“Não foi a pandemia
que nos adoeceu,
já estávamos doentes”.
(Papa Francisco)
Em meados do mês de março, quando fomos assolados pela chegada do COVID 19, ingenuamente pensávamos que não demoraria muito, no máximo um mês. Logo retomaríamos ao “ritmo normal”. Contudo, este infortúnio está demorando a passar e estamos preocupados.
Não temos como delimitar os processos futuros devido à disseminação do vírus, sobretudo em um território amplo e um povo diverso culturalmente, como o brasileiro. É uma demora inquietante que desafiará a nossa resistência, capacidade de solidariedade e esperança. Mas também deve provocar a uma revisão séria da nossa forma de conduta no mundo, o caminho que percorremos até aqui.
A pandemia é um alerta sobre as diversas realidades estruturantes da nossa vida, que pensávamos corretas. O clamor da terra, maltratada e doente, devido ao agir humano, denunciado por Francisco na Encíclica Laudato Si (LS 2), foi acentuado pelo clamor de toda a humanidade, ameaçada pelo vírus.
Então percebemos que todos estávamos doentes e alimentávamos a enfermidade cotidianamente, orientados por uma conduta considerada equivocadamente certa. Não era.
Foi explicitada a vulnerabilidade humana. Descobrimos que não somos tudo e não podemos tudo. Junto ao clamor da terra doente fomos forçados a ouvir o clamor da humanidade doente. Como a doença foi “democrática” no avanço, atingindo todos os continentes, tornou-se mais visível e preocupante.
O que era o grito de alguns grupos sociais, historicamente excluídos e tornados invisíveis pela globalização da indiferença, tornou-se agora o grito de toda a humanidade.
No caso do Brasil, a pandemia também revelou o quanto somos um país pobre, injusto e desigual e também o pouco que foi feito para superar estas características históricas. Agrava a situação o fato da condução do país ter sido entregue, via eleitoral, a um grupo reacionário politicamente, despreparado tecnicamente e duvidoso eticamente.
Lembrem-se da famosa reunião ministerial recentemente divulgada. O que foi dito naquele dia é o que realmente o grupo governamental pensa do Brasil. Eles, ou outros, que pensam igual, estarão conduzindo o Brasil pelos próximos anos. Optaram por um modelo de ação governamental orientado pelo descompromisso com a nação e o desejo de agradar alguns grupos isolados.
A enfermidade segue fazendo seus estragos porque não é uma “gripezinha”. A ausência de um projeto amplo de enfrentamento torna a situação mais grave. Temos um sistema de saúde sucateado, que já não respondia às demandas anteriores; um modelo econômico que privilegia o mercado financeiro e não a vida; e um governante mais preocupado com seu “quintal” do que com o povo brasileiro. É o nosso contexto. Não nos iludamos pensando que seja diferente.
É verdade que a enfermidade está demorando a passar. Tenhamos paciência. Mas paciência não significa acomodação. A doença aflorou e exige o tratamento das suas causas. A busca da cura será o objetivo de todos. Estejamos atentos para não seguir os conselhos que se revelaram equivocados.
Segundo o Cardeal Michael Czerny: as certezas que construíram nossa existência parecem, agora, cambalear. É possível dizer que elas nos levaram a enfermidade. A cura exigirá outros caminhos, outras possibilidades. Sejamos criativos. Sejamos solidários.
Recuperemos o sentido do divino presente no humano que nos leva a ser misericordiosos e vamos agir com profecia e esperança, sabendo que o caminho anterior não será o bom caminho. Será preciso descobrir outros caminhos.
Em março deste ano, já publicamos outra reflexo sobre a pandemia no site: “Estamos em uma travessia. Temos muitas preocupações, dúvidas, medos e incertezas. São sentimentos próprios destas situações. Contudo, não percamos a esperança, a vontade de ajudar, a coragem de coletivamente superar esta travessia”.