Governo Bolsonaro, desde o início de seu mandato, vem apostando todas as “fichas” na agricultura de exportação, exatamente pela lucratividade que esta oferece, mas abandona a agricultura familiar, aquela responsável por um grande percentual de produção de alimento para o consumo interno.
O Brasil é o segundo maior produtor de alimentos do mundo. No entanto, recentemente o IBGE divulgou dados que a fome voltou a crescer no Brasil e atinge 10,3 milhões de pessoas. Aliado a fome, acompanhamos, nos últimos dias, a gravíssima situação de insegurança alimentar, vivida no país, devido a inflação dos alimentos e desabastecimento de produtos como o arroz, feijão e outros alimentos da cesta básica. O que explica essa situação? O governo tem responsabilidade?
Sim, o governo tem tudo a ver com isso. O governo é o responsável por adotar estratégias econômicas retrógradas, elaboradas no século XVIII, pela escola fisiocrata de economia, responsável pela famosa tese que ganhou grandes repercussões no mundo da economia: “laissez faire, laissez passer”.
Um dos principais problemas com que os governos europeus precisavam lidar naquele período era exatamente o da fome. Antes do teórico de economia Quesnay, a metodologia habitual consistia em prevenir a fome através da criação de celeiros públicos e da proibição da exportação de cereais. Ambas as medidas tinham efeitos negativos na produção.
A ideia de Quesnay foi inverter o processo: em vez de tentar prevenir as fomes, decidiu deixá-las acontecer e dotar-se da capacidade de as governar quando sucedessem, liberalizando tanto as trocas internas como as externas. É este o significado do lema “laissez faire, laissez passer”. Não é apenas um lema do liberalismo econômico, é um paradigma de governo, que concebe a segurança (sureté, nas palavras de Quesnay) não enquanto a prevenção de perigos, mas pelo contrário, enquanto habilidade de governar e conduzir a bom porto, uma vez que tenham lugar.
É fácil perceber que o governo Brasileiro adota essa metodologia, no entanto, ela até pode funcionar quando se tem bons governantes, capazes de lidar com as situações de crise. O governo Bolsonaro, desde o início de seu mandato vem apostando todas as “fichas” na agricultura de exportação, exatamente pela lucratividade que esta oferece, mas abandona a agricultura familiar, aquela responsável por um grande percentual de produção de alimento para o consumo interno.
“A pobreza extrema no Brasil deverá dobrar em 2020 como resultado da pandemia e ameaçar a democracia. O alerta faz parte de um novo informe produzido pela ONU e que revela que o tombo no PIB (Produto Interno Bruto) latino-americano será de 9,1%, o maior em um século.
Não podemos esquecer que a maioria dos dispositivos do projeto aprovado pelo Congresso (PL 735/2020), foi vetado pelo Presidente Bolsonaro. Entre eles, a extensão do auxílio emergencial para os agricultores que não receberam o benefício de R$ 600. Uma prova clara que é um governo à serviço do agronegócio.
Por décadas, a possibilidade de desabastecimento de alimentos era mitigada e controlada com políticas de incentivo à agricultura familiar, com políticas de constituição de estoques públicos que impediam oscilações de preços e desabastecimento. Contudo, essas políticas sofreram um grande ataque.
Hoje, conforme dados da CONAB, os estoques públicos de alimentos estão quase no fim. Sem falar do sucateamento que a CONAB vem sofrendo. Em maio deste ano ela já havia anunciado o fechamento de 27 unidades. A entidade explicou que a decisão foi resultado de um estudo elaborado no ano passado, que prevê uma menor atuação do governo nos locais onde o setor privado tem maior presença no mercado.
São dados assustadores para um Brasil que parcela da população estão morrendo de COVID-19, outra, nesse exato momento, está apagando as chamas de setores criminosos e outra está desempregada.
Basta! Não podemos mais admitir que um Estado conceda poderes ilimitados ao mercado, um setor que tem apenas como palavra de ordem o lucro a quaisquer custos.
Marcelo Neri, professor da FGV, ex-presidente do Ipea e ex-ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República entre 2013 e 2015, diz que “o morador do campo é mais pobre, produz alimentos, mas não ganha o suficiente para comprá-los”. “Em 2019, 53% dos 20% mais pobres e 10% dos 20% mais ricos brasileiros declaravam que faltava dinheiro para alimentação. Já no resto do mundo, os números eram 48% nos 20% mais pobres e 21% nos 20% mais ricos”, diz o professor. “Ou seja, nossos mais pobres têm hoje mais insegurança alimentar que no mundo, enquanto nossos mais ricos têm menos. É a famosa desigualdade tupiniquim.” Leia mais aqui.