Ao falarmos das religiões de matriz africana precisamos, em primeiro lugar, deixarmos em “alguma gaveta” a nossa visão ocidental de mundo e isso deverá ser um exercício bem abrangente.
Nossas vivências e nosso entendimento de religiosidades está profundamente marcada pela visão judaico-cristã. Ainda que não sejamos praticantes de nenhuma religião, temos conhecimentos sobre santos, bíblia, igrejas, papas, etc… Isto está na midia, nos livros de história, nas conversas entre famílias, nos livros e imagens de arte, na literatura, na música, na arquitetura e no nosso vocabulário.
Quantas vezes dizemos “Meu Deus” ou “vai com Deus”; quantas vezes desenhamos em nossa infância um presépio; quantas vezes rezamos um Pai Nosso na escola; quem nunca cantou Noite Feliz? Os exemplos da força do cristianismo na vida de todos nós poderia encher páginas e isso marca profundamente a nossa compreensão e aceitação de práticas religiosas.
Precisamos entender que a visão de mundo trazida pelos escravizados para o nosso país era totalmente diferente da visão dos colonizadores. Tudo que era sagrado para os Africanos, foi demonizado.
Todo a cultura trazida por eles foi desqualificada, esvaziada de sentido e proibida. Nossa visão estética está turva, pois não conseguimos ver beleza em outros padrões que não sejam eurocentrados. Não entendemos uma conexão com o sagrado que não seja através do silêncio ou de canções “respeitosas”; o tambor e a dança são considerados profanos.
Os praticantes das religiões de matriz africanas aqui no Brasil, ultrapassaram essa barreira estética e cultural. Conseguem ver a beleza na dança, no som do tambor, nas guias coloridas que adornam e protegem seus corpos, no canto, na voz, no axé que é a energia divina construída e mantida através dos rituais sagrados.
Quando conseguirmos abrir uma gaveta para colocarmos toda uma nova visão de cultura e religiosidade dentro, um arquivo de novas referências em nossas mentes; quando soubermos enxergar a beleza em outros padrões, em outras práticas, estaremos dando passos largos e seguros em direção a um futuro de harmonia e respeito.
Tânia Mara Duda
Nome religioso: Tânia de Obá
Iniciada na Umbanda e Batuque
Coordenadora da Escola de Teologia Umbandista da Associação de Umbanda Caxias – Caxias do Sul.
Cosmovisão
E de repente nos damos conta de que estamos aqui.
E diante da imensidão, do todo e de tudo que nos cerca, descobrimos que não sabemos nada.
Nasce então dentro de nós, um conjunto de interrogações: Quem somos? De onde viemos e por quê estamos aqui? Para onde vamos?
Respostas inconclusivas, baseadas em suposições, teorias e admissão de possibilidades; apresentadas por alguém , aceitas, defendidas e sustentadas por civilizações ao longo dos tempos.
Cosmovisão africana
Diante da imensidão do cosmos e cientes de nossa fragilidade, impotência e medo ante determinadas situações, num pensamento coletivo, projetamos para fora de nós, para o além, alguém ou algo detentor de todos os poderes imagináveis e de toda a sabedoria possível; em quem buscaríamos forças e respostas nos momentos de dificuldades e incertezas.
E assim o humano criou o Ser supremo e deu à ele os mais diversos nomes ao longo dos tempos, em todas as civilizações. Mas, tudo começou na Àfrica, berço da humanidade.
Os povos africanos criaram um complexo sistema de crenças que explica e justifica tudo; e esse tudo, está o tempo todo na vida dos africanos; e essa relação cotidiana com o sagrado, é o que chamamos de espiritualidade e que nada tem a ver com religiosidade ou religião. Esse é um outro conceito, um outro entendimento.
Autor: Ipácio Carolino Pinto
Segue entrevista com Ipácio Carolino Pinto ( Orùkó – Èsú Abimbade (Nome africano) Duplo pertencimento: Bàbálorixá (Sacerdote do Batuque-RS) e Cacique de Umbanda (religião brasileira).
SITE NEIPIES: Como, quando e porquê fez sua iniciação à religião?
Ipácio: A tendência é sempre sermos iniciados na religião de nossos pais, pois, não fazemos escolhas quando recém nascidos. Quando dei por mim, já estava dentro da Umbanda; ou a Umbanda já estava dentro de mim. Fui batizado num terreiro e cresci acompanhando minha mãe nesses espaços; embora por força de um contexto histórico, herança da escravização, tenha vivenciado também, ensinamentos da visão judaico-cristã como: primeira eucaristia etc…Mas, o coração bateu mais forte, nos ritmos afro – indígena, Saravá Umbanda!
A iniciação no culto aos Orixás (Batuque do Rio Grande do Sul) se deu bem mais tarde, já na fase adulta e de forma espontânea: foi conhecer, se reconhecer como pertencente à esse espaço; e começar a caminhada.
SITE NEIPIES Quais as diferenças entre entidades e Orixás?
Ipácio: Seguem as diferenças:
Entidades trabalham(incorporam), na Umbanda; são espíritos que já tiveram uma experiência no corpo físico, passaram pela vida, tal qual a conhecemos; e após a morte, conectam-se com os vivos, interagem com quem ainda permanece nesse plano.
Orixás – termo africano yorubá, que define seres invisíveis que estão acima dos vivos e dos mortos e com poderes para nos ligar, nos aproximar de Òlódumàré, Òlórúm ou N’zambi (o Ser supremo).
SITE NEIPIES:O que significa axé?
Ipácio: Quando uso a expressão “yorubá”, me refiro aos homens e mulheres que foram capturados no continente africano, onde hoje ficam o Benin e a Nigéria, para serem escravizados no Brasil. Pois bem; Axé é um termo yorubá que significa: ‘Força Vital’. Mas também pode ser entendido como “tudo que é bom”.
SITE NEIPIES: Qual o sentido e o significado das oferendas?
Ipácio: Oferendas (na Umbanda) ou Ebós(no Batuque), são formas de interagir com as entidades ou com os Orixás; é uma forma de comunicação(agradecimento ou compartilhamento) com o sagrado.
SITE NEIPIES: O que é um terreiro? Como ele se forma e se articula com a comunidade?
Ipácio: O terreiro está para a Umbanda e o Batuque, assim como a igreja está para o cristão, a sinagoga para o judeu ou a mesquita para o muçulmano; é um local de culto ou práticas litúrgicas. Esse espaço é integrado por um sacerdote ou uma sacerdotiza, pela corrente mediúnica ou filhos de santo e pelo público simpatizante.
A um terreiro, pode-se fazer uma série de analogias, mas é essencialmente um lugar de acolhimento e cuidados; e o ideal é que promova ações e atividades que envolvam a comunidade onde se localiza.
SITE NEIPIES: Qual foi seu caminho para se tornar um pai de santo?
Ipácio: Tornar-se um bàbá, uma iyá do Batuque ou cacique de Umbanda, demanda tempo, estudo, vivência, dedicação e vocação.
SITE NEIPIES Quais são suas maiores realizações como liderança religiosa?
Ipácio: Religião é um enquadramento; espiritualidade é a busca pelo autoconhecimento e a descoberta do potencial que há dentro de cada um. Eu me realizo quando o(a) consulente entende a diferença entre uma coisa e outra; e opta pela elevação.
SITE NEIPIES: Que tipo de atendimentos normalmente são oferecidos num terreiro?
As pessoas trazem para o terreiro, queixas, necessidades, fragilidades, sonhos…Cabe às entidades ou divindades trabalhar essas questões, dando respostas ou soluções, quando possível.
SITE NEIPIES: Quais são os maiores desafios de resistência e existência das religiões de matriz africana:(desconfiança, preconceito ou marginalização)?
Ipácio: Tudo junto e misturado. Lutamos desde sempre contra esse combo de perseguição instalado inicialmente pelo “estado” em parceria com a igreja católica e aceito e reproduzido pela “sociedade” racista e intolerante.
SITE NEIPIES: Qual sua mensagem aos professores e estudantes?
Ipácio:A forma mais eficaz de se combater qualquer forma de preconceito, discriminação ou intolerância, é com informação e conhecimentos (corretos) e educação de qualidade.
Saravá!
Axé!
Religiões Afro-brasileiras: as religiões afro-brasileiras são aquelas que têm origem nas tradições dos negros africanos trazidos para o Brasil como escravos. Essas crenças possuem maior ou menor grau de influência europeia e indígena e nascem da cultura de diversas etnias africanas, como iorubás, lundas e ashantis. As mais conhecidas são o Candomblé e a Umbanda. Esta edição do Unidiversidade mergulha nesse universo para conhecer um pouco mais sobre essas religiões.
Em comemoração à Década Internacional de Afrodescendentes, documentário produzido pelo Centro de Informação da ONU para o Brasil (UNIC Rio) aborda as causas da intolerância religiosa e a riqueza da cultura afrodescendente no país.
7 Diferenças entre Umbanda e Candomblé
Sugestões de uma prática pedagógica
Esta atividade pode ser aplicada a estudantes do sétimo ano, segundo trimestre, Unidade temática “Manifestações religiosas/crenças religiosas e filosofias de vida”, Objeto de Conhecimento: “Lideranças religiosas” e “Habilidades”: reconhecer papéis atribuídos às lideranças de diferentes tradições religiosas/identificar lideranças religiosas presentes no espaço municipal e suas contribuições à formação espiritual/exemplificar líderes religiosos que se destacam por contribuições à sociedade.
Questões para aprofundamento conhecimentos de religiões de matriz africana.
- Cosmovisão é visão de mundo. Que aspectos da cosmovisão africana você destacaria?
- Discuta com colegas (em grupo) sobre a dificuldade que a maioria dos brasileiros ainda tem de reconhecer e respeitar a cultura negra que vem resistindo no Brasil para não acabar?
- Na entrevista do Ipácio Carolino, aparecem vários conceitos que são importantes na Umbanda e no Batuque. Quais destacaria?
- Assista ao primeiro vídeo, publicado logo após a entrevista(https://youtu.be/uA7_b_tZzFE?t=1022) O que você entendeu?
- Assista ao segundo vídeo (https://youtu.be/tSbl2LwFB1s?t=18) e descubra quais ainda são as razões da intolerância contra as religiões de matriz africana no Brasil.
- Assista ao vídeo(https://youtu.be/aXRGTQLWFgU?t=3)e descreva as sete diferenças entre Umbanda e Candomblé.
Quero parabenizar professor Nei pela iniciativa, compromisso e responsabilidade no que tange as diversas tradições religiosas e visões de mundo. Abordar com qualidade o legado civilizatório do povo africano e mais que tudo leva los aos diversos espaços de ensino e acadêmicos. Parabens Ipacio Carolino Abinbade e Tania por nos representarem qualificadamente contrapondo as superficialidades e o censo comum atribuídos a nossa tradição pelo ocidente e a hegemonia cristã.