Criança amada cresce segura

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A criança que é verdadeiramente amada comporta-se com segurança aonde chega. Ela não tem medo de fazer amizades, de falar o que sentir vontade e de brincar com outras crianças iguais a ela.

O amor é inerente ao desejo do Bem, a possibilidade de voltar ao Mundo das Ideias Puras, cabendo ao homem exercitar-se no seu processo de ascendência espiritual, diz Platão no seu livro “O Banquete” e para além disso também nos diz que o amor é belo em si. Se o amor é a possibilidade de adquirir o mundo das ideias, logo ele nos garante o que quero dizer neste ensaio sobre a criança que cresce segura a partir do sentir-se amada.

É a ideia do bem que vai ser buscada nas profundezas dos corações dos pais e responsáveis pelas crianças para ser trazida à tona e reconhecida como um amor real, um amor puro, um amor em substância única e definitiva para o bem-viver do ser que nasce para um mundo estranho e logo recebe o conforto dos seus pais, médicos e enfermeiros.

Sim, o amor pode tudo, o amor move montanhas, acaba guerras, aproxima pessoas e torna o mundo mais bonito. Quando amamos alguém ficamos mais felizes e cheios de vontade de viver. O amor sabe de todas as coisas. Ele é capaz de nos transformar. Só o amor conhece os nossos mais íntimos segredos.

Amar e ser amado, eis o nosso desejo maior. Amar incondicionalmente. Amar como Jesus Cristo nos ensinou, segundo a música de Padre Zezinho. Amar segundo Camões no seu belo poema onde nos diz “Amor é fogo que arde sem se ver; / É ferida que dói, e não se sente; / É um contentamento descontente; / É dor que desatina sem doer.” É neste amor que a criança se encontra e se sente acolhida e protegida.

Em toda a minha vida eu recebi amor da minha mãe, da minha bisavó e das minhas primas que cuidavam de mim. Sempre me senti amada porque nunca recebi gritos, castigos dolorosos ou coisa parecida. Sempre fui acolhida nos braços da minha mãe que chegava cansada do trabalho com carinho e afeto. Tive brinquedos e estudei na infância. Fui uma criança amada e por isso estou aqui para pedir a vocês, pais e responsáveis que amem incondicionalmente os seus filhos.

É claro que todos nós amamos as nossas crianças, mas amar não é somente fazer o que a criança deseja e nunca dizer não. Amar é cuidar, é respeitar, é aceitar e saber o momento exato de falar a verdade e de confiar coisas à criança que ela nos pergunta.

Conheço uma menininha que leva tanto grito da sua mãe que imita esse gesto com as suas bonecas e nas suas brincadeiras com outras crianças. Será que ela está sendo verdadeiramente amada?

Apesar dos gritos que esta criança recebe da sua mãe ela não tem outra pessoa que a acolha e a ame, pois não há nenhum adulto em sua casa que possa lhe dar o verdadeiro amor que merece. Mesmo recebendo gritos, sendo castigada e muitas vezes levando palmadas, essa menininha é doce e meiga e não consegue ficar um minuto longe daquela que a obriga a sorrir logo depois de levar um puxão de orelhas.

Sim, as crianças não guardam mágoas. Elas logo vão esquecer de que foram maltratadas por você de alguma forma. Será?

Maus-tratos são qualquer coisa que imprima no espírito da criança uma lesão que jamais será esquecida. Ela pode até não demonstrar que lembra e pode até ter esquecido realmente, mas no fundo, no seu pensamento estará lá a lembrança de tudo o que viveu, de toda a educação recebida quando pequenina.

Na infância, vivemos como os galhos das árvores que são seguros pelo tronco e dele recebem cuidado e amor. Se o tronco fraquejar ou vier a morrer, consequentemente, os galhos também morrerão. Também passarão a imitar e fazer as coisas que o tronco faz, pois dele vem a experiência de pai ou mãe daqueles galhos-filhos que necessitam tanto de conhecimentos básicos para crescerem e poderem dar frutos ao mundo.

O grande tronco da árvore é aquele pai ou mãe que está ali sempre presente e ao lado dos seus filhos que seriam os galhos, finos e necessitados de cuidados para não se quebrarem ou para não se machucarem nas suas brincadeiras e, principalmente, para que cresçam seguros de que logo se tornarão troncos de outras árvores gigantes e poderosas.

Costumo comparar a educação necessária que os pais e responsáveis deveriam oferecer às suas crianças às das árvores com os seus galhos que muitas vezes rebeldes não sofrem castigos do tronco, mas são chamados atenção e puxados para cima novamente com a ajuda do vento. O tronco fazendo o papel dos pais e o vento o do professor ou professora.

É preciso unir forças para educar uma criança com cuidado e amor. Sozinhos, os pais imaturos podem não conseguir, por isso é tão importante a presença dos avós, tios, médicos e professores.

A criança que é verdadeiramente amada comporta-se com segurança aonde chega. Ela não tem medo de fazer amizades, de falar o que sentir vontade e de brincar com outras crianças iguais a ela. Na sua pequena idade já sabe distinguir o certo do errado porque aprendeu com os pais na base do diálogo e do respeito.

Muitos pais querem impor aos seus filhos uma educação rude e severa que tiveram quando eram crianças. É preciso saber que estamos em pleno século XXI e que a educação mudou porque as crianças também mudaram.

Vejo gente dizendo que antigamente eram apelidadas na escola, eram xingadas disso e daquilo e nunca tiveram traumas. Tudo bem até aí, mas eram outros tempos. Tempos que mudaram com o advento da tecnologia, dos novos conceitos introduzidos na sociedade, das novas formas de viver das crianças com as exigências e cobranças que lhes são feitas todos os dias e a todo instante.

O que antes não era bullying hoje pode ser isso porque as sociedades mudaram os seus conceitos, as pessoas criaram novos hábitos, as ciências não pararam no tempo e as crianças acompanham essas mudanças do mesmo jeito da gente. Vivemos uma época em que a violência toma conta das redes sociais onde estão as nossas crianças o tempo inteiro depois que voltam da escola.

Conheço pessoas que dizem que antes eram chamadas de “negrinhas” ou “negrinhos” e nunca se sentiram desrespeitadas. Antigamente, não havia uma mídia impressa e digital para alertar você do racismo que já foi um gigante na sociedade brasileira e hoje reduziu um pouco graças as lutas dos movimentos sociais antirracistas.

Não é que antigamente as pessoas eram mais felizes sem essas coisas de racismo ou bullying, é que antes tudo era tão disfarçado e fingido de uma forma a ridicularizar o ser humano que não se passava pela cabeça da pessoa que estava sofrendo preconceito. Nem mesmo o outro sabia que estava praticando preconceito. Era coisa do sistema, ou seja, eu finjo que não sei e você finge que não se machuca e está tudo bem.

Deixar uma criança viver uma situação ridícula, humilhante ou desrespeitosa pode agravar para sempre a sua vida psíquica e física porque ela traz desde a tenra idade todos esses conceitos de maus-tratos. Não é que ela nasça uma criança cheia de sabedoria, mas vai se formando no decorrer das suas vivências e experiências. As crianças têm contato logo cedo com os conceitos das coisas.

Assista vídeo: Por que todas as crianças precisam de comunidade? https://youtu.be/rWUUYU4xeP8?t=17

O filósofo Platão já mencionado acima tem um diálogo que trata do nome das coisas e é bem interessante para quem tem curiosidade de saber por que as coisas recebem os nomes que têm. Dessa forma, é que as crianças desde a tenra idade despertam para conhecer os nomes das coisas, os seus conceitos, o que significam, do que se tratam, para que servem. Assim é que no livro “Marcelo, marmelo, martelo” a autora Ruth Rocha explica essa curiosidade das crianças no seu personagem Marcelo a querer saber a origem do nome das coisas e fazer uma confusão enorme com isso. Vale a pena a leitura!

No passado, os nossos pais escondiam da gente os conceitos das coisas. Não tínhamos acesso a coisas que eram ditas ser somente para adultos. Crescíamos inocentes em quase tudo, por isso que não sentíamos muitas vezes o preconceito e o desrespeito para conosco.

Lembro-me que há uns trinta anos meu tio era chamado de “Neguinho” isso porque ele era negro, de fato. Meu tio nunca ligou para isso e levava numa boa o seu apelido, mas também ninguém nunca o contou que aquilo soava como racismo contra a cor da sua pele e que, de uma certa forma, o seu apelido estava ligado a cor da sua pele que para algumas pessoas marcava não o ser enquanto ser, mas a cor da pele que o vestia, ou seja, era a cor da pele que o identificava como presença viva entre os seus. E isso era verdade. Mas, para o meu tio era um apelido carinhoso.

A criança merece cuidados e amor, muito amor. Se em toda a sua infância tiver os seus direitos garantidos como diz o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, se tiver casa, comida e direito a brincar e estudar ainda assim será pouco se lhe faltar o amor verdadeiro de uma pessoa. É por isso que eu peço para acrescentarem ao Estatuto mais um artigo, ou seja, que toda criança seja amada incondicionalmente, principalmente as que estão em situação de rua e largadas ao Deus dará.

Vejo, e esta cena se repetiu muito já, andando pelas ruas, pessoas fecharem os vidros dos seus carros para que a criança suja não se aproxime dele. Crianças andando pelas ruas com fome e com sede sem ninguém as ajudar. Crianças sendo exploradas por adultos, muitas vezes os próprios familiares, nos canteiros das cidades grandes levando sol e chuva pedindo comida e roupas. Sabemos que a situação econômica do país está difícil, mas muitas dessas crianças deixam de frequentar a escola e de brincar para serem usadas como iscas de piedade e caridade.

O meu pedido neste ensaio é de que todas as crianças sejam amadas para crescerem seguras e donas de si. Certas de que serão adultos corajosos e prontos para enfrentarem um mundo competitivo que exige a todo tempo mentes inteligentes e com pensamentos lógicos capazes de tomar decisões rápidas e sem titubear. Esses são os profissionais do futuro. Um mundo em que as relações são líquidas e que os nossos jovens estejam preparados para perder amigos e namoradinhos sem sofrerem tanto.

Não sei se vamos conseguir preparar as nossas crianças para este mundo contemporâneo que exige demais da gente. Não é que estejamos formando uma geração mimimi. É que o mundo se tornou chato mesmo para as nossas crianças e jovens. É que estão cobrando demais deles quando só deveriam brincar, estudar e ser amados. O amor vem antes de tudo. O amor vem do primeiro momento em que o filho entra em contato com a sua mãe na hora do parto.

Muitas crianças nascem com transtornos mentais e quando não são abandonadas pelos pais, são largadas dentro de casa sem receberem a atenção que necessitam, os cuidados básicos, uma escola que esteja preparada para recebê-las.

Tenho uma amiga, adulta já, que me contou outro dia que nunca recebeu amor dos médicos do posto de saúde onde se consultava quando criança. Nem amor e nem atenção. No posto não havia quem soubesse compreender o que ela queria dizer sobre as suas dores e sentimentos, pois era surda e ninguém ali sabia libras ou sabia como lidar com um surdo.

Desse mesmo jeito vejo crianças com esquizofrenia, autismo, depressão sofrendo nos postos de saúde, nos consultórios de médicos do SUS que muitas vezes estão ali para cumprir a carga horária e receber os seus salários, mas não têm nenhum afeto ou cuidado por aquela criança que tanto necessita de ajuda. Aos pais cabe a indignação silenciosa porque se for reclamar é capaz até de perder a consulta do filho ou filha.

A falta de amor às nossas crianças não acontece somente dentro de casa, ela extrapola as paredes do lar e vai para a rua junto com a criança que chora e faz birra para não ficar na casa da tia que a maltrata sem que ninguém saiba e a ameaça se contar para alguém. A falta de amor começa quando você conversa com uma criança sem se abaixar para ficar na altura dela e poder olhar nos seus olhos enquanto conversam.

Não se ama uma criança apenas porque ela é bonitinha e comportada. Se ama uma criança porque ela é um ser especial em formação e que diferente de nós está aprendendo a viver e a conhecer o mundo do jeito que o apresentarmos para ela. Infelizmente, não podemos mentir-lhe e este mundo está muito chato para a criança viver alegre e sorridente o tempo inteiro. Em algum horário ela vai abrir o bocão e chorar reclamando de alguma coisa que lhe desagrada e é neste momento em que precisará de apoio e amor.

Para que a sua criança cresça segura de si e possa se tornar um adulto pronto para enfrentar a realidade ela precisa não somente de que você faça tudo o que lhe pede, mas de amor, sim, amor incondicional. Aquele amor que faz a gente acordar no meio da madrugada só para ver se ela está dormindo bem, aquele amor que faz a gente ficar plantada horas na frente da escola à espera de que ela seja liberada e, principalmente, aquele amor pelo seu desenho que ninguém consegue compreender, mas que ela diz ser você.

Aquele que recebe amor está sempre voltando ao mundo das ideias e reformulando o seu jeito de ser e de pensar tornando-se uma pessoa melhor em busca de um futuro grandioso, por isso é tão importante que a criança sinta-se amada o tempo todo para quando tornar-se adulta estar pronta para enfrentar os “dragões do tempo”, ou seja, as vagas num mercado de trabalho que é tão competitivo ou um relacionamento onde as pessoas quase não se falam mais umas com as outras.

Seja o amor da sua criança dando para ela a segurança necessária para um viver bem.

Assista vídeo “O amor pinta o cinza do mundo”, com a participação do Papa Francisco. https://youtu.be/8ChTGOQeO1s?t=69

Faça um carinho quando ela menos esperar, diga-lhe algo motivador quando ela mais errar no que tenta fazer, seja o herói ou a heroína da sua criança. Mostre para ela que com você pode contar sempre que precisar. Deixe bem claro que você é capaz de tudo para protegê-la e amá-la mesmo ela fazendo as coisas mais atrapalhadas do mundo.

E para terminar deixo você papai, mamãe ou responsável com a música de Caetano Veloso intitulada “Sozinho” que nos seus belos versos nos diz “Quando a gente gosta / É claro que a gente cuida”.

Que possamos gostar mais um pouco, na verdade, amarmos todas as crianças ao nosso redor e até mesmo as que não conhecemos mostrando para elas que apesar de adultos chatos e com pressa para tudo podemos ler a sua historinha com letras garranchadas e adoraríamos receber um desenho que nos represente.

Ame a sua criança interior e a criança que está ao seu lado. Seja ela quem for.

Autora: Rosângela Trajano

8 COMENTÁRIOS

  1. Excelente texto, mostrando a valorização da prioridade do amor infantil…fase essa de formação de conceitos essenciais a vida do ser humano. Parabéns amiga Rosângela Trajano.

  2. Amei o texto, pois tudo que fala de amor incondicional me interessa, porque é assim que eu amo as crianças, e não só elas, mas todos da minha família e meus poucos amigos… também amo da mesma forma nosso planeta é tudo que nele há. Em um tempo em que o amor esfriará, como diz a Bíblia, quem sente esse amor está ao lado do nosso Senhor Jesus Cristo, pois foi ele quem nos disse que bem aventurados as crianças porque delas serão o reino dos céus… eu sempre amei incondicionalmente as pessoas e a natureza, sendo em especial, as crianças e os animais…
    Obrigada pelo lindo texto!

  3. Tudo é amor, porque o Deus que nos deu a vida, é Amor, e todo o sentimento que se faz contrário, que fere e maltrata, é senão o “Amor adoecido”. Parabéns, Danda. Excelente texto e reflexão!

  4. O amor cura e permite as pessoas enxergarem o mundo e as pessoas com empatia e gratidão ao universo. Orientar com amor é uma dádiva.

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