Um dos grandes ensinamentos de meu querido e saudoso pai
foi ter-me ensinado que, para sobreviver, precisamos de muitas poucas coisas,
mas que precisamos nos apegar ao que é fundamental: a família e a comunidade.
Perdi meu pai fazem sete anos. A lacuna da morte de alguém muito próximo da gente, como nosso pai, nossa mãe, nosso irmão ou irmã, amigo ou amiga, avô ou avó, nos remete a um dos mais difíceis aprendizados da vida humana: conviver com a presença/ausência. O desafio que se coloca a todos é reconhecer sentido para a nossa existência, pois a morte de alguém nos remeter para a pergunta sobre o tipo de vida e de relações que construímos de forma individual e coletiva.
Cada um de nós carrega de sentido a sua existência através das relações interpessoais pelas quais nos “fazemos gente”. Por mais que tentemos, ninguém consegue sobreviver e, quiçá, ser feliz sozinho.
Esta característica da interdependência é também, de certeza, um dos maiores desafios de nossa própria humanização, pois conceber-se integrado e conectado com os outros, exige que saibamos lidar com a superação dos próprios egoísmos.
Família e comunidade são essenciais para a realização humana.
A vida comunitária, herança de nossas primeiras e mais primitivas comunidades, ressignifica o sentido da morte de uma pessoa. As comunidades religiosas são, sobretudo, o lugar onde fazemos a memória de nossos mortos, buscando apreender seus ensinamentos, exemplos e virtudes.
Na comunidade somos reconhecidos por nossos feitos e desfeitos. São muito mais felizes aqueles que podem desfrutar durante sua vida e no momento de sua morte, dos valores comunitários. Quem tem uma comunidade e leva uma vida comunitária, vive mais feliz e poderá morrer mais feliz ainda.
A comunidade é também o lugar onde damos vazão aos nossos medos, fantasmas e incompreensões, refazendo-nos permanentemente. Por isso mesmo, cada um deve ser reconhecido e tratado com dignidade, pois é a referência de si mesmo – alteridade. A comunidade, por sua vez, é o espaço em que lapidamos o nosso ser pessoal e social, onde ousamos viver a nossa subjetividade, buscando o reconhecimento.
Um dos grandes ensinamentos de meu querido e saudoso pai foi ter-me ensinado que, para sobreviver, precisamos de muitas poucas coisas, mas que precisamos nos apegar ao que é fundamental: a família e a comunidade.
Depois de algum tempo você aprende a diferença, a sutil diferença entre dar a mão e acorrentar uma alma… Descobre que as pessoas com quem você mais se importa na vida são tomadas de você muito depressa… por isso sempre devemos deixar as pessoas que amamos com palavras amorosas; pode ser a última vez que as vejamos. Depois de algum tempo. (Autor desconhecido)
Ensinou-me ainda, que é preciso amar as crianças e os mais velhos, porque estes são os sujeitos da comunidade que mais precisam de nossa ajuda e proteção.
Meu pai também comprovou, a si mesmo e aos outros, que sempre é bom e necessário reconciliar-se com os outros, para reconciliar-se consigo mesmo. Ensinou-me tantas coisas, demonstrando especial atenção aos valores do trabalho, do amor e a da fé.
Como a maior parte dos pais, soube valorizar as conquistas de seus filhos, como se fossem também as suas. Soube apontar, na medida do seu universo, os caminhos que seus filhos poderiam trilhar. Soube constituir-se sujeito a partir da comunidade. Conviver com a presença/ausência é deparar-se com os interstícios entre as palavras, as ações, os gestos e os exemplos de nossos entes queridos. As lembranças se encarregam de lembrar, permanentemente, que cada pessoa tem algo a nos ensinar, posto ser única, sagrada e genuína.
A presença/ausência é, também, prova de que a vida se faz na experiência compartilhada, nas memórias e nas histórias de todos os que, na comunidade, se fazem protagonistas.
Obrigado pelos grandes ensinamentos, meu pai. Que eu consiga seguir seu exemplo e que esta crônica também sirva de reflexão a todos que já são ou um dia viverão a paternidade, pois esta só tem sentido se for de vida compartilhada.
Comunidade e pertencimento (reflexão em vídeo TV Brasil)