Quando se trata de olhar para o futuro do Brasil,
a crise revela um horizonte sombrio e povoado de incertezas.
Neste caso, a escuridão e a falta de transparência torna-
se terreno fértil para a produção de fantasmas.

 

Tempos de crise costumam dar origem a uma série de medos, dúvidas, apatia, indiferença e não poucas perguntas sem resposta. Do ponto de vista socioeconômico e político, além do desemprego e subemprego, a crise engendra descrédito e desconfiança com respeito ao governo, mas também insegurança e instabilidade frente às instituições. Quando se trata de olhar para o futuro, entretanto, a crise revela um horizonte sombrio e povoado de incertezas. E neste caso, a escuridão e a falta de transparência torna-se terreno fértil para a produção de fantasmas.

Um desses fantasmas é o discurso sobre o retorno dos militares ao poder. Nas últimas semanas, com efeito, seja a partir da intervenção do Rio de Janeiro, seja durante a greve dos caminhoneiros, alguns representantes de alto grau das forças armadas levantaram o tom da voz.

O problema é que, para muitos, crise é sinônimo de caos e desordem. Nessa visão marcadamente conservadora, passa-se o mais rápido possível à necessidade de buscar uma nova ordem, no sentido de restabelecer o status quo. A crise é imprevista e imprevisível, o que significa que o “novo” constitui um perigo a ser imediatamente exorcizado. Ordem e imprevisto são dois inimigos declarados de morte.

Mais do que “caos”, porém, a crise costuma ser uma “encruzilhada” nos rumos da trajetória humana. Um sulco na história pronto para nova semeadura. O conceito de encruzilhada supõe a existências de diversos caminhos e, portanto, a possibilidade de uma escolha, seguida de consequente ação transformadora. Em outras palavras, de um ponto de vista mais aberto e inovador, encruzilhada pressupõe distintas alternativas e a necessidade de uma opção.

Em lugar de uma ameaça, o “novo” representa uma oportunidade de avanço, rompendo com os padrões tirânicos da mesmice. Disso resulta que, enquanto a visão de crise tende a ser obsoleta e retrógrada, a encruzilhada lança-nos em um novo desafio. A primeira tende a bloquear toda e qualquer iniciativa, para defender com unhas e dentesa ordem estabelecida, a segunda toma as rédeas do momento para fazer amadurecer as iniciativas no terreno remexido da história.

Talvez seja isso que está em jogo nas eleições de outubro. Ao invés de usar as trevas para preparar o palco a um verdadeiro desfile de fantasmas, por que não iluminar as nuvens sombrias até o fundo, no sentido de encontrar alguma luz que possa nos servir de semente e de orientação?

A voz alterada de certas figuras das forças armadas ou das autoridades não passam de braçadas de náufragos: tanto mais raivosas, brutais  e desesperadas quanto mais grave a tempestade e maiores as ondas. Por outro lado, o redemoinho da tempestade não é o melhor lugar nem o melhor momento para tomar decisões de longo alcance. Os ventos e as águas revoltas não permitem ver o porto e a luz do farol. Mais sábio esperar pela calmaria, quando o rumo da embarcação pode ser retomado com maior segurança.

Voltemos ao “sulco na história para nova semeadura”. Nesta perspectiva, as eleições ganham nova roupagem. Ao invés de cultivar o medo dos fantasmas, torna-se imperativo acreditar na semente lançada à terra. Temos ainda bem frescas na memória expressões como “trabalho de formiguinha”, “visita às famílias”, “círculos de reflexão e ação”, “comunidades eclesiais de base”, “fortalecer as organizações de base” – entre outras. Daí é que pode nascer a visão inovadora da encruzilhada. São frases que apontam distintas alternativas e que nos chamam a dar uma resposta, a fazer uma escolha.

Mas não só! São sobretudo formas de ação conscientizadora, organizadora e mobilizadora que devem ser cultivadas como se faz a um jardim de flores. Estas, como sabemos, antes de buscar o calor e a luz do sol, buscam o frio e o escuro do solo. Antes de aventurar-se pelo azul do céu, mergulham as raízes no umidade da terra. Antes de respirar o ar livre, nutrem-se do respiro pesado que reina nos porões e periferias da sociedade.

Com fantasmas ou sem eles, qualquer projeto novo de país deve fincar seus alicerces bem firmes na realidade econômica, social, política e cultural. Só assim terá tronco forte e braços rígidos para enfrentar os ventos que varrem continuamente a paisagem do mundo globalizado.

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