As exigências atuais estão mais no compartilhar do que no acumular; mais no observar e motivar do que no “ditar” e dirigir; mais no inspirar e acolher, do que no determinar e controlar. Que tempo é esse, o tempo “digital”?
É difícil dizer o que significa aprender! E o que é ensinar, então? Aprendemos que ensinar e aprender são dois verbos que se conjugam na transitividade da relação de presença entre sujeitos.
Ensinamos que aprender e ensinar encontram sua síntese e finalidade nos sujeitos e sua mediação nos múltiplos liames da vida e nas diversas formas de fazer o viver. Sendo assim, que sentido tem a transitividade entre sujeitos e as mediações numa época cada vez mais “digital”?
A maior parte dos pais e dos educadores é de uma época na qual o aprender se dava de forma linear, contínua, catalizadora e agregadora, capaz de a tudo dar sistematização num tempo e num lugar determinantes e determinados. Nela ensinamos que esta mesma lógica é capaz de dotar a multiplicidade diversa de sentidos unificados, unificadores, quando não uniformes e uniformizadores.
Aprendemos a pensar contra o jeito de Funes, de Borges, para quem “não havia senão detalhes, quase imediatos”, visto que aprendemos e ensinamos que “pensar é esquecer diferenças, é generalizar, abstrair”. Aprendemos e ensinamos de forma discursiva e argumentativa. Enfim, aprendemos e ensinamos de modo “analógico” e num modelo físico newtoniano, talvez, no máximo, einsteniano.
O contexto, os novos sujeitos e as dinâmicas sociais de aprendizagem, todavia, parece que são cada vez mais “digitais”. São multilinguísticos, descontínuos, híbridos e descentrados, numa física da indeterminação, quântica. Um tempo que reclama o “pensar” ao modo de Funes, como ocupar-se de “detalhes, quase imediatos”, senão imediatamente imediatos.
As exigências estão mais no compartilhar do que no acumular; mais no observar e motivar do que no “ditar” e dirigir; mais no inspirar e acolher, do que no determinar e controlar. Que tempo é esse, o tempo “digital”?
Seria o fim da presença imediata e o tempo da pura mediação – mesmo a da tela plana em múltiplas dimensões? Será que é o tempo da interatividade sem presença imediata? Ou da imediatividade mediada pelo humano-máquina da “tela quente” do vídeo conectado em tempo real? De tantos “detalhes”, que parecem ignorar o que é que faz o “detalhe ser detalhe” e do que é que é “detalhe”? Da descontinuidade contínua e da contínua descontinuidade?
Afinal, o que então significa pensar? E aprender? E ensinar?
Indagações como estas, e tantas outras, põem pais e educadores em estado de perplexidade. A elas reagem, em geral a seu modo, avessos ao que as questões propõem, até porque educados a ensinar no modelo “analógico”. Instala-se um não-diálogo. Interrompe-se a transitividade do ensinar e do aprender. Abre-se o hiato e o silêncio improdutivo.
Talvez o principal desafio dos pais e dos educadores para educar hoje seja voltar a aprender. Aprender como cada vez menos acumular continuidades e ensinar como cada vez menos mostrar continuidades; aprender como cada vez mais lidar com descontinuidades, continuamente; e ensinar como cada vez mais conectar e mobilizar descontinuidades, continuamente.
E quem vai ensinar isso aos pais e aos educadores? Certamente serão aqueles que, desde há muito, são entendidos por pais e educadores como os que nada teriam para tal, aqueles para quem se insiste em destinar o que se sabe, sem se perguntar se lhes interessa a isso aprender.
Talvez nunca antes, como em nosso tempo, ensinar e aprender sejam verbos a serem conjugados na extensividade e na intensividade múltipla da transitividade, continuamente, na descontinuidade.