A linguagem quase de guerra, é clara.
Trata-se de se defender contra
“predadores ideológicos”.
Considerando o pronunciamento da autoridade central política educacional federal, há um novo sujeito na educação: o “contribuinte”, o pagador de impostos? Passaria ele, como tomador de serviços, a ter direito de interferir no “produto” entregue em sala de aula? Segundo a autoridade, parece que, se é ele que paga a conta, é dele a palavra final. Não só, parece que é a única efetivamente legítima. As demais todas estariam a seu serviço.
Tudo parece orientado pela tal lógica “lean” aplicada à educação: vamos retirar todos os excessos, todos os atravessadores, todos os desperdícios, todos os intermediários… a questão tem que ser direta e produzir resultados satisfatórios para quem paga. E quem paga e não recebe aquilo pelo que pagou, sente-se “lesado”.
Os pais não são mais pais, estritamente, agora são contribuintes; os/as estudantes não são mais estudantes, agora são contribuintes, melhor, ambos são clientes; os/as professores/as, estes não são contribuintes, são prestadores de serviços; a educação não é mais um direito, é um serviço, um produto, um negócio.
Nesta relação comercial, quando for detectado algum conflito, aplique-se a legislação penal: o eventual “lesado”, que produza provas contra o agressor, o denuncie às autoridades. Elas, instalem um tribunal, melhor que seja de exceção, ainda que excepcionalmente dento da lei e proceda julgamentos, de preferência que sejam sumários. Puna-se rápido, não dá para dar chance à impunidade, ela alimenta a doutrinação ideológica.
O posicionamento é justificado por um dos filhos da autoridade maior do País que, sobre o caso declarou que “Gravar/filmar aulas é ato de legítima defesa contra os predadores ideológicos disfarçados de professores”. A linguagem quase de guerra, é clara. Trata-se de se defender contra “predadores ideológicos”.
A expressão para qualificar professores/as que tenham posição e a expressem é cristalina: são “predadores”. Se não são, são suspeitos. O que se faz com predadores, se elimina! Isso faz com que se instale a desconfiança no núcleo da relação pedagógica e a seus agentes, em confronto, só resta atacar/se defender.
Qualidade na educação: a culpa é do professor?
Este tipo de relação destrói a condição básica das exigências pedagógicas da aprendizagem, que é a confiança.
O novo sujeito da relação educativa, o “contribuinte”, “pagador de impostos”, tido por “cliente”, não participa de outro modo desta relação senão que por meio de uma relação vertical, não discute, não sugere, cobra pelo que pagou.
O direito à educação, um dos direitos mais elementares para o exercício dos demais direitos, ao ser tratado deste modo, torna-se mercadoria, produto, e, ao ser assim entendido, é destruído.
Os sujeitos que o constituem são destituídos de sua condição de sujeitos de direitos para os quais a relação se dá em bases não comerciais e as dinâmicas próprias da relação comercial que, somadas às penais, destroem as condições do exercício da educação como direito.
Assim, a rigor, não se trata de um “novo sujeito”, mas da desqualificação dos agentes do direito à educação como sujeitos e sua transformação em agentes interessados numa relação comercial. Enfrentar esta “nova” forma de fazer a educação é o que se põe aos/às educadores/as e a todos/as que seguem acreditando e fazendo da educação um direito.