Cuide de suas amizades em qualquer estação

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Quando se trata de amizade, a conversa fica mais séria, não é mesmo? Ter bons amigos, que não faltem às promessas, é uma dádiva. A lisura é uma capacidade tão difícil de encontrar nas pessoas. Amigos confiáveis são raros.

Como sempre, nestes dias menos luminosos de outono, costumo recolher-me. Fico enrodilhada em uma poltrona, como faz minha gatinha Rita Lee. Introspectiva, me ponho a pensar em tudo. No sentido da vida. Gosto de me voltar para dentro. É um exercício intrincado, nesta época em que tudo é compartilhado nas redes, lotadas de oba-oba.

Ao fim da tarde de um sábado chuvoso, que fez com que escurecesse mais cedo, resolvi pedir uma pizza. Coloquei o desejo em ação. Na hora da entrega rolava muita água. Os carros passavam na rua, levantando e esparramando água para todos os lados. Os faróis ficavam ofuscados. Saí no avarandado de sombrinha em punho e fui em direção ao portão, já acionando o controle. Então, escutei:

— Não venha, Elenir! Você vai se molhar… Eu vou até aí.

O entregador era meu amigo e desejava me proteger.

— Imagina… Quanta gentileza. Te cuida. Não corra! — eu quis protegê-lo, também.

O delicioso cheirinho de pizza à portuguesa, minha preferida, exalava pela casa toda.

Naquele instante, dei-me conta de que faltava algo.

— Oh! Meu Deus! — o refrigerante não fora entregue.

— Bah! Não estou com vontade de tomar vinho hoje, embora a noite seja propícia.

A primeira coisa que pensei é que não iria reclamar. Não prejudicaria meu amigo com uma queixa. Já sofrem tanto com esse trabalho, indo até tarde da noite.

Quarenta e cinco minutos depois, ele estava no portão, pedindo desculpas e entregando o litro de Coca-Cola.

A chuva tinha diminuído um pouco. A pizza já havia sido devorada. O motoboy estava mais calmo. Desejando um bom final de semana, perguntou:

— Por acaso você ligou lá para a pizzaria, reclamando?

— Não, imagina se faria isso com você — respondi, colocando nas mãos dele o valor de uma nova tele-entrega.

Pondo o capacete, dando sinal de arranque na motocicleta, falou bem alto que eu era uma amiga de verdade.

Soledade, RS, 30 de abril de 2024.

Autora: Elenir Souza. Também escreveu e publicou crônica “Por que escrevo”: https://www.neipies.com/por-que-escrevo/

Edição: A. R.

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