Depois da tempestade vem a bonança

632

A reflexão sobre o dito popular que afirma: “depois da tempestade vem a bonança”, de certa forma, nos ajuda a enfrentar com mais coragem a tragédia ambiental que está sendo vivida no Rio Grande do Sul e mostra pequena luz de esperança no fundo do túnel.

Em nenhuma outra época, nas regiões atingidas pelas chuvas intermitentes no mês de maio de 2024, a luz do sol e o céu azul foram tão esperados. Os olhos dos gaúchos, olhando para cima, buscavam   enxergar, entre as nuvens cinzas, nem que fosse uma pequena nesga de luz de ouro, vinda de um humilde raio de sol no fundo de um pequeno espaço de azul celeste, todo o esforço era em vão por dias e dias, enquanto os problemas da tragédia se avolumavam.

Refletindo sobre esta situação e buscando encontrar  novos caminhos para percorrer os espaços alagados e enlameados para chegar onde era necessário a ajuda, acabamos percorrendo as lembranças de nossa longínqua infância, quando, aos sete anos  de idade, na sala de aula da primeiro ano do Colégio São Luís, no bairro Teresópolis, em Porto  Alegre, a professora, uma jovem e querida freira nos contava as histórias da Bíblia,  do Velho Testamento sobre o dilúvio ( Gênesis, cap. 6 e 7) de Noé e sua arca, sua família e animais e os quarenta dias  e noites de chuvas e o dia glorioso da bonança quando a arca ficou firme, sobre um lindo monte.

Na plasticidade de minha mente infantil as cenas se desenrolavam como num filme. E a professora explicou que Deus usava dois processos para acabar com o mundo e os pecadores: era por dilúvio, água ou fogo. Para ilustrar a narrativa mostrou um quadro pintado que retratava os pecadores, após a morte, no inferno, eternamente entre as chamas do fogo.  Fiquei preocupada com o fim do mundo. Neste dia, já em casa, durante a sesta obrigatória da tarde, após o almoço, deitada na cama, passei a refletir sobre as informações recebidas.

Como o mundo poderia acabar?  Como tudo ficaria? Resolvi, com o pensamento concreto característico da idade, ir acabando com tudo que conhecia e comecei pelo que estava mais distante: o colégio, a praça, as ruas, a minha casa, a minha família, tudo consumido, primeiro pelo fogo e depois pela água, mas sempre restava alguma coisa e concluí, aos sete anos, que o nada não existe e fiquei aliviada, pois a informação recebida estava equivocada, confiando ainda mais no “Papai do Céu”. 

Nesta época, em casa, eu era responsável por acender o fogão à lenha, era perita nesta atividade e ficava alimentando o fogo com a lenha para não apagar e, por conhecimento empírico, percebia que o fogo consumia a lenha em cinza, era impossível as pessoas ficarem queimando eternamente no inferno. Lembrei também das histórias contadas sobre a enchente de Porto Alegre, em 1941, que, na época havia ocorrido fazia 11 ou 12 anos, e o mundo não tinha acabado…

O que está passando na mente das crianças e adolescentes que estão vivenciando a tragédia real?  

Para muitos, tudo foi por água abaixo, casa, escola, igreja, roupas, utensílios domésticos, material escolar, foram-se as coisas materiais e para alguns, pessoas queridas também partiram.  Agora o futuro é incerto. Como será o retorno à rotina?  Ao lar, a escola, a vida de relação, com tantas perdas?

A escola e os mestres, muitos também atingidos pela tragédia, como se reorganizarão para recomeçar a atividade pedagógica?

Agora vai ser preciso  investir  no planejamento pedagógico dentro de uma  proposta de educação ambiental com o objetivo de formar o sujeito ecológico, que deve ter um olhar sobre as relações entre indivíduo, sociedade e natureza numa visão multidisciplinar que favoreça  a  compreensão diversa e multifacetada das inter-relações  que  constituem o mundo e a vida, ou seja, perceber que os seres vivos interagem entre si, sempre  relacionados  e interconectados, formando  complexo  sistema de trocas.

Na escola torna-se necessário abrir espaço interdisciplinar para organizar campos de conhecimento teóricos e práticos para propiciar a rearticulação das relações ser humano, sociedade e natureza.

A educação ambiental tem que transitar entre os múltiplos saberes científicos, populares (empíricos) e tradicionais.

Os educadores precisam buscar novos modos de compreender, ensinar e aprender, rompendo com a organização estanque, disciplinar, levando em consideração a devida problematização do contexto histórico, de produção, dos interesses econômicos e das condições ambientais do seu município, do Estado e da nação.  A construção de práticas inovadoras e a condução de discussão sobre aquecimento global e os desequilíbrios climáticos, a poluição dos rios, mananciais e mares, os organismos geneticamente modificados (transgênicos), aumento da emissão de resíduos tóxicos e como preservar o material genuíno, na sua força original, de acordo com a sua própria natureza. Para tal questão é preciso compreender os complexos processos biológicos, geográficos, históricos, econômicos e sociais geradores de problemas.

Não podemos descartar, no momento crítico que estamos vivendo, uma análise mais profunda sobre “o ser humano”, suas condições físicas, emocionais, sentimentais e religiosas no contexto de ensino e aprendizagem na escola.

Oportuno trabalhar a questão social, começando pelo papel da família, como grupo social primário e base da sociedade que apresenta, na fase atual, problemas e desafios urgentes. Onde buscar amparo nos demais grupos sociais da comunidade que dão suporte à saúde física, mental e espiritual?  Organizar uma rede de informações dos grupos e espaços disponíveis ao amparo individual e familiar.

Destaca-se o papel relevante também da disciplina do Ensino Religioso pois não podemos esquecer que, dentro do aporte do conteúdo da Filosofia encontra-se a Teoria do Conhecimento, ou Gnosiologia, ramo filosófico que estuda a natureza do conhecimento que o ser humano tem condições de dominar e que o libertam da ignorância, são: o conhecimento científico, o filosófico e o religioso, caminhos importantes que precisam ser trilhados por todos nós.

O conhecimento científico parte do conhecimento vulgar, empírico e leva a compreensão da lei física de causa e efeito. O conhecimento filosófico reflete sobre as causas primárias, mais remotas chegando até as questões éticas e morais nas relações dos seres humanos entre si, e demais seres vivos que fazem parte do reino mineral, da flora e da fauna, culminando com o conhecimento religioso que é transcendental, que pertence à razão pura, que antecede a qualquer experiência material, que transcende, indo além do normal, e que não depende de qualquer denominação religiosa. É a ligação da criatura com o Criador, a religiosidade básica, que é inata no ser humano. Nascemos com a ideia de Deus e buscamos, naturalmente, o caminho de volta para Ele, para nossa origem. A educação bem feita, no lar e na escola ajudam a desabrochar esta inclinação de equilíbrio e harmonia que temos no âmago de nosso ser.  É o autoconhecimento.

O educador lúcido cultiva sempre uma postura de abertura e escuta para a complexidade real de cada situação, apresenta disposição para atuar em grupos de diferentes formações e competências, numa ação compartilhada, com uma atitude questionadora, querendo saber mais, ciente de que não sabe tudo e que se deve construir ideias de convivência amistosa, respeitosa e prudente com os demais saberes dos colegas e alunos.

A acolhida dos alunos no retorno às atividades escolares deve revestir-se de muito carinho, alegria do reencontro, com as rodas de conversa para relatos individuais do drama vivido, a exteriorização das emoções, o olho no olho, a mão no ombro, o abraço, a troca das experiências, as mensagens positivas de trabalho e superação compartilhada serão indispensáveis. A contação de histórias, o desenho, a pintura representando o ocorrido, a dramatização, a música, o canto, a prece em conjunto, a troca de correspondência com alunos de outras escolas, são recursos pedagógicos que ajudarão a superar o grande desafio do recomeço afetivo.

Dura lição a natureza está nos oferecendo, numa reação à ação desenfreada do ser humano em alterar, por ganância ou ignorância, o equilíbrio ecológico. Não podemos considerar como castigo de Deus, mas procurar novos caminhos para reverter esta situação, com base nos conhecimentos científicos que a humanidade já possui e que, com paciência, critério, planejamento comunitário e recursos dos poderes público e privado alcançaremos novamente clima de paz, harmonia e prosperidade.

Para reflexão do leitor, oferecemos a posição lúcida de Otávio Mangabeira que foi político, engenheiro, professor e escritor (In Luzes do Alvorecer, Divaldo Franco, página 56):

“A falência tem sido dos sistemas educacionais, resultado dos governantes inescrupulosos que sabem ser a educação o seu adversário mais poderoso, enquanto a ignorância, que gera o temor, é seu fâmulo especial e melhor serviçal… A Política, pouco a pouco, assume a postura de ciência, substituindo a politicagem que ainda predomina, mas que vai sendo desmascarada, para ceder lugar a novos comportamentos respeitáveis. Os partidos políticos devem compreender que têm a missão de velar pelo povo, pela nacionalidade e não pelos interesses dos grupos que os dirigem, das coligações interessadas em cargos sem encargos…quando deveriam unir-se com elevação para a preservação das Leis… Hoje a crítica aberta aponta as calamidades de comportamento de autoridades e administradores que, embora não punidos, são desmascarados”.

Temos que considerar que vivemos num regime político democrático, somos nós que elegemos nossos representantes na administração dos municípios, do estado e do país, temos que ter consciência de que os representantes que elegemos estão realmente capacitados para   gerir os nossos destinos, se conhecem, em profundidade, os problemas e desafios a serem sanados. Aos dezesseis anos, o adolescente já exerce seu poder de voto; compete à família e à escola esclarecê-los sobre essa grande responsabilidade. Através do voto consciente podemos mudar para melhorar as condições do nosso município, do estado e do Brasil.

Temos certeza na bonança que aguarda o povo gaúcho que vai superar a tempestade que o abate. É questão de tempo e muito esforço, sacrifício, união, fraternidade. Uma nova aurora vai surgir, as nuvens da borrasca vão passar, o sol voltará a brilhar no céu azul do Rio Grande do Sul. Daqui a alguns anos cantaremos com toda a força de nossas vozes: “Sirvam, nossas façanhas, de modelo a toda Terra!  Sirvam nossas façanhas de modelo a toda Terra!”

Sugestões de fontes de pesquisa para os professores:

1.Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade global – Google

2. AGENDA 21;

3. AMBIENTE BRASIL – https://www.ambientebrasil.com.br/

4. FEPAM – Fundação Estadual de Proteção Ambiental;

5. MEC – EDUCAÇÃO AMBIENTAL;

6.REDE GAÚCHA DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL;

7. CARVALHO, Izabel Cristina – Em Direção ao Mundo da Vida/A Invenção Ecológica/Educação Ambiental – a formação do sujeito Ecológico;

8. IBAMA – Educação para um mundo sustentável;

9. LANGENBACH, Miriam – A rede Ecológica; 9. SEGURA, Denise Baena – A Educação Ambiental na Escola Pública;

10. UNGER, Nancy Mangabeira- Da Foz à Nascente – Recado do Rio

Autora: Gladis Pedersen.  Email: gladispedersen@gmail.com Também escreveu e publicou no site “Só uma aldeia inteir pode educar uma criança”: https://www.neipies.com/so-uma-aldeia-inteira-pode-educar-uma-crianca/

Edição: A. R.

DEIXE UMA RESPOSTA