Corrijam os que não fazem nada, encorajem os tímidos, sustentem os fracos e sejam pacientes com todos (1Ts 5,14).
Este é parte do título de um livro de autoria da pesquisadora Paula Montero que retrata a leitura da doença a partir de uma religião de matriz africana. Na interpretação da autora, a situação de doença não é apenas um problema físico. Retrata também uma situação de desordem existencial, a ser sanada, da qual a enfermidade física é um sinal visível.
Junto com a cura física faz-se necessário operar a cura existencial, uma tarefa mais complexa que envolve não apenas o aparado dos fármacos. Segundo ela a cura se dá também pela via religiosa que vai harmonizando a vida da pessoa e consequentemente operando a cura. É possível acrescentar um adendo nessa reflexão.
A enfermidade física ou existencial não se refere apenas à pessoa. Diz respeito ao grupo maior, primeiramente a família, àqueles mais próximos, fisicamente e afetivamente. E pode estender-se para a sociedade. Já tem passado um ano que vivemos marcados pela enfermidade. O corona vírus se manifestou e espalhou-se pelo mundo.
Estamos ainda condicionados por uma enfermidade globalizada, que tem atingido, de forma diferenciada, as diferentes regiões do mundo. Por isso, classificação como pandemia.
A forma como cada país se organizou para enfrentar esta enfermidade indica maior ou menor eficácia no combate.
No caso do Brasil enfrentamos a irresponsabilidade e desorganização governamental no enfrentamento, somado à resistência de parte da população em adotar medidas de prevenção e o desrespeito às orientações quanto à segurança sobretudo no que se refere a evitar eventos que gerem aglomerações.
Certamente muitas contaminações, internações e mortes poderiam ser evitadas. A enfermidade gerada pela contaminação da Covid 19 apresenta características especiais que interferem no tratamento dos doentes.
Devido ao alto grau de contaminação recomenda-se o isolamento da pessoa e, quando é internada, fica difícil o contato com familiares pelos riscos que apresenta.
O enfrentamento acontece em muitos momentos sem o contato com os familiares. É ruim para o doente e também para a família. Junto a enfermidade, enfrentamos a realidade de luto e também em um contexto especial.
O isolamento não permite o processo de despedida da pessoa ainda com vida, o que seria muito importante. Também não há velório pela necessidade de cuidado com as possíveis contaminações. Costuma-se dizer da necessidade de ritualizar as passagens da vida. E a passagem da morte também precisa de rito: último olhar, lágrimas, despedida, prece, consolo mútuo. Infelizmente não acontece.
Vivemos um contexto de enfermidade e luto. Estas situações fazem parte da trajetória humana. Todavia agora acontecem com grande rapidez e impacto em nossas vidas.
Repentinamente, as pessoas adoecem e partem ficando um grande vazio. A desordem acontece também na economia das famílias. O desemprego chegou a muitos lares. Os pequenos empregadores não têm fôlego para ficarem tantos dias fechados. Alguns estão sucumbindo.
O despreparo e omissão do governo em organizar um amparo para os setores mais fragilizados têm gerado muita insegurança para os pequenos empreendedores.
O horizonte não parece muito promissor. Tal situação de desordem pode ser combatida primeiramente pela responsabilidade em contribuir com as iniciativas que podem frear o ritmo das contaminações.
Enquanto cidadãos temos responsabilidades também. Não basta cobrar dos governos se não fizermos a nossa parte.
Em segundo lugar, a atitude de cuidar dos que estão caindo à beira do caminho, como fez o samaritano. Ele não hesitou em adiar a viagem, aproximar-se e cuidar da pessoa com a vida ameaçada (Lc 10, 34ss).
Podemos fazer o que é possível. Aquela explosão de solidariedade do início da pandemia precisa continuar com ações organizadas, porque para muitos a realidade difícil ainda persiste e começa a faltar o básico para a sobrevivência. Lembremos o pedido de Jesus aos discípulos diante da multidão com fome: Dai-lhes vos mesmo de comer (Lc 9,13)
O terceiro compromisso diz respeito ao consolo. A insegurança, a enfermidade e o luto têm trazido muito sofrimento para as pessoas. Muitos estão precisando de consolo, de um apoio.
Cabe assumir esta iniciativa junto aos que estão mais marcados pelas perdas. Lembremos do que pede Paulo à comunidade dos Tessalonicenses: corrijam os que não fazem nada, encorajem os tímidos, sustentem os fracos e sejam pacientes com todos (1Ts 5,14).
Em tempos de desordem existencial e insegurança, próprios dessa pandemia, cabe assumir o compromisso curativo e de consolo. Este está ao nosso alcance.
Como sairemos desta pandemia? Médico Arnaldo Porto responde: “gostaria que saíssemos melhores, mas temo que não aprendamos muito. Que no futuro próximo esqueçamos tudo o que estamos vivendo hoje. O exemplo das ruas cheias, logo após a abertura do comércio nas cidades, comprova que, talvez, não aprendamos a conviver de um jeito novo, aproveitando os aprendizados que estamos tendo com a pandemia. Leia mais:!
Autor: Pe. Ari Antonio dos Reis
Edição: Alex Rosset