fé se aglomerando em reuniões e ou cultos, com argumento de que é nesta hora que são provados para mostrar o quanto creem.

Entendo que a ação de Deus não é mágica, e não exclui de forma alguma nossa participação, cuidar-se e pensar no outro é o que de mais caridoso podemos fazer neste contexto. Não vá a sua igreja, não frequente as celebrações agora, mas apoie-se na sua fé e tenha atitudes coerentes com o querer de Deus, que segundo as escrituras e o exemplo de Jesus Cristo quer a vida, o cuidado com toda vida; se não és cristão, mas tem uma prática religiosa sugiro que revisite os ensinamentos de sua religião, o livro sagrado e ou a doutrina, te garanto que não encontrara pensamento contrário a este. 

Qualquer orientação que soar contraria ao cuidado da vida, a sua e dos outros, não provém do querer de Deus, a não ser que estejamos falando de experiências diferentes de Deus, de noções controversas, sobre as quais fico a disposição para o diálogo em espirito de fraternidade.  Viva com fé, reze, ore, pense positivo, conecte-se com o Deus de sua fé, mas não desacredite no que tem falado a ciência e a experiência de outros países. Que Deus nos inspire atitudes de cuidado e nos mantenha firmes na esperança ativa de que dia melhores virão.    




Leo Fraiman fala sobre vivência da espiritualidade como lição em tempos do novo Coronavirus.




Por fim, mas sem a pretensão de “fechar a porta” desta temática desejo que cada um de nós possa ser humano, em espírito de fraternidade e solidariedade para que superemos este momento de dificuldade e saíamos dele mais crescidos, mais amigos, mais famílias, mais humanizados e humanizadores.

Voltemos nosso coração e nossos olhos para a dimensão transcendente da existência e sejamos coerentes com o apelo por vida feito em cada jardim que desabrocha em flor; em cada templo de tijolo que fechado nos orienta a sermos nós templos vivos, que na atitude de isolar-se dos demais testemunhemos um amor que é maior e energiza a teia de relações da qual somos feitos.

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