Você já parou para pensar que muitos dos
problemas que o nosso país enfrenta podem
vir da falta de ética?

 

Não há como fugir. De todos os lados estamos cercados de atitudes que nos fazem afirmar que estamos vivendo em meio a uma crise ética. O primeiro indício desse fato vem justamente da política – dos nossos líderes que deveriam prezar pelo bom desenvolvimento da nação, por mais que essa pareça ser a última coisa que façam em meio a tantos escândalos de corrupção. Mas os méritos que nos levam até essa crise ética não são exclusivamente políticos. Muitas outras ações, que contribuíram para essa situação que enfrentamos, estão bem pertinho de nós, no nosso dia a dia.

A falta de ética está naquela fila que o sujeito “fura” para ganhar um tempinho; está naquele troco em que você percebeu que o atendente deu um pouco a mais e não reclamou… A falta de ética transparece em muitos momentos e você certamente já deve ter presenciado algum deles.

Segundo o Doutor e Pós-Doutor em Filosofia, Ângelo Vitório Cenci, essa crise ética em que vivemos não é de hoje, ela acompanha o nosso país, digamos que, desde sempre. “A ética ou a falta dela reflete sempre um contexto social e nós temos um contexto marcado por múltiplas deficiências que prejudicam a ética.

Quando a ética falta na política é porque, da mesma forma, ela falta na base da sociedade, nas relações humanas, nas relações familiares, nas empresas. Aquilo que está lá em cima é o reflexo do que está aqui na base”, explica o professor.

As razões para vivermos essa situação são inúmeras e, segundo Ângelo, uma das causas mais profundas que resultam nessa falta de ética é o fato de vivermos em meio a uma grande desigualdade em nosso país. Temos uma herança histórica do Brasil enquanto colônia, que se constituiu a partir do espólio que levava as riquezas da terra embora. “O que vemos hoje no contexto de instituições políticas, sociais e até empresarias é um reflexo ainda dessa lógica predatória, que revela outra razão profunda e importantíssima que é a falta da perspectiva do bem comum. Hoje temos uma carência profunda de líderes, de pessoas que pensam uma ideia para além dos seus interesses pessoais, que pensem no interesse comum coletivo”, destaca Ângelo.

Além da desigualdade e da falta de se pensar no bem comum, o país também sofre com o reflexo da educação pública deficitária. Deveríamos ter uma educação de qualidade, pública, para que todos pudessem desenvolver uma igualdade em termos de capacidade, o que é um elemento fundamental para uma boa convivência social. “Nenhuma sociedade tem saúde ética, social, política, se não tiver uma coesão social e, para ter uma coesão social, as pessoas tem que ser educadas para isso”, aponta.

 

Mas afinal, o que é ética?

Resumindo, a ética trata do agir humano. É também uma postura, uma atitude e um modo de ser, como diziam os gregos. No dia a dia o papel da ética é orientar as ações humanas para que sejam as melhores possíveis. Por isso é importante saber como as ações deveriam ser, assim como no trânsito. “A ética tem uma analogia muito estreita com o trânsito que, através de normas, regras e sinais, indica para o condutor o melhor caminho e a melhor maneira de trafegar. A gente olha para as placas e sabe como deveria ser, mas se as pessoas agem de acordo ou não é outra questão”, exemplifica o professor.

Quando se fala em ética as pessoas têm o costume de olhar somente para um indivíduo, o abstraindo do contexto em que vive – o que é um erro. “Eu procuro trabalhar sempre a ética pensando o indivíduo como interdependente, nós sempre estamos em um contexto.

A ética não é nata do indivíduo e também não é transmitida, nos nem nascemos éticos e nem transmitimos uma ética para as outras pessoas, da forma como se transmite conhecimentos matemáticos, por exemplo. A ética é um processo de desenvolvimento. Usando um trocadilho, pode-se dizer que a ética não se ensina, mas se aprende. Através de exemplos, de atitudes é possível ser uma boa referência para as pessoas agirem da mesma forma”, ressalta.

Paulo César Carbonari destaca que, mesmo tempo que pode estar na perspectiva de potencialização e afirmação positiva, a humanidade pode também estar na perspectiva da destruição e dominação de uns sobre os outros. Por vezes, ao invés de ética, somos impelidos a agir mais por etiqueta do que por ética. Agimos mais por aparência ou imposição das conveniências.  

 

Ser ou não ser ético – eis a questão

Muita gente segue o seguinte raciocínio: “Se ninguém faz as coisas certas, por que eu deveria fazer?”. O professor Ângelo nos ajudou a pensar sobre isso e o veredito final é: as ações dos outros não justificam as nossas omissões ou as nossas ações erradas. “A ética pode ser reconhecida por qualquer pessoa como válida nas mesmas circunstâncias, então, se os outros não agem bem isso não justifica que eu também não aja bem”, argumenta.

A vida seria muito melhor para todos se todo mundo resolvesse ser ético no dia a dia. O que, segundo o professor, é absolutamente possível. “Só é preciso que a sociedade queira. Quando se fala em educação, por exemplo, se fala muito na Coréia do Sul, na Finlândia, que são modelos, e no fundo quando vamos olhar o que foi decisivo para esses países chegarem onde chegaram a razão sempre é: a educação é um projeto de nação, a sociedade quer. A sociedade acha isso importante e ela opta que isso aconteça, não depende só de governo”, enfatiza.

Hoje a falta de ética também gera um custo extremamente elevado para a sociedade. Afinal, se todas as obras públicas precisam ter um percentual destinado a corrupção essa conta vai cair no bolso da sociedade. É como se no custo de todos os produtos já estivesse incluído uma parte que seria roubada, outra que seria desviada, outra que cobre o descumprimento da palavra de algum fornecedor…

“Existe uma relação inversamente proporcional entre ética e leis. Quando existem leis demais existe ética de menos e quando existe ética o bastante existem menos leis, porque você não precisaria de muitas normas se todos fossem éticos”, destaca Ângelo. Se tivéssemos uma ética maior do que temos hoje, teríamos menos burocracia, menos regras, menos impostos, menos sonegação e menos corrupção. Todas essas situações seriam bem melhor contornadas se todos prezassem por essa pequena palavrinha que resulta em atitudes grandiosas e que fazem bem para todo mundo: a ética.

A partir desta referência, Ângelo comenta que existem três fatores fundamentais para que a ética funcione: boas pessoas, boas regras e boas instituições. E o exemplo vindo desses fatores é fundamental, desde o processo de socialização da criança até o trabalho dentro de uma empresa. Temos referências positivas e individuais de pessoas, temos leis excelentes, mas o terceiro ponto está sendo falho hoje no Brasil. “As instituições têm um papel educativo fundamental e, para a ética funcionar, temos que ver isso como uma perspectiva sistêmica: pessoas, regras e ambientes deveriam funcionar de forma integrada”, alerta o professor.

 

Esta publicação foi originalmente publicada na Revista Contato Vip, Ano XXV, número 272, Agosto 2017. Para conhecer mais, clique aqui.

 

 

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