Sustentabilidade mesmo é sobre isso e: “O próximo grande salto evolutivo da humanidade será descobrir que cooperar, é melhor que competir” palavras de Pietro Ubaldi.
Em última análise, nos lembra Singer (2018), “o conjunto de valores e proibições éticos adotados pela ética de sociedades específicas refletirá sempre as condições nas quais têm de viver e de trabalhar para sobreviver”. Diante do exposto, o ambiente se constitui como uma condição necessária a ser observada, portanto, também constituinte de nossas discussões éticas.
Buscamos, como nos lembra Aristóteles (2021), pelo bem viver. E em tal busca, descobrimos a importância, como diria Stuart Mill (2000), dos outros. Vivendo em um contexto, nossas ações causam reações; se procurarmos reagir de forma harmônica, sem maiores prejuízos aos demais e ao meio, e a assim, vice-versa, a tendência é a promoção do bem-estar coletivo.
“O que é bom para colmeia é bom para a abelha”, lembrava Marco Aurélio (2021).
No entanto, a consciência de que aquilo que prejudica ou favorece o meio, também prejudicará ou favorecerá, de algum modo, a nós, ainda não parece ser algo muito bem claro, para uma boa parcela da humanidade. Imersos em um egoísmo histórico, o ambiente comum a todos não é de ninguém e aparentemente não precisa de atenção (exemplo da forma como é cuidado, ou melhor, depredado, o espaço público no Brasil).
Tal visão acaba sendo ampliada se considerarmos a forma como estamos tratando o nosso planeta como um todo. Com o advento da Revolução Industrial, às coisas mudaram muito por aqui. Reinventamos a forma de subsidiar a sobrevivência por meio de um novo modo de trabalho, que geralmente se fundamenta em algum modo de exploração (seja pelo homem, seja pela natureza ou por ambas). Além disso, aprendemos a materializar a felicidade em coisas, que nos propulsionam a trabalhar mais, para comprar mais (explorando mais).
O resultante dessa sociedade sem limites? A mais ansiosa e depressiva já vista. Com uma deturpação clara de valores, cujo lucro deve ser a palavra de ordem e o meio ambiente, apenas uma ferramenta desse sistema. Diante do exposto, é compreensível entender o porquê uma Ética Ambiental “que rejeita os ideais de uma sociedade materialista, em que o êxito é medido pelo número de artigos de consumo que uma pessoa consegue acumular” (SINGER, 2018) é malvista.
Isso porque, essa visão mexe em um sistema pré-concebido, pode causar prejuízos aparentemente incomensuráveis, principalmente, quando há claramente uma distorção em nossos valores, cujo peso da economia e das ações a curto prazo bloqueiam um campo de visão maior, que considera também às consequências a longo prazo e o valor das coisas “sem valor”.
Tal distorção parece ter muita influência pela falta de clarividência das reações de nossas ações, principalmente ao meio e a natureza, além da falta de compreensão de que o ônus será distribuído a todos nós. Diante do exposto, necessitamos olhar para o complexo sistema que estamos inseridos, com o propósito de recalibrar os pesos dos valores, além de nos conscientizar da necessidade de mudança. Eis que surge a sustentabilidade, um importante conceito que deve ser compreendido e aplicado, a fim de contribuir nessa missão.
Mas, que significado tem essa palavra SUSTENTABILIDADE?
Podemos dizer que é uma palavra da moda, com altas tendências de crescimento, ainda mais, depois que o mercado resolveu se apropriar do termo, a fim de vender o desejo de um seleto público, que pode ser traduzido por responsabilidade ambiental. A ideia é boa, e retrata uma perspectiva esperançosa, mas, será que a sustentabilidade chegará a tempo?
Antes de mais nada, precisamos compreender a origem do termo, que, conforme comentado, trata-se de um verbete trivial, no entanto, muitas vezes pouco compreendido em profundidade. Etimologicamente (quanto a origem do termo), a palavra sustentável tem origem no latim sustentare, que significa sustentar, apoiar, conservar (ECYCLE, 2021). Outrossim, podemos pensar em sustentabilidade como aquilo que mantém “de pé”. Até então, nada de muito complexo, não é mesmo?!
De fato, a complexidade é implementada à medida que procuramos identificar e compreender o conjunto de elementos que necessitam estar em equilíbrio para manter uma estrutura de pé. Esse fenômeno se aplica tanto a objetos, seres vivos como também aos sistemas. Sendo que, por tendência, quanto maior o escopo de análise e a amplitude de fatores envolvidos, mais complexo será o caso.
A fim de facilitar um pouco as coisas, podemos pensar em um exemplo: o de uma empresa. Para mantermos uma empresa funcionando, portanto, “de pé”, necessitamos fundamentalmente estar em equilíbrio com três esferas, sendo elas: econômica, social e ambiental.
Por mais que a tendência mercadológica esteja voltada ao cuidado econômico, mesmo que indiretamente, os fatores ambientais e sociais estão presentes, fazendo parte da manutenção desse sistema em prol de um equilíbrio.
Diante do exposto, começamos a compreender que sustentável não é apenas aquele produto “verde” que diz ser ambientalmente correto por fazer uso de uma embalagem reciclável, mas sim, o quanto os sistemas subjacentes a ele, de fato colaboram com um equilíbrio do todo.
No contexto atual, parece-me que estamos nos dando conta, mesmo que de forma ainda branda, das consequências de nosso improcedente modo de viver. Em decorrência disso, a sustentabilidade deveria emergir como palavra de ordem, uma condição sine qua non (indispensável), para a promoção de estratégias que visem mitigar os impactos causados pelo homem, além de parametrizar as ações humanas em prol do equilíbrio de nosso ecossistema.
A Agenda 2030, por exemplo, é um modelo de tais ações, de âmbito global a local, que evidencia o caráter complexo e holístico da sustentabilidade, uma vez que visa interagir e promover os 17 objetivos do desenvolvimento sustentável. Diante do exposto, é válido ressaltar que reconhecer os desafios que nos aguardam é o primeiro passo, mas, como diria Fernando Pessoa (1982) “Agir, eis a inteligência verdadeira” e o nosso principal desafio.
Pois, se tratando de crise ambiental a problemática acaba ficando um pouco mais complexa. A verdade é que temos noção e indícios do problema, como por exemplo os estudos relacionados às mudanças climáticas (IPCC 2021), mas, a humanidade age como um fumante – que, talvez, tenha consciência de que seu hábito é prejudicial com grandes chances de consequências muito ruins – mas, fumamos, dia após dia, com a impressão de que tudo isso acontecerá em um futuro distante…
A genialidade está justamente em evitar o problema e não em mitigá-lo. Eis que entramos em conflito. Há um problema? O efeito estufa existe? Temos realmente a capacidade de alterar o clima do planeta? São alguns, dos questionamentos que enfraquecem uma tendência sustentável à mudança. Na maioria dos casos, nos perdemos em números, ou melhor, na falta de consciência sobre a importância e o peso de nossas ações e valores.
Como nos lembra Singer:
Os ganhos obtidos com o abate da floresta – emprego, lucros das empresas, ganhos em exportações e papel e cartão de embalagem mais baratos – são benefícios de curto prazo. (…) trata-se de um custo que será suportado por todas as gerações que nos sucederem sobre o planeta. (…) Há coisas que, uma vez perdidas, nenhum dinheiro do mundo pode reconquistar. Assim, justificar a destruição de uma floresta antiga com base na ideia de que nos trará um substancial rendimento nas exportações é um disparate, mesmo que pudéssemos investir esse rendimento e aumentar o seu valor de ano para ano (SINGER, 2018).
Corroborando com a problemática, existe uma extrema dificuldade em mensurar às causas de nossas ações em um horizonte mais distante. Podemos chamar esse fenômeno de cegueira sistêmica e ocorre quando, principalmente, líderes implementam uma estratégia para resolver um problema – mas ignoram a dinâmica pertinente ao sistema. A resultante? Alívio no curto prazo, um problema maior a longo prazo (GOLEMAN, 2014, p.139).
Somando-se a isso, existe uma tendência do cérebro humano em não reagir há potenciais perigos de longo prazo. A amígdala cerebral – nosso principal mecanismo de alerta – é excelente em reagir a perigos eminentes, mas nem pisca quando a ameaça em potencial for muito distante[1]. Isso ajuda a compreender por que é tão difícil fazer as pessoas agirem em prol de mudanças a longo prazo, seja evitando o cigarro que você fuma diariamente, seja evitando o colapso do planeta.
Como diria Weber (apud GOLEMAN, 2014, p.141), ironicamente: “não há nada aqui, neste lindo dia de verão, que me diga que o planeta está superaquecendo” não é mesmo?
Conforme observa o professor Sterman: “Como a mudança climática ocorrerá num horizonte distante, que não conseguimos ver, é difícil convencer as pessoas. Apenas os problemas que farfalham as folhas recebem a nossa atenção, mas não os grandes problemas que irão nos matar” (GOLEMAN, 2014, p.142).
Colaborando com o reconhecimento da dificuldade em trabalhar a problemática o Dr. Larry, cujo mandato inclui combater o aquecimento global, demonstra o desafio em convencer as pessoas: “eu preciso convencer você de que existe um gás inodoro, insípido e invisível que está se acumulando no céu e capturando o calor do sol por causa do que o homem está fazendo ao utilizar combustíveis fósseis. É uma tarefa árdua” (GOLEMAN, 2018, p.142).
Outro fator agravante que podemos citar, acaba sendo o receio ou até mesmo o medo de significativas mudanças, inclusive econômicas, por algo que, aparentemente, como vimos, não parece ser uma ameaça.
Por vezes, tenho a impressão de que a palavra sustentabilidade reverbera como um fantasma, normal a tudo que traz consigo uma mudança de paradigma, que nos assusta, justamente por interferir significativamente em nossas estruturas, principalmente pois, segundo Singer “uma ética do meio ambiente acharia que poupar e reciclar recursos seria virtuoso e que o consumo extravagante e desnecessário seria uma depravação.” (SINGER, 2018).
Com base no exposto, podemos supor que sim, o problema existe, no entanto, acaba sendo encoberto pelo sistema econômico e até mesmo uma falta de consciência ambiental, oriunda do perfil da civilização contemporânea. Mas, se o problema existe, cabe a nós refletir, então, sobre qual seria a solução, não é mesmo?
Até aqui, acredito termos exposto argumentos suficientes para compreender por que o problema de fato é um problema. Mas, qual seria a solução? Bem, com base na história, podemos elencar dois cenários factíveis.
O primeiro deles, e o mais provável, trata do cenário emergente. Aquele que ativa os nossos mecanismos de alerta, pois algo está prestes a acontecer ou pior, acontecendo. Quando as ameaças se tornarem visíveis. A solução, nesse caso, será uma espécie de tentativa de remediar ou tentar fazer alguma coisa para restituir a sustentabilidade na Terra. Não acredito que será possível contar com o tempo e nossas ações deverão ser rápidas. O maior problema, é que temos a consciência de que não agimos racionalmente no desespero e muito possivelmente, às ações humanas nesses estados serão egoístas, agressivas e caóticas (são os nossos mecanismos instintivos e que são muito bem retratados nos filmes do fim do mundo).
O segundo, e ideal solução, seria o que conscientes almas estão tentando propor agora: uma tentativa de nos organizar enquanto há tempo. E sim, temos consciência de quanto isso é difícil, a maioria de nós não consegue estipular metas a longo prazo e segui-las, a não ser que o estímulo seja forte, claro e constante. Portanto, necessitamos compreender a problemática para além da mera discussão da existência de um problema, desmistificando o “fantasma” ambiental que assombra a economia. Não tratando a discussão como uma disputa de setores – o econômico versus o ambiental – mas sim, unir esforços em prol de conseguir encontrar um equilíbrio, com a esperança de beneficiar a todo um de nós.
Sustentabilidade mesmo é sobre isso e: “O próximo grande salto evolutivo da humanidade será descobrir que cooperar, é melhor que competir” palavras de Pietro Ubaldi.
Fica como sugestão: Animação criada em Flash e After Effects olhando relacionamento do homem com o mundo natural. https://youtu.be/RbpL5xGCXx8?t=17
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ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Edipro. 2018.
AURÉLIO, Marco. Meditações: O diário do imperador estóico Marco Aurélio. Temporalis. 2021.
CARVALHO, Fernanda. Os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. 2021. Disponível em: https://www.matanativa.com.br/os-17-objetivos-de-desenvolvimento-sustentavel/. Acesso em: 25 nov. 2021.
GALIMBERTI, Umberto. A dimensão racional da técnica e a modelagem da vida. IHU On-Line. Disponível em: http:// www.ihu.unisinos.br/entrevistas/536697-a- dimensao-racional-da-tecnica-e-a-modelagem-da vida- entrevista-especial-com-umberto-galimberti. Acesso em: 25 nov. 2021.
GOLEMAN, Daniel. Foco: Atenção e seu papel fundamental para o sucesso. Objetiva. 2014.
JONAS, Hans. Técnica, medicina e ética: a prática do princípio responsabilidade. Trad. GT Hans Jonas (Associação Nacional de Pós-graduação em Filosofia). São Paulo: Paulus. 2013.
KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70. 2005.
MILL, John Stuart. O Utilitarismo. Iluminuras. 2000.
PESSOA, Fernando. Livro do Desassossego. Lisboa: Ática. 1982. P.85.
Rui Artistides Lebre. O sujeito da techne – O problema do desenho da vivência da justiça, e-cadernos CES [online], 23. 2015.
SINGER, Peter. Ética Pratica. Martins Fontes. 2018.
SOUZA, Vinícius Silva de. O homo faber segundo Hannah Arendt. 2013. 85 f. Dissertação (Mestrado em Filosofia) — Universidade de Brasília, Brasília, 2013.
WRI BRASIL. Mudanças climáticas alarmantes: veja 5 grandes resultados do relatório do IPCC. Disponível em: https://wribrasil.org.br/pt/blog/clima/ipcc-relatorio-mudancas-climaticas2021?gclid=Cj0KCQiA47GNBhDrARIsAKfZ2rCYmyl_2qSuwPZ0Q1mydLPaaZsoWJDLyZwEsMDqii3eY_WqZ7QR-tEaAsIeEALw_wcB. Acesso em 02 dez. 2021.
[1] Esse mecanismo natural existe, a fim de que evitamos gastar energia com preocupações de um futuro distante, uma vez que nosso cérebro entende que às ameaças do agora são potencialmente mais letais do que algo que poderá vir a ser. (Goleman, p.141)