Fernando Lyra é um homem educado, estudioso e de muita fé. Em sua passagem por Passo Fundo, fez amigos e deixou importantes marcas em sua atuação no ministério pastoral da Igreja Presbiteriana Independente. Em sua entrevista exclusiva ao site, revela-se como ser humano e como vocacionado a serviço da ética e vivência cristã. Conheça-o, por ele mesmo, através de nove questões formuladas para esta entrevista.

Nei Alberto Pies: Acompanhando sua trajetória de religioso, pastor da Igreja Presbiteriana Independente, podemos perceber que o senhor é um homem realizado. Quais foram, e continuam sendo, suas motivações na missão de difundir e viver a ética de Jesus Cristo?

Fernando Lyra: Há pastores e pastores, assim como padres e padres. Muitos caminham para o sacerdócio como meio de subsistência, outros pelo status e outros ingenuamente achando que tem vocação. A grande questão do ministério pastoral é o chamado de Deus. Quem não tem chamado (vocação) tomba pelo caminho ou desenvolve o ministério apenas sob o ponto de vista profissional, sem paixão. Esta é a primeira questão e a principal. Em segundo lugar eu creio no poder do evangelho. O apóstolo Paulo disse: “Pois não me envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê…” – Romanos 1.16. Eu creio que o evangelho é a solução para os problemas existenciais, familiares e sociais. Tenho visto ao longo de meu ministério famílias inteiras sendo restauradas espiritualmente e socialmente.

O evangelho cura a nossa pior doença que é o pecado, a auto suficiência de achar que podemos viver sem Deus. Socialmente falando, é impossível quantificar o quanto as igrejas fazem, em todo mundo, para amenizar a desigualdade social e o sofrimento humano. Tenho certeza absoluta que muito mais do que todas as ONGs juntas.

Nei Alberto Pies: Em sua passagem pelo RS, na cidade de Passo Fundo, o que o senhor pôde aprender com a cultura e a experiência religiosa do povo gaúcho?

Fernando Lyra: Sem dúvida nenhuma descobri que existe uma “alma gaúcha”. Isto é muito bonito de ver. O apego à terra, às tradições, e o orgulho de ser gaúcho. Isto não existe em São Paulo. Até aprendi o hino gaúcho (rsrs). No entanto, faço uma observação e creio que seja pertinente. Este amor pelo estado deveria ser usado para transformá-lo no melhor estado da nação do ponto de vista da economia e do desenvolvimento social e de infraestrutura. Porém, a mesma corrupção e desgoverno que vemos nos outros estados, existe também no RS. Quanto a experiência religiosa do povo gaúcho também percebi diferenças em relação a SP.

Os gaúchos, por ser um povo aguerrido e bravo, são menos religiosos que os demais. A famosa expressão “não está morto quem peleia” mostra bem essa autossuficiência gaúcha. Sendo assim, ele é um povo menos “dependente” de Deus, porque crê muito na força de seu próprio braço. Isto é notável pelo número bem menor de igrejas evangélicas no RS. Outra particularidade religiosa do RS é que sendo o estado mais “europeu” do Brasil, ao mesmo tempo é o estado com o maior número de adeptos de religiões afros.

Nei Alberto Pies: Soube que o senhor está escrevendo um livro com o título “O lado B do sofrimento”. O que o senhor quer dizer com o lado “B” do sofrimento?

Fernando Lyra: O livro “O lado B do sofrimento” procura discorrer sobre os benefícios do sofrimento. Como diz o ditado “há males que vêm para o bem”, a vida nos mostra que isto é verdade. O segredo está em saber que a nossa história faz parte da grande história de Deus e descobrir qual o propósito de Deus no sofrimento que enfrentamos. Quando descobrimos isso, podemos “potencializar” todas as experiências negativas que passamos para nos tornar pessoas melhores, e viver com mais equilíbrio e serenidade.

Nei Alberto Pies: Conhecemos o senhor como um religioso que estuda, que procura aperfeiçoar o conhecimento e as novas técnicas de evangelização. Quais são, hoje, os maiores desafios de evangelização ou de promoção dos valores cristãos?

O maior desafio é mudar a igreja! O que temos visto hoje é que a nossa sociedade está cada vez mais secularizada, ou seja, mais mundanizada e menos religiosa. Seus valores estão cada vez mais distantes dos valores cristãos. Mas por que a fé cristã não tem tido relevância nos dias de hoje? A meu ver, é porque a igreja não está conseguindo cumprir a sua tarefa da evangelização e promoção dos valores cristãos. Conheço muitas pessoas que creem em Deus, mas estão fora da igreja. Elas dizem que não precisam dela para viver a sua fé.

O paradigma que muitos têm da igreja hoje é de uma igreja católica “maçante” e de uma igreja evangélica “mercantilista”. Sendo assim, muitos têm rejeitado a igreja. Então, a meu ver, o grande desafio é mudar a igreja, fazendo com que ela se torne novamente relevante para a sociedade. Para que isto aconteça, a igreja precisa olhar menos para dentro de si mesma, preocupada com suas estruturas internas e olhar mais para fora, preocupando-se mais com as pessoas. A sua pregação, a sua liturgia, a sua prática diaconal e o seu ensino precisam ser contemporâneos, precisam falar a língua do povo.

Neste mundo líquido pós-moderno, a igreja precisa abordar questões que deem sentido a vida das pessoas e lhes transmitam paz espiritual e esperança. No fundo, como disse Santo Agostinho, todo ser humano tem saudade de Deus. Ele disse: “Criaste-nos para ti, ó Deus, e a nossa alma não encontra repouso enquanto não descansar em ti”. O problema não está no evangelho, no conteúdo da mensagem, afinal, o evangelho tem as respostas para todos os anseios espirituais do ser humano. O problema está na comunicação do evangelho por que a igreja não está conseguindo fazer a ponte entre o evangelho e as necessidades das pessoas.

Nei Alberto Pies: O senhor produz um material audiovisual que se chama Conectar com Deus. Qual é a sua intenção com este material?

O vídeo semanal “Conectar com Deus” que publicamos toda terça-feira tem menos de 2 minutos, e é uma tentativa de contextualizar a ação evangelizadora da igreja dentro de uma sociedade midiática. Ele é enviado através de ferramentas de comunicação muito populares hoje, como o Whathsapp, Facebook e Youtube. O intuito é transmitir o evangelho de uma forma rápida (como tudo hoje em dia), mas também de uma forma clara e que tenha aplicabilidade no cotidiano das pessoas. Em toda a Bíblia, vemos Deus indo em direção ao ser humano, e não o contrário. Jesus disse: “Ide e fazei discípulos…”. Hoje, a igreja precisa encontrar caminhos de sair das quatro paredes para que a sua pregação alcance as pessoas onde elas estão.

Nei Alberto Pies: Nas aulas de Ensino Religioso das escolas públicas, promovemos o paradigma inter-religioso, oportunizando aos alunos e alunas o conhecimento das diferentes religiões com o propósito de que possam respeitá-las. O que o senhor acha disso?

Fernando Lyra: Acho fundamental todo e qualquer desenvolvimento do respeito. Na doutrina cristã, o ser humano foi criado a imagem e semelhança de Deus, por isso, qualquer pessoa deve ser respeitada como um semelhante, independentemente qual seja sua crença religiosa. Se necessário, posso até defender com toda convicção a fé cristã diante de outras religiões, mas é meu dever amar as pessoas, independente do que pensam.

Nei Alberto Pies: Qual é o seu conceito de espiritualidade? Por que a espiritualidade é um tema tão discutido nos dias atuais?

Fernando Lyra: Porque o ser humano é um ser espiritual, simples assim! (rsrs). Espiritualidade é o relacionamento com o sagrado. Na fé cristã, obviamente, é o relacionamento com Cristo, aliás, com mais assertividade, com o Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo. Os meios práticos do desenvolvimento da espiritualidade cristã mais comuns são a leitura bíblica, a oração, a comunhão, e a adoração comunitária (missa ou o culto). Além desses, porém menos praticados, temos a meditação, o jejum, a solitude (silêncio com Deus), a contemplação, etc.

Nei Alberto Pies: Qual é a mensagem que o Senhor gostaria de deixar para os leitores do site, que buscam conhecimentos que promovem a humanização?

Fernando Lyra: Que continuem empenhados nesta caminhada do conhecimento, mas que este conhecimento seja usado para o bem comum e não para a vanglória pessoal. Acrescento, porém, que apenas conhecimento pelo conhecimento não gera, necessariamente, um mundo melhor, mas sim, o conhecimento de Deus. Quanto mais cheio de Deus, o homem se torna humano e humilde, quanto mais cheio de si mesmo, o homem se torna deificado e soberbo.

Nei Alberto Pies: Outras considerações que o senhor queira fazer.

Fernando Lyra: O ministério pastoral é uma profissão árdua, que lida com pessoas, que lida com o sofrimento humano e que não traz vantagens financeiras (exceto aos mercenários religiosos da TV). Porém, eu continuo pregando a Palavra porque eu creio que o evangelho é o instrumento que nos reaproxima de Deus.

O ser humano foi criado em perfeição (Gênesis 1.31), mas pelo livre arbítrio escolheu ser independente de Deus. Ao pecar, o ser humano criou conflitos consigo mesmo (Gn. 3.7 e 10), com Deus (Gn. 3.8), com o próximo (Gn. 3.12) e com a natureza (Gn. 3.17). Mas Jesus Cristo veio, cumpriu a Lei que não podíamos cumprir e levou sobre si a culpa dos nossos pecados. Ele nos absolve perante Deus.

Quando depositamos nossa fé Nele e no que Ele fez, então Deus nos aceita novamente, somos reconciliados com Deus! A nossa vida entra no “eixo”, cumprindo o seu propósito principal de viver para Deus. O propósito principal para o qual Deus criou os seres humanos foi explícito pelo apóstolo Paulo em 1 Coríntios 10.31: “Portanto, quando vocês comem, ou bebem, ou fazem qualquer outra coisa, façam tudo para a glória de Deus.” O ser humano foi criado por Deus e para Deus. Confira em Isaías 43.7 e 60.21, Romanos 11.36 e 14.7-8.

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