Conhecemos religiosos católicos por sua atuação pastoral, com engajamento social. Este engajamento social, que permeia a atuação em temas da sociedade, não significa uma atuação política vinculada a partidos ou organizações da sociedade. A Igreja Católica tem a Doutrina Social, que é fruto de vários documentos e registros que a mesma vem fazendo ao longo da sua história, em especial, em recente período histórico.
Ari Antonio Reis é sacerdote diocesano; já prestou vários serviços de assessoria e acompanhamento de pastorais sociais. Em sua entrevista exclusiva ao site, poderemos conhecer um pouco melhor a concepção e a orientação que a Igreja Católica Apostólica Romana tem para os temas sociais da atualidade.
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SITE NEIPIES: Quando e como surgiu seu desejo de servir a Cristo e a sua Igreja?
PADRE ARI: Sou de uma família católica de profunda vivencia comunitária. Acostumei-me, quando criança e adolescente, a acompanhar minha mãe e irmãos nas missas e atividades comunitárias. Também fui motivado a participar do Grupo de Jovens, muito incentivado na época.
Acredito que estes elementos contribuíram para o nascimento da vocação à vida presbiteral. Outro fato que ajudou foi a existência, na comunidade (São Sebastião – Vila Rica – Carazinho), de um grupo de apoio às vocações chamado “os pescadores”. Ali crianças e adolescentes eram orientados de diferentes maneiras sobre as diversas possibilidades de seguimento de Jesus Cristo.
Naquela época esta atividade comunitária favorecia muito o amadurecimento da fé e também outras possibilidades de serviço à comunidade. Muitas catequistas e lideranças que contribuem na missão evangelizadora foram formadas neste grupo. Minha vocação nasceu do ambiente familiar e também deste apoio comunitário, completado pela atuação no Grupo de Jovens.
SITE NEIPIES: O que mais realiza e desafia como padre, como religioso?
PADRE ARI: Nossa missão é muito bonita. Diria que é o encontro da vontade humana com a graça divina. Somos frágeis e limitados, mas Deus conta conosco na sua obra. Me realizo no acompanhamento da vida da comunidade nos diferentes momentos, ao perceber os passos que são dados.
Gosto muito de dar aulas e esta vocação nasceu junto com o ministério presbiteral. Cada aula, palestra ou assessoria que você prepara, está se enriquecendo antes de partilhar conhecimento com as outras pessoas. Isto é muito bom porque vai abrindo os horizontes. Vivo esta graça de ser responsável por uma comunidade católica de contribuir na Faculdade de Teologia.
Os tempos atuais são desafiadores, mas cada época apresenta ao ser humano desafios próprios do contexto. É importante interpretar estes desafios e trabalhar com eles. Vejo três desafios nestes tempos: o primeiro está no senso comunitário que hoje está tremendamente influenciado pela cultura do individualismo exacerbado; o segundo desafio está na formação de pessoas em nível eclesial com extensão para a sociedade para uma cultura da solidariedade e busca do bem comum; o terceiro está no trabalho com a juventude o que exige que os compreendamos como protagonistas de suas vidas e agir social.
SITE NEIPIES: Padre Zezinho, em suas redes sociais, afirma que a Igreja Católica atua com base em documentos e posicionamentos de sua Doutrina Social, que algumas pessoas confundem com posicionamentos políticos. Qual é a importância da Doutrina Social da Igreja e quais são seus fundamentos?
PADRE ARI: A Doutrina Social explicita o agir político da Igreja. Contudo, a Igreja não é partidária. O seu agir no mundo se dá em vista do bem comum.
Quando a Igreja se manifesta a partir das suas diferentes esferas, o faz pensando no bem da humanidade e em comunhão com a sua auto compreensão como Igreja de Jesus Cristo, aquele que passou no mundo fazendo o bem e quer que façamos o bem.
Partilho aqui alguns princípios que embasam o pensamento social da Igreja: a) a pessoa humana como fim de todo o agir político, econômico e social; b) a solidariedade como marca necessária do agir humano; c) o trabalho como caminho para a realização humana no agir transformador do mundo; e) a economia não é um fim em si mesma, é uma ciência voltada para o cuidado do ser humano; e) a verdadeira política está voltada para o bem comum.
SITE NEIPIES: Já tiveste atuação direta na assessoria e na concepção de algumas ações de pastoral social, como assessor da CNBB. Como a igreja católica organiza suas reflexões e quais ações propõe para abordar as questões sociais mais importantes de cada momento histórico?
PADRE ARI: A Igreja sempre se preocupou com as questões sociais, especialmente no cuidado para com os pobres. No documento de Aparecida está uma expressão que sintetiza o agir da Igreja no aspecto social. Ela compreende-se como advogada a justiça e defensora dos pobres diante das intoleráveis situações de desigualdade (DAp 395). Este compromisso é histórico e pautou, em primeiro lugar, a vida e missão de Jesus. Cuidar dos empobrecidos e fragilizados é essencial na Igreja que se diz seguidora de Jesus.
Na mesma conferência, acima mencionada, o Papa Bento XVI afirmou que a opção pelos pobres é intrínseca a fé cristã. Portanto, não é ação partidária deste ou daquele viés ideológico. É o exercício do essencial da fé cristã. Nesta perspectiva, a Igreja no Brasil tem, através das suas diferentes pastorais sociais, uma forma de agir estando atenta aos grupos mais fragilizados e ameaçados na sua existência e nos seus direitos. Ela é solidária e apoiadora nas suas reinvindicações por vida digna e plena.
SITE NEIPIES: Papa Francisco está afirmando um modo bem diferente de ser e de agir da Igreja, colocando desafios novos para todos os cristãos católicos no mundo. Qual é a importância de seu pontificado, neste momento da história da humanidade?
PADRE ARI: Logo que assumiu o pontificado, dizia-se que estava iniciando a primavera da Igreja. Realmente, viu-se a Igreja sair de uma posição defensiva para uma dimensão propositiva. Compreendo que o Papa Francisco tem mostrado que a Igreja tem algo propor para a humanidade. Faz isso embasada no seu amor pela humanidade.
Temos a graça de ver o Papa afirmando este princípio de diferentes formas e para diferentes públicos. Também lembro que o Papa Francisco tem exercido uma liderança incontestável em um momento em que o mundo está carente de líderes com propostas significativas para o bem da humanidade
Alegra-nos que o Papa é um líder Cristão e que convida a todos se encontrarem com Jesus, mas que acolhe outras experiências religiosas e as considera importantes. Esta tranquilidade em acolher o diferente, sem abrir mão a sua identidade e do que considera importante para a humanidade, é muito importante.
SITE NEIPIES: O que significa “uma Igreja em saída”?
PADRE ARI: A expressão “Igreja em saída” é profunda e têm consequências amplas no agir eclesial. Mas existe o risco de ser interpretada em uma forma muito simplista. Nas diversas vezes que o Papa usa a expressão, o faz no sentido da Igreja superar a auto referencialidade e se abrir para o mundo, na perspectiva do serviço, porque ficando fechada em si mesma corre o risco de adoecer. Na Exortação Evangellii Gaudium, fala em uma Igreja em saída da própria comodidade em direção às periferias que precisam da luz do Evangelho. A atitude de sair é desafiadora, contudo abre novos horizontes e permite olhar o mundo de um jeito diferenciado. Na saída, a Igreja se enriquece porque dá do que tem de melhor, a fé em Jesus Cristo.
SITE NEIPIES: Quais são hoje os maiores desafios da evangelização cristã?
PADRE ARI: A evangelização hoje tem como grande desafio o diálogo com a cultura urbana sem medo e na perspectiva propositiva. Neste sentido, a proposta das Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil, propostas até o ano 2023, sugerem uma série de iniciativas de encontro dialogando e evangelizadora com a cultura urbana.
Temos outro desafio em nível local, na cidade de Passo Fundo, que é uma presença mais qualificada e intensa nas periferias. Estamos dialogando com os colegas padres e agentes de pastoral sobre este desafio.
Outro desafio mais amplo é a superação de uma cultura de intolerância que nos leva a ver o outro que é diferente e pensa diferente como inimigo. Precisamos como sociedade avançar neste passo.
Lembro ainda, como consequência desta pandemia, a situação social que tende a se agravar. E, diante disso, está o compromisso de assumirmos a solidariedade organizada.
SITE NEIPIES: A Igreja materializa sua ação social por meio de Obras Sociais. Como elas são concebidas e qual é a sua importância para fortalecer os vínculos entre fé, vida e sociedade?
PADRE ARI: O cuidado com os necessitados é compromisso humano. A Igreja se esmera também neste compromisso porque é a sua identidade. A grande questão é como fazer. Tem a ver com o método, o caminho para superar as situações de ameaça a vida. Em alguns casos, precisa realmente assistir. Contudo, não é possível ficar neste nível porque não estaremos realmente contribuindo para que a pessoa necessitada dê um passo significativo na superação da sua condição. Neste caso, entra a dimensão transformadora. Mas não podemos deixar de questionar o fato de vivermos em uma sociedade historicamente injusta e desigual.
SITE NEIPIES: Como ser cristão engajado em causas sociais? Qual a relação entre Fé e Política?
PADRE ARI: Somos naturalmente pessoas políticas. O que fazemos, ou deixamos de fazer, é uma opção política. Contudo, existem diferentes níveis do agir político, que vão desde a articulação em associações até a militância em partidos. Tudo isto é legal e necessário quando se tem como finalidade o bem comum.
O Papa Francisco, replicando o Papa Pio XI, afirma que a política é a forma mais sublime de viver a caridade porque visa o bem comum. Então, o agir político nas diferentes esferas de participação, está em perfeita consonância com a fé cristã. E os cristãos são convidados ao engajamento social com espirito profético, com a prudência das serpentes e a simplicidade das pombas, como afirma Jesus no evangelho de Mateus.
SITE NEIPIES: O Senhor já trabalhou na Pastoral Afro da CNBB. Como a Igreja Católica aborda as questões das minorias étnicas e sociais?
PADRE ARI: Estas questões sempre foram muito caras a CNBB. No tempo que estive trabalhando lá, éramos seguidamente procurados pelos diferentes grupos. Sempre procurou-se trabalhar as mediações segundo as orientações da Doutrina Social da Igreja e em fidelidade ao evangelho. Cito, como exemplo atual, a proposta da 6ª Semana Social Brasileira que vai tratar dos temas: terra, teto e trabalho e como lema: mutirão pela vida: por terra, teto e trabalho. São dimensões estruturantes de uma vida digna e que a Igreja propõe para reflexão.
SITE NEIPIES: Que mensagem gostarias de deixar aos que lêem esta entrevista.
PADRE ARI: Que possamos continuar buscando um mundo melhor. Nunca deixemos de ter esperança e nos processos de diálogo. Sejamos ousados na proposição, humildes no diálogo e persistentes no processo. Conjuguemos intensamente o verbo esperançar.